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Palestra apresentada originalmente no III Fórum Ciência Viva, Portugal, publicada em Atas do III Fórum Ciência Viva – Portugal, Ministério da Ciência e Tecnologia de Portugal, 28 e 29 de maio de 1999.
(em breve vamos inserir fotos relacionadas à apresentação).
Conferência FAZER CIÊNCIA VIVA
Professor Maurice Bazin, Fundador do Espaço Ciência Viva, Rio de Janeiro, Brasil.
É com grande prazer que estou aqui, tendo vivido em Portugal uns quatro anos e trabalhado num dos primeiros projetos que permitiram que os professores de ciências em Portugal se sentissem mais vivos. Era um projeto, sob a direção do Professor Rui dos Santos Grácio [1921-1991], após o “25 de Abril” (Revolução dos Cravos, 1974).
Tive a honra de fazer parte de uma equipe que ajudava os professores a tomar as suas próprias iniciativas nas escolas, em 76 e 77. Hoje vivo na Ilha de Santa Catarina no Brasil, um lugar muito bonito, onde trabalho. Há uma semana atrás, antes de viajar, estive com uma turma do 6º Ano, fazendo mais ou menos o que vamos fazer hoje.
[Durante esta Conferência foi feita uma demonstração experimental para a qual são necessários dois lápis de secção hexagonal, e um pedaço de fita-cola ou uma tirinha de papel]
Sou um de vocês, em termos de colega e, para mim, no lugar onde vivo, o que gostamos é de fazer as coisas na própria sala de aula.
Acho importante contar-vos um pouco de onde venho, por isso, primeiro vou falar da história do chamado Espaço Ciência Viva. O programa não nasceu do nada. Nasceu duma certa situação política geral, no Brasil, no tempo que se chamou “abertura política“, depois do regime militar, e no momento do regresso dos exilados, alguns dos quais tinham vivido aqui em Portugal.
O Espaço Ciência Viva aglutinou pessoas de universidades e centros de investigação, que queriam fazer coisas muito concretas diretamente com o público. Uma primeira coisa que fizemos, antes de nos fixarmos num centro localizado geograficamente, foi promover eventos de ciências em praças públicas.
A filosofia por detrás daquilo não era o tipo de coisa que se faz classicamente (eu sei que vocês já não o fazem); não era mostrar ao público geral que a Ciência e os cientistas são coisas muito bonitas. Era o contrário: levar-nos, a nós cientistas, para um lugar onde o povo, as pessoas dominam, controlam.
Se a gente leva um grupo de pessoas a visitar um laboratório que está todo bonito, com os cientistas de bata branca e tudo, o primeiro efeito é sempre de imposição sobre os visitantes. Ficam a admirar as coisas, admirando-nos a nós, e não penso que isso contribua muito para a democratização da Ciência. Por isso, fizemos uma opção absolutamente contrária.
Trouxemos o que pudemos, para deixar as pessoas trabalhar, por elas próprias, no lugar onde estão à vontade, para se tornarem cientistas com a nossa ajuda. Alguns diapositivos que vou mostrar falam melhor do que outras coisas.
Nas praças públicas do Rio de Janeiro, mais ou menos uma vez por mês, colocávamos faixas onde estava escrito “Espaço Ciência Viva“. Ao interrogar-se sobre o material que tínhamos, as pessoas acabavam maravilhadas. Tivemos um evento inaugural, o Dia do Mar, e depois eventos que se transformaram em uma série de atividades, cuja primeira foi a Noite do Céu.
Na Noite do Céu chamámos um grupo de astrônomos amadores; fizemos sessões de treinamento entre nós, um grupo de dez professores investigadores e vinte estudantes; aprendemos o que é um telescópio, de uma maneira muito concreta, tal como hoje, convosco e com os vossos lápis vamos tentar ver um pouco do que se passa com a luz.
Aprendemos isso pegando numa luneta habitual e simplesmente desmontando, fisicamente, as suas partes: as lentes, o tubo, etc. Circulando o material pelo grupo, podia-se reconstruir um telescópio simplesmente com o que era essencial: as duas lentes.
Vimos onde elas se põem e porquê, a imagem real que formam, a lente objetiva, de tal modo que nada fosse um sistema misterioso. Depois, durante o próprio evento, olhámos obviamente a noite escura.
