Conhecendo a Razão Áurea

Imagem de capa: Phi Nautilus. Roberta Conti, 2015 (ilustração). Acervo Wikipédia. Licença CC-BY-SA-3.0.

Autores:

Isabella Bellio da Nóbrega (Graduanda em Pintura, UFRJ).

Prof. Marcos Farina (ICB, UFRJ).

Do número nasce a proporção,
Da proporção se segue à consonância,
A consonância causa deleitação,
A nenhum sentido apraz a dissonância,
Unidade, igualdade e semelhança
São princípios do contentamento,
Em todos os sentidos o experimento
A alma na unidade glória alcança
Em todas as quantidades a igualdade
E a perfeição remota ou a mais chegada
Segundo a natural autoridade
E assim está nas qualidades assentada
Da mesma maneira a semelhança
Diva de ser sentida e contemplada

O misterioso número de ouro, no livro Camões e a Divina Proporção, Vasco Graça Moura (1942 – 2014). INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1985. 

A Definição da Proporção de Razão Extrema e Média

Em 300 a.C., o matemático grego Euclides de Alexandria, considerado pai da geometria, escreveu em seu tratado “Os Elementos” a definição para uma proporção derivada da simples divisão de uma linha, a qual ele chamou de “razão extrema e média”.

Nas palavras de Euclides:

“Diz-se que uma linha reta é cortada na razão extrema e média quando,

assim como a linha toda está para o maior segmento,

o maior segmento está para o menor.”

Vamos visualizar isso geometricamente. Observe a imagem abaixo.

Figura 1. Linha cortada em 2 segmentos. Linha toda (AB);
maior segmento (AC); menor segmento (CB).

Na Figura 1, temos que a linha AB é maior que o segmento AC, que por sua vez é maior que o segmento CB. Se a razão do comprimento de AB para o comprimento de AC for igual à razão de AC para CB, a linha foi cortada na razão extrema e média – hoje em dia mais conhecida como Razão Áurea.

A Construção Geométrica da Proporção

Para encontrar geometricamente o ponto que divide uma linha na razão áurea, primeiro dividimos a linha no seu ponto médio. Para isso, colocamos a ponta seca de um compasso no extremo A da linha AB, abrimos até o outro extremo e traçamos um círculo, assim teremos o círculo com centro no extremo A e raio de tamanho AB. Depois de repetir este processo com o outro extremo da reta, sem alterar a abertura do
compasso, unimos os pontos onde os círculos se cruzam traçando outra linha, como na Figura 2.

A linha original, então, será cortada exatamente no seu ponto médio, marcado como M.

Figura 2. O ponto médio: AM = BM.

Agora, traçamos uma linha perpendicular a AB que passe pelo ponto B e, com a ponta seca do compasso em B, abrimos até o ponto médio M e traçamos um quarto de círculo, até a reta perpendicular a AB. Temos, então, o segmento BC perpendicular a AB com exatamente metade do comprimento de AB. Vamos unir o ponto C com o ponto A para formar o triângulo ABC (Figura 3).

Triângulo ABC, com BM = BC.

Colocamos a ponta seca do compasso no vértice C do triângulo e o abrimos até o ponto B para marcar o ponto E na hipotenusa do triângulo. Finalmente, com a ponta seca do compasso em A, vamos abrir até o novo ponto E e usar este raio para marcar o ponto D em AB.

Temos, assim, nosso segmento AB dividido na razão extrema e média em D (Figura 4), ou seja,

Figura 4. CE = BC e AE = AD.
Os muitos nomes da proporção extrema e média

A proporção extrema e média é conhecida por múltiplos nomes: a Razão Áurea, a Proporção Áurea ou a Proporção de Ouro – e representa uma razão matemática.

Na literatura matemática acadêmica, o símbolo habitual para a Razão Áurea é a letra grega tau (τ,
primeira letra da palavra de significado “o corte” ou “a seção” em grego).

No início do século XX, o matemático norte-americano James Mark McGinnis Barr (1871 – 1950) renomeou a proporção de phi/fi (φ, primeira letra grega no nome de Fídias).

Letra grega Phi (fi) minúscula.

Fídias (Feidías, Φειδίας, aqui com phi maiúsculo) foi um escultor grego que viveu entre 490 e 430 a.C, responsável pelas esculturas de Atena Paternos (“Atenas Virgem”) no Partenon, ainda existente na Acrópole ateniense e de Zeus Olímpico no Santuário de Olímpia, dentre outras esculturas da Antiga Grécia.

À esquerda Atena Varvakeion (réplica de Atena Partenon) National Archaeological Museum in Athens, Licença CC-BY-SA-3.0. À direita, ilustração de Zeus em Olímpia, Quatremère de Quincy (1755-1849). Wikipedia, Domínio Público.

