Capa: Estrela dos ovos de formiga. Simulação Stellarium.
Coleção AfroCéus: Primeira temporada
Autor: Paulo Henrique Colonese. Licença CC-BY-NC-4.0.
Depois de admirar e se encantar com a estrada de cinzas e a família de estrelas do Caçador durante os meses de verão, Naju está ansiosa pelas histórias de outras estrelas que sua avó prometeu contar na época certa.
Elas estão chegando ao mês de maio, um mês que trará grandes mudanças à região onde moram. Elas precisam se preparar.
Naju: Que estrelas vamos conhecer hoje?
Nami: Já conhecemos as estrelas do Caçador. Essa noite vamos conhecer a estrela que anuncia a chegada da estação seca, o inverno. Ela esteve conosco em todas as noites do verão, mas agora ela vai se despedir, se pondo logo ao anoitecer.
Naju: Como é o nome dela?
Nami: Ela é a estrela dos ovos de formiga (cupins) pois anuncia que os ovos, ninfas e adultos do cupim coletor estão mais abundantes. Ela anuncia a fartura dos ovos, ninfas e alados do cupim.
Naju: Ela anuncia a época das nossas “formigas arroz”? Eu adoro o arroz de cupins!
A espécie na verdade é o cupim colhedor-do-norte (Hodotermes mossambicus), talvez traduzido erroneamente pelos europeus colonizadores, mas o nome popular inglês acabou sendo formigas. As ninfas brancas da espécie são conhecidas em africâner como a “formiga do arroz”. Esta espécie de cupim é bastante distribuída nas partes áridas e semiáridas do sul da África. É uma fonte inestimável de proteína para pássaros e pequenos mamíferos predadores, incluindo o lobo da terra, especialmente durante a seca de inverno. Os cupins alados ou reprodutivos da espécie, enxameiam de 3 a 5 dias após as primeiras chuvas fortes da primavera (em outubro ou novembro) e são uma fonte rica de alimento. Eles são desenterrados no inverno.
Seu ciclo de vida envolve três etapas:
- Ovo – O desenvolvimento embrionário na fase do ovo é o início do ciclo de vida do cupim, no qual começam pequenos, frequentemente oblongos ou ovais, e podem variar de cor de transparente a branca ou amarelada dependendo da espécie.
- Ninfa – Após a eclosão, o cupim emerge como ninfas, lembrando pequenos adultos mas sem asas totalmente desenvolvidas e órgãos reprodutivos. Essas ninfas passarão por várias mudas, aumentando de tamanho e adquirindo gradualmente características semelhantes às dos adultos.
- Adulto – Alcançando a maturidade, o cupim adulto apresenta asas desenvolvidas, órgãos reprodutivos e uma exoesqueleto mais resistente. Eles exibem um dimorfismo sexual distinto, com colorações do corpo variando de estágios ninfais mais claros a tons mais escuros e pronunciados.
Naju: Em que época a estrela dos ovos de formiga vai se pôr no início da noite?
Nami: Quando começarem os ventos frios. A estrela nos avisa para prepararmos os cobertores e fogueiras à noite. Alguns parentes acham que ela leva a estação das chuvas de verão embora e trazem os ventos gelados que queimam qualquer coisa verde na natureza. Nós precisamos orar à estrela para que ela nos presenteia com uma abundância de cupins do arroz. É uma de nossas comidas principais na estação seca de inverno.
Naju: E como é a oração? Eu ainda não aprendi.
Nami: Sim, venha fazer a oração comigo.
Nami e Naju fazem a oração juntas.
Ó Estrela vindo lá,
Deixe-me ver
uma cabra-de-leque,
Ó Estrela vindo lá,
Deixe-me desenterrar
a comida das formigas
Com este bastão;
0 Estrela-corpo chegando lá,
Deixe-me desenterrar
a comida das formigas
Com este bastão;
Ó Estrela vindo lá,
Deixe-me ver
uma cabra-de-leque amanhã;
Ó Estrela vindo lá,
Eu te dou meu coração;
Dá-me o teu coração;
Ó Estrela vindo lá,
Posso ver um lobo da terra amanhã;
Deixe o cachorro matá-lo,
Deixe-me comê-lo,
Deixe-me comer
enchendo meu corpo
Para que eu possa
deitar e dormir à noite.