Essa atividade, foi também uma afirmação que a gente pode ter confiança no povo.
Isto não aconteceu na zona sul do Rio de Janeiro, dos postais, mas na zona Norte, numa praça com guarita de polícia. Foi a primeira vez que se apagaram as luzes da praça para, como disse o jornal no dia seguinte, “Ver o céu de mais perto“.
Neste diapositivo estamos a olhar o céu. Havia uns 15 telescópios e lunetas colocados na praça. Obviamente havia mais que a simples observação.
Havia atividades onde com as bolas, numa animação de Astronomia, uma pessoa representava o Sol, outra a Terra, outra a Lua, etc., criando entre si, o funcionamento do Sistema Solar, e conversando a seu respeito em pequenos grupos. Muitos de vocês, estou certo, fazem na sala de aula o que a gente estava fazendo na praça pública, deixando que as pessoas criassem o que estavam a tentar imaginar.
Estavam visíveis, naquela altura, os planetas mais interessantes, Júpiter e Saturno, e também a Lua no primeiro quarto.
Uma segunda série de atividades foi o chamado Dia da Água, que se fez em vários lugares.
Um desses lugares foi uma das famosas favelas do Rio de Janeiro. [Após um ano trabalhando com uma unidade escolar da favela e a pedido da Associação de Moradores da Favela]. Subimos até um lugar onde há um terreno de futebol, colocamos cerca de 20 microscópios e organizamos atividades para fazer com os microscópios, como algumas aqui nos vossos quiosques: filtragem de água e outras coisas relacionadas com o quotidiano dos residentes daquele morro. Todo esse trabalho foi feito sem praticamente nenhum dinheiro, apenas com o apoio das chamadas comissões de moradores e organizações de escolas, que também chamavam o público escolar para participar.
O jornal que habitualmente fala de assaltos e tiros, colocou isto como título no dia a seguir: “Cientistas ocupam o morro do Salgueiro“. Algumas das coisas que fizemos, olhando a partir de hoje, foram coisas realmente muito atrevidas.
Uma das realidades do lamentável sistema de saúde que existia – e ainda existe – no Brasil é fazer análise de fezes. É uma coisa muito habitual. O médico do posto de saúde manda fazer análise de fezes, e volta-se do laboratório com uma nota escrita praticamente em Latim. Depois, nada mais acontece. (…)
Neste diapositivo um estudante de Medicina está centrifugando com água pedacinhos das fezes deste menino. Oferecíamos análise de fezes e fazíamos análise de fezes, ali mesmo, com as pessoas, preparando a lâmina e tudo. Cada pessoa olhou para as suas próprias fezes e aprendeu; saiu de lá a saber que o laboratório não é um lugar tão inatingível assim.
E obviamente, ao lado, tínhamos alguns exemplos de ténia e outros parasitas.
Outro evento ocorreu em uma área mais agradável do Rio de Janeiro: as praias. Foi um evento multidisciplinar, num Parque de Campismo [do Banco do Brasil] do Rio de Janeiro, ao lado da praia.
Esta moça está montada num banco giratório, o habitual banco giratório de demonstrações de Mecânica do 1º Ano na Universidade, com halteres, etc. Nota-se que ela tem uma roda de bicicleta na mão e, se inclinar a roda, ela própria começa a girar também. Temos aqui toda a problemática do giroscópio, se quiserem palavras mais científicas.
São coisas simples, mas a nossa responsabilidade educacional começa ao ajudar as pessoas a interagir com essas coisas, ao acostumá-las a fazer perguntas à natureza, a experimentar primeiro, como disse o Primeiro Ministro, sentindo as coisas nas suas mãos. Naquele caso trata-se de começar a fazer perguntas, e eventualmente considerar que a Terra é um peão solto ao redor do Sol.
Todas essas coisas podem surgir, dependendo do grupo com o qual a gente está a trabalhar: no Espaço Ciência Viva, quando nos estabelecemos num lugar fixo e, no próprio Exploratorium, onde praticamente tudo de concreto que estou mencionando foi criado inicialmente.
Neste diapositivo está o galpão – armazém, ao lado da dita praça, no qual a gente decidiu se organizar. Alguns de vocês, um grupo de perto do Porto, contou-me que vão criar um centro de Matemática.