Barr decidiu homenagear o escultor porque alguns historiadores da arte sustentavam que Fídias fazia uso frequente e meticuloso da Razão Áurea em suas esculturas, apesar de hoje em dia existirem dúvidas quanto a isso.

A fachada frontal do Partenon está próxima de um retângulo dourado, mas não o suficiente para concluir que foi usado em seu design. 

O primeiro registro escrito sobre a proporção áurea foi feito por Euclides, quase 100 anos após sua construção, portanto, os arquitetos do Partenon não aprenderam sobre isso com ele. 

Platão nasceu pouco depois de sua construção e adotou a estrela do pentágono como símbolo de seu grupo de seguidores, o que sugere que poderia ter havido consciência de geometrias especiais usando a proporção áurea naquela época. 

O Partenon tem um design complexo que incorpora muitos números e relações matemáticas. Por isso, não é nada impossível que a proporção áurea estivesse entre os números e proporções representadas.

O valor numérico da Razão Áurea

A razão áurea representa uma razão matemática. Deste modo, podemos tentar calcular o valor dessa fração. Voltemos a nossa linha da Figura 4 e chamemos o comprimento de AD de a e o comprimento de DB de b. Dessa forma, AB = a+b (Figura 5).

Figura 5.

Assim,

e ,

logo, chegamos à equação que nos leva à proporção a/b;

A equação mais à direita mostra que a = bφ e, substituindo a na equação mais à esquerda, temos que:

Cancelando b, fica:

Que é o mesmo que

se multiplicarmos os dois lados por φ, e que ,

se depois subtraímos os dois lados por φ + 1.

A última é uma equação quadrática da forma ax2 + bx + c, onde a = 1; b = -1; c = -1.

Deste modo, podemos aplicar a fórmula de Bháskara para achar o valor de phi:

A solução positiva dessa equação (pois, lembre-se de que phi é uma razão entre dois valores positivos, os comprimentos de dois segmentos) é:

A solução negativa φ = -0,6180339877449… não possui significado dentro do contexto de segmentos de reta com comprimentos positivos.

Phi é um número irracional, assim como Pi. Isso é, temos que phi é incomensurável com a unidade, já que não pode ser expresso por uma razão de dois inteiros.

Acredita-se que os pitagóricos, e, em particular, talvez Hipaso de Metaponto, tenham sido os primeiros a descobrir a Razão Áurea e, através dela, a incomensurabilidade.

Documentos da época sobre a morte de Hipaso de Metaponto dão versões diferentes de seu final.

  • Uns dizem que morreu em um naufrágio de circunstâncias misteriosas;
  • outros, que se suicidou como autocastigo, dando, assim, liberdade a sua alma para buscar a purificação em outro corpo;
  • dizem ainda que um grupo de pitagóricos o matou, normalmente na descrição, afogado,
  • e há inclusive a teoria que diz que o próprio Pitágoras o condenou à morte.

O conceito de que dois segmentos podem ser incomensuráveis entre si provocou uma verdadeira crise filosófica entre os pitagóricos do século V a.C. E isto pode ter fomentado as diferentes versões sobre a morte de Hipaso de Metaponto relacionadas ao fato dele ter provado a existência dos incomensuráveis.

A beleza geométrica da Razão Áurea

A Razão Áurea está presente no pentágono regular, no pentagrama (estrela de cinco pontas) e nos sólidos platônicos (acreditava-se que os sólidos regulares representavam entidades cósmicas fundamentais) e, por conta disso, gerações de matemáticos escolheram se dedicar à pesquisa de numerosos teoremas referentes a phi.

Investigue no portal do Software educativo Geogebra, a coleção de animações e vídeos sobre a Razão Áurea e o Número Phi: https://www.geogebra.org/m/mGbgtSwj

O poeta e artista plástico português José Sobral de Almada Negreiros criou a tapeçaria O Número para o Tribunal de Contas de Portugal. O tapete concluído em 1958, e levou em consideração muitas proporções numéricas.

Tapete O Número, Almada Negreiros, 1958.

Tapete O Número (detalhes): proporção áurea e número phi.

Phi é um dos números de destaque no tapete que desafia o público a descobrir as várias proporções expressas na obra do artista.

A beleza algébrica da Razão Áurea

A Razão Áurea não teria alcançado sua reputação sublime se não fossem suas propriedades algébricas únicas. Relembre a equação contendo phi que vimos anteriormente,

Percebe que ela nos diz que o quadrado de phi é o mesmo que somar 1 ao próprio phi?

Agora, se dividirmos os dois lados por phi, temos

logo,

Ou seja, subtraindo 1 de phi, encontramos seu inverso!

1/φ = φ -1φφ2 = φ + 1
0,61803398871,6180339887…2,6180339887…

Traduzindo essas incríveis propriedades poeticamente, temos:

“A média áurea é algo absurdo,

 não é um irracional comum.

Se a invertemos (isso é divertido!),

aqui a temos de novo reduzida de um,

mas se pela unidade for somado,

acredite, isso dá o seu quadrado […]”.