[A fonte original da oração em inglês é Bleek (1929), reproduzido em Schapera (1965)].
Naju: Porque as cabras de leque e o lobo da terra aparecem também na oração?
Nami: As cabras de leque também pastam as gramas curtas no período da seca.
Naju: As cabras de leque são lindas com aquela faixa preta no corpo dela e seus belos chifres.
Nami: Os lobos da terra também comem os cupins. Onde eles estão tem cupins por perto. Eles nos ajudam a encontrar os cupins. E podemos nos alimentar deles também nesse período de seca.
Naju: Os lobos da terra são aqueles com listras pretas que parecem pequenas hienas listradas e que deixam um cheiro forte onde moram?
Nami: Sim, isso mesmo, eles são parentes das hienas, mas não comem carne, eles se alimentam principalmente dos cupins também nessa época.
A espécie mencionada é o Proteles cristatus, que se alimenta quase exclusivamente de cupins e vive em buracos no solo. O protelo é um mamífero africano sendo também conhecido por lobo-da-terra, urso-formigueiro ou urso-formigueiro-africano. O protelo é semelhante à hiena-riscada, mas tem menor porte, tem um focinho mais estreito, orelhas mais pontiagudas, listas verticais, e uma longa crina abaixo da linha média do pescoço e nas costas. Mede até 50 cm até às espáduas, chega a pesar 9 kg, e possui duas glândulas na parte posterior, que secretam um líquido almiscarado usado para marcar o território e comunicar com outros da mesma espécie. Uma fonte de alimentos também importante para a caça alimentar.
Naju: E onde está a estrela dos ovos de cupim no céu?
Nami: Ela é uma estrela muito brilhante e nos acompanhou bastante na estação das chuvas de verão. Você já viu com certeza pois ela fica perto das estrelas do Caçador. Quando as Zebras começam a se por, a estrela dos ovos de cupim está próxima, começando a se por mais ao sul. E tem uma outra estrela muito brilhante entre ela e as zebras, mas que fica mais acima das zebras, ao se por. Elas são as estrelas mais brilhantes da noite. Consegue encontrá-las?
Naju: Achei, são aquelas duas?
Nami: Isso mesmo. São elas mesmas. A flecha caída aponta direto para a estrela dos ovos.
Naju: Eu repareique perto da brilhante estrela dos ovos de cupim, tem duas manchas brilhantes. Parece que se soltaram da estrada de cinzas. O que são elas?
Nami: Elas também tem histórias, mas vamos deixar as manchas brilhantes para outra noite e voltar para os nossos ovos de cupim. A estrela dos ovos de cupim começa a se despedir da noite nos meados desse mês de maio e desaparece de vista no céu noturno por volta do final de julho – bem na estação da seca do inverno.
Naju: E não podemos mais vê-la?
Nami: No final desse mês de maio, ela pode ser vista ainda no horizonte sudeste, pouco antes do nascer do Sol. E, com sorte, pode ser vista por alguns minutos a esta hora do dia. Mas depois, ela estará no céu durante o dia, e não poderemos mais vê-la durante a noite e nem de dia por causa da luz do Sol.
Naju: E quando ela volta para as nossas noites?
Nami: Ela vai retornar mais uma vez, sempre no sudeste, no final de setembro por volta da terceira hora da noite. E, a partir daí, será uma estrela facilmente visível, anunciando que a estação das chuvas de verão está se aproximando!
Naju: Nossa, já estou sentindo o sabor do seu delicioso arroz de cupim, vovó.
Nami: Sim, em breve, vamos sair juntas para você aprender a escavar e coletar os cupins.
Naju: E os cupins mordem? Eles têm umas garras enormes na boca deles.
Nami: Não, não se preocupe, pois como um poema nosso diz:
As formigas não vão
Comer seus dedos.
Dorothea F. Sleek, A Selection of Traditional African Poems Edited by Leonard W. Doob. ‘Valker and Company, New York,
Naju: Boa noite, vovó, estou ansiosa por nossa próxima estrela e suas histórias.
Nami: Boa noite, Naju. Sonhe com as estrelas…