Espero que o edifício que a Câmara lhes entregou esteja em melhor estado do que o nosso. Mas foi excelente, para as pessoas aqui neste diapositivo, que tivesse de ser pintado. Foi excelente para os jovens, eu incluído à direita, todos de origem social relativamente abastada, visto que fazem parte dos dois por cento que vão à Universidade no Rio de Janeiro. Estes jovens tomaram contacto com o trabalho manual, que é fundamental.
É que nós costumamos chamar de “experimentação” a uma atividade na qual observamos a deslocação das agulhas e simplesmente carregamos num botão da máquina, ou vemos um peso a deslocar-se sobre uma calha de ar. Isto não é experimentação, é a verificação de alguma coisa que funciona e que substitui aquilo que, a meu ver, permite às pessoas realmente sentir e ver por si próprias o que estão a fazer. Nós ajudamo-las. Nos nossos treinos em grupinhos elaboramos coisas simples que permitem fazer o mesmo tipo de medições sobre o móvel que se desloca, as colisões, etc., e que não nos distanciam das coisas, como a aparelhagem eletrônica faz.
Depois o Espaço Ciência Viva ficou com este aspecto interior, com coisas simples como o enorme tubo que atravessa o armazém. Alguém fala numa extremidade e outra pessoa escuta-a na outra.
Voltando à ideia do girar, uma coisa que os jovens neste diapositivo desenvolveram foi uma mala com uma roda lastrada com chumbo a rodar lá dentro. Deu-se à mala o nome de “mala maluca” porque quando você anda com aquela mala, se tentar rodar, a mala levanta-se. Há uma mudança de percepção no momento em que a gente levanta a mala.
Há coisas que espero estar a mostrar-vos e que são importantes: uma delas é o prazer, outra é a surpresa e, outra, é uma surpresa tal que se torna vontade de ver como isso acontece.
“O que posso alterar para fazer isso mudar de comportamento?” é o que nos faz investigar e, ao mesmo tempo, o que nos permite obter respostas muito claras. Como não podemos forçar jovens daquela idade a definir referenciais, por exemplo, para definir o que é levantar é preciso dizer de que lado levanta, em que direção. Isto é muito melhor do que o primeiro capítulo de cinemática, porque aqui é necessário e é intrigante.
Uma coisa especial do Espaço Ciência Viva, que continua hoje a receber crianças de escolas, é esta bancada. A moça à esquerda tem na mão o modelo de um útero humano em plástico. Nos recipientes estão úteros humanos. Isso é uma das vantagens de trabalhar com pessoas de centros de investigação, como muitos de vós, ou de técnicos de hospital, que foi o nosso caso aqui, e que faziam a análise dos úteros que tinham sido tirados a mulheres que sofriam de cancro. [Neste caso, a coleção foi coordenada pela educadora e técnica, Dilma Viana Luiz]
Todos nós, eu incluído, conseguimos aprender a distinguir as células sãs dum órgão como o útero, que é como uma pêra que a gente pega na mão, e o colo de um útero atacado por células cancerígenas.
Nós conseguimos aprender a reconhecer como funciona esta invasão de células cancerígenas e a dar conta que a penetração no tecido muscular do útero se faz de tal forma que se tornou óbvio, mesmo para nós físicos, ou para “leigos”, que somente uma pequena operação de cortar o colo não resolve absolutamente nada. Há alguns filamentos que penetram para o interior e a histerectomia é, nesse caso, uma prática razoável.
Como me formei científica e politicamente nos anos 60, nos Estados Unidos, fui muito influenciado pelas exigências das minhas companheiras de trabalho que estavam a desenvolver um movimento feminista. E o movimento feminista durante muito tempo questionou-se sobre o porquê da histerectomia assassina. No caso específico do cancro do colo do útero, é uma coisa que faz sentido, depois do que nós mostrámos no Espaço Ciência Viva.
Vou agora mostrar o tipo de coisas que você pode encontrar agora nos Centros de Ciência, ou nos museus interativos, como se chamam hoje. O primeiro a abrir ao público, para que as pessoas o utilizassem e se sentissem cientistas, foi o Exploratorium, em 1969. Aqui está o que no Exploratorium se chama Órgão de Pã. São simplesmente tubos de PVC, de comprimentos vários, e nos quais você bate com uma sandália e coloca o seu ouvido para escutar o que passa. Também aqui você tem uma coisa extremamente simples, mas que imediatamente faz a ligação entre a altura do som que você escuta, grave ou agudo, e o tamanho do tubo.