Estrofe do poema de Paul S. Bruckman, publicado no Jornal “The Fibonacci Quaterly”, 1977, denominando a Razão de Ouro como com a Razão Média.

Razão Áurea e raízes inesperadas

Vejamos agora dois exemplos em que a Razão Áurea aparece inesperadamente.

Primeiro, vamos tentar determinar o valor da seguinte expressão que envolve raízes que continuam indefinidamente. Para isso, indicaremos o valor que procuramos como x.

Ao elevarmos os dois lados da equação ao quadrado, temos

pois o quadrado de x é x2 e, no lado direito, o quadrado da expressão simplesmente retira a raiz mais externa (pela definição de raiz quadrada). Porém, note que a segunda expressão do lado direito continua indefinidamente e, portanto, é igual ao x original.

Assim, substituindo

por x, obtemos, x2 = 1 + x , que é exatamente a equação que define a Razão Áurea φ2 = 1 + φ

Logo, o valor da nossa expressão inicial que indicamos como x é igual a phi.

Razão Áurea e frações unitárias

A próxima expressão cujo valor tentaremos encontrar, é similar à primeira, mas envolve frações em vez de raízes e, novamente, a denotaremos como x.

Este é um caso especial de entidade matemática conhecida como fração contínua, bastante usada em Teoria dos Números.

Perceba que, como a fração contínua se estende indefinidamente, o denominador do segundo termo do lado direito da equação é idêntico ao próprio x:

Ora, se multiplicarmos os dois lados por x, teremos x2 = x + 1, que, como já vimos, é a definição de Razão Áurea. Portanto, o valor da fração contínua é phi e, por ser composta somente de uns, converge lentamente.

Outras expressões e ocorrências da Razão Áurea


Você poderá investigar uma série de outras “aparições” da Razão Áurea:

  • em figuras Geométricas,
  • na Sequência de Fibonacci,
  • na Espiral Logarítmica,
  • na Natureza
  • e na Arte.

Mesmo assim, já conseguimos sentir como a Razão Áurea é especial pela sua capacidade de nos surpreender, pois como disse Albert Einstein:

“O mistério da vida me causa a mais forte emoção. É o sentimento que suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência. Se alguém não conhece esta sensação ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos se cegaram.”

Albert Einstein, Como eu vejo o mundo, Nova Fronteira, 2017.

Modelando Matematicamente Elementos da Natureza

Observe padrões numéricos e proporções em modelos de elementos da Natureza, na excelente modelagem de Cristóbal Vila, em sua animação “Natureza em Números”.

A tradicional “espiral dourada” é construída a partir de uma série de retângulos dourados adjacentes. Isso cria uma espiral que aumenta de dimensão na proporção áurea a cada volta de 90 graus da espiral. 

A espiral verdadeira da concha do Nautilus não corresponde a esta espiral dourada. Há, no entanto, mais de uma maneira de criar uma espiral com proporções áureas. Por exemplo, você pode criar uma espiral que se expande na proporção áurea a cada volta de 180 graus da espiral.  Esta espiral é mais parecida com as espirais de muitas conchas do Nautilus, especialmente nas primeiras rotações da espiral. 

Desafio Espiral da Concha Nautilus
Concha do Nautilus. Chris 73. Acervo Wikipedia Commons. Licença CC-BY-SA-3.0.

Qual a melhor espiral matemática que se encaixa na espiral da concha?

Tente encaixar a espiral áurea na concha Nautilus: https://www.geogebra.org/m/ex9dzak9

Agora tente encaixar a espiral logarítmica (a espiral maravilhosa de Jacob Bernoulli) na concha Nautilus: https://www.geogebra.org/m/fk7xumjf

Qual delas melhor se encaixa na espiral da concha Nautilus?

Encontro Inusitado com a Proporção Áurea

Investigue e conheça mais a razão áurea com o programa educativo M3 Matemática Multimídia.

Mitos e Histórias da Proporção Áurea

E acompanhe as descobertas do matemático português Rogério Martins em dois episódios do programa Isto É Matemática, investigando os mitos e histórias da Proporção Áurea:

Parte I

E parte II:

Os padrões numéricos da Série de Fibonacci

E para se inspirar, assista a apresentação do matemágico Arthur Benjamin explorando propriedades numéricas e geométricas do conjunto de números estranhos e maravilhosos: a série de Fibonacci. E descubra como a matemática pode ser também inspiradora!

Referências Áureas

Créditos de figuras

As figuras 1 a 5 foram desenhadas pela autora, baseadas em figuras presentes no trabalho: QUEIROZ, Rosania Maria. RAZÃO ÁUREA: A BELEZA DE UMA RAZÃO SURPREENDENTE, 2007. 39 páginas, Trabalho apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.

As demais imagens estão com seus créditos em suas legendas.

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