O visitante, a pessoa que está a experimentar aquilo, pode exigir muitas coisas: pode colocar a mão na frente, pode colocar a mão atrás, pode pedir a um amigo para fazer barulho atrás, escutar à frente… mil e uma combinações.
O pai do Exploratorium, o Frank Friedman Oppenheimer (1912-1985), costumava dizer que o melhor módulo é aquele que quando é colocado à disposição do público, é utilizado de uma maneira diferente da que você imaginou. Temos técnicas pedagógicas e toda uma responsabilidade de perguntar
“O que podemos colocar para ajudar as pessoas a aproveitar este módulo o melhor possível?”
Aqui, por exemplo demos uma chave, não é bem a palavra; demos indicações de cor para identificar as notas. E ao lado há sugestões de como tocar certas canções conhecidas, utilizando uma sucessão de cores. Então a pessoa aprende ali alguma coisa de música.
Finalmente eis o Exploratorium, 10 000 m2, um enorme armazém, como este aqui, que estava vazio em 1969 e que pouco a pouco se encheu de coisas, todas construídas lá, com máquinas adquiridas e colocadas à vista do público.
Neste diapositivo estamos no Instituto de Formação de Professores, em inglês “Teacher’s Institute” do Exploratorium, que eu e dois colegas dirigimos durante os seus primeiros cinco anos, entre 1990 e 1995.
Aqui trabalhava com esses colegas professores na questão da propagação de ondas. A mola que aqui está, é uma dessas molas de plástico que, estou certo, também chegaram a Portugal. Fizemos uma extremamente grande – podem colar-se várias – com uns dois metros de comprimento quando comprimida. Então esticámo-la, suspensa por cabos de mais ou menos 2 metros de comprimento a partir duma plataforma superior.
E obtivemos um instrumento para o nosso grupo decidir o que fazer, o que descobrir, o que sistematizar, com todas as pessoas a participar. O interessante deste material específico é que a propagação da onda é muito lenta: você pode mandar o impulso e acompanhá-lo caminhando. Estão ali todas as noções que quando andava na universidade tentava realmente entender: as velocidades variadas, as amplitudes, as frequências, etc. e todas essas coisas você vê aqui claramente.
Cria-se, assim, uma linguagem e o nosso papel é, simplesmente, aproximar a linguagem daqueles para quem tudo isto é novo com a linguagem habitual dos cientistas.
Esta fotografia é do Espaço Ciência Viva, mas é diretamente inspirada numa montagem do Exploratorium, porque foi uma pessoa do Exploratorium que a fabricou ao abrigo de um convênio. É uma janela transparente sobre uma mesa, e a criança está a desenhar dois pequenos cilindros, um pequeno e um maior, se bem que o maior está mais longe. Com o olho no orifício da placa de madeira que está à sua frente, desenha o contorno de cada cilindro. O cilindro maior apesar de estar mais longe, aparece, de fato, menor no desenho do que o cilindro pequeno que está mais perto. Aí começaram as perguntas, e dependendo do que você quer fazer, vem toda a conversa sobre a perspectiva e o uso que o nosso grupo fez dessas coisas no Exploratorium de maneira sistemática.
Perguntem ao grupo de professores, aliás, nós não precisamos de perguntar, eles questionaram-se a si próprios: “como posso fazer isso na minha sala de aula?” E a resposta foi a seguinte: em vez de ter essas coisas muito complicadas para os visitantes, devemos ter coisas mais simples, mas que permitam trabalhar com o mesmo fenômeno físico, com as mesmas ideias matemáticas, neste caso a perspectiva.
Isto, na linguagem do Exploratorium – e vários de vocês sabem da sua existência –, é divulgado nos chamados COOKBOOKS (livros de cozinha, em 3 volumes). São livros bem caros, mas que descrevem com muitos pormenores como fabricar certos módulos do Exploratorium. Então, em vez de fazer cookbooks, fizemos SNACKBOOKS (lanches de ciência). É uma versão simplificada de um módulo por isso chamamos snack. Uma versão simplificada daquele módulo obtém-se simplesmente tomando um pedaço de madeira, fazendo uma fenda na extremidade, colocando uma placa de acrílico; na outra extremidade colocamos um pedaço de arame, dobramos um pouco para cima e depois colocamos o olho no redondinho do arame, em cima, e desenhamos nessa placa. E pode levar isso para onde precisar.
Um assunto que o Exploratorium trabalha muito e no qual eu vou entrar agora é o da perspectiva. Essa noção que nasceu com o Renascimento é a de que o desenho permite ver o mundo, que um dos nossos olhos sozinho vê o mundo, como uma pura, mera câmera fotográfica, ou como uma pura, mera câmera escura, que tem um buraquinho na frente e um papel transparente atrás.
Quando você desenha uma obra arquitetônica, vê essas coisas segundo uma perspectiva, o ponto no infinito, o ponto de fuga, essas coisas bem matematizadas, como a projeção. Mas você pode fazer como se mostra nessa imagem desenhada com uma janela transparente: pede a um colega, como essa jovem que está lá, para se deitar com os pés perto da janela e olhando para quem vai desenhar. Quando você faz aquele desenho, realmente desenha o que está acontecendo na retina do seu olho. Mas quando olha para esse desenho, vê que os pés são enormes e que a cabeça é do tamanho de uma laranjinha, mesmo com o tamanho normal duma pessoa e numa mesa um pouco comprida. E então conclui: isto não é um desenho como deve ser, alguma coisa está errada.
É como a fotografia que você tiraria daquele lugar, nessas proporções. Então a pergunta que começa a colocar-se é: “como é que é se eu tomar uma folha de papel e desenhar de forma livre o que vejo? Eu não desenho a cabeça da pessoa do tamanho duma laranja e os pés com 30 cm…
Eu desenho a cabeça certamente maior do que os pés. E aqui entra uma coisa que no Exploratorium se desenvolveu imenso que é a intervenção do ser humano, como ser humano, em todo o trabalho científico que fazemos, que tem sempre um ponto de vista. Claro que isso se chama ponto de vista porque é a perspectiva. Mas não é só por isso, há um ponto de vista intelectual.
A nossa cabeça utiliza as imagens que estão nas nossas retinas. Não é um aparelho fotográfico. A gente sabe que o ser humano tem uma cabeça que é do mesmo tamanho que os pés, ou maior, e que a cabeça é muito mais interessante do que os pés. O resultado daquilo, e certamente de muitas outras coisas, permite entender essa mistura que existe sempre que fazemos experiências – quando estamos a olhar a natureza – entre o nosso objetivo e o que nós, na nossa cabeça, estamos a fazer com isso. E o que fazemos nossa cabeça tem muito que ver com o que chamamos arte, tanto que ao lado desse módulo, no Espaço Ciência Viva, temos a fotografia dum determinado lugar e a pintura, feita por um pintor, daquele mesmo lugar.
Também há livros sobre o impressionismo em França que têm feito aquilo também, onde a gente vê que o pintor não é bom porque ele fez exatamente o que a janela de perspectiva faria, mas porque ele escolheu a importância da igreja, colocou a ponte de fato mais perto, maior do que o tamanho que tem na fotografia. E essa interação entre o aspecto artístico das coisas e o aspecto científico é uma questão que foi muito desenvolvida no Exploratorium e que vamos aproveitar aqui.
Este diapositivo representa um módulo no Exploratorium, da minha autoria com a Cleo Adams, uma pessoa que constrói modelos sobre o que é a simetria, o que é utilizar espelhos. Você tem um espelho, um aqui e outro ali na frente, pega no espelho e coloca-o assim, com a parte refletora desse lado, e vai ver duas bolas grandes. Vai fazer uma coisa similar ao que o livro pede para fazer. Assim você está a criar figuras simétricas a partir de coisas que não o são. Você cola partes dessas figuras. Claro que eu escolhi a coisa mais simples possível, mas há muitas outras, e as pessoas têm, então, que procurar e criar esses desenhos.
Está acompanhado por várias coisas que têm que ver com simetria na natureza, sendo a mão uma delas. Sabemos que quando a gente coloca um espelho ao lado da nossa mão esquerda, vemos a nossa mão direita.
Agora quero mostrar uma coisa específica. O que veem vocês aqui? Um cubo? Sim. Então se é um cubo, sugiro que reparem neste ponto, um pouco acima do que estou indicando, o vértice. Não sei se estão de acordo. Ele está na frente e a suspensão está mais atrás, certo? Agora eu proponho que a suspensão esteja na frente e que esse ponto esteja mais atrás, em baixo, está bem?
E a primeira coisa comum entre nós, é que descobrimos que não vemos as coisas da mesma maneira. Alguns de vocês certamente quando disseram “um cubo” viram a coisa na frente, outros viram a coisa atrás. Isso tem dois aspectos. Um que é quando estamos na sala de aula com as nossas crianças temos que ter esse famoso respeito pelo fato de elas não verem o mundo como nós o vemos. Segundo, vamos aproveitar aquilo para neste caso particular entender o que se passa. Se a gente coloca uma mão à frente de um olho e olha o mesmo fenómeno acontece. Então obviamente alguma coisa está a faltar para podermos decidir qual é a profundidade. E a resposta é muito clara. Tudo o que temos lá são desenhos sobre um plano.
Quando dissermos “cubo” é a nossa cabeça que identifica um cubo e tem pelo menos essas duas possibilidades quanto à profundidade. Então essa ambiguidade é possível. Isso sugere um questionamento, possivelmente sobre “porque temos dois olhos”.
Vou precisar das luzes da sala apontadas para mim. Peço que façam o seguinte: vão esticar o braço direito, para a frente, com um dedo levantado e com esse dedo vocês vão esconder-me da vossa vista. Cada um coloca o seu dedo na minha frente. Agora, com a outra mão livre tapa um olho. Pergunto: quem viu alguma coisa a mudar? Alguém quer dar um nome aquilo? “Paralaxe“? Bom nome. Temos ali a ideia de que cada olho vê uma imagem diferente. Num caso o dedo ficou na frente do Bazin, no outro caso o dedo está ao lado. Os dois olhos veem imagens diferentes. Mas há mais, porque o que pedi para vocês fazerem não foi começar com um olho, foi começar com os dois. Eu disse “coloquem o dedo na frente do Bazin”, e ninguém hesitou, colocaram o dedo na frente do Bazin. Então o que se passa, quando você fecha um dos olhos, e o dedo pula? É que não era esse olho que estava “vendo”, era o olho que você fecha.
A nossa cabeça, quando colocamos os dois olhos abertos, decide que a imagem vinda de um dos olhos é mais importante do que a imagem, a informação, vinda do outro. É o que se chama o olho dominador. Cada um de nós tem um olho dominador, mas não é o mesmo de pessoa para pessoa, o que vem afirmar que não somos todos iguais. No meu caso é o olho direito.
Vamos agora fazer um trabalho um pouco mais sofisticado, utilizando os nossos lápis. A primeira coisa a fazer é colocar um dos pedaços de fita-cola à volta de um lápis. Vocês querem juntar os dois lápis de maneira a deixar uma fenda entre eles. Depois podem olhar para o projetor aqui no palco através dessa fenda
[No palco está um projetor de iluminação para filmagens, tapado com uma cartolina preta onde foi aberta uma estreita ranhura horizontal, no sentido da lâmpada].
Podem decidir se colocam os lápis na vertical, na horizontal, a 45 graus, e vejam se conseguem notar alguma coisa interessante.
Vou simplesmente encorajar-vos a começar a olhar do lado onde a fenda é maior, para que ela não se feche completamente e vamos ver se alguma coisa acontece com a luz que chega aos vossos olhos.
Estou a falar de uma fenda muito pequenina e de empurrar os dois lápis, um contra o outro, deixando numa extremidade uma tirinha de papel ou um pedacinho de cola. Vejo algumas pessoas a deixar um dedo de abertura, não é isso.
Agora segurem e verão o máximo da intensidade da luz, possivelmente levantando um pouco a sua cabeça ou baixando-a um pouquinho. Conseguem ver? É difícil trabalhar com 500 pessoas, por isso aproveito alguns ecos que obtenho daqui. Com os lápis horizontais, a fenda horizontal, você vê uma região bem luminosa no meio, branca, e depois você não vê nada, há escuridão; depois há mais uma região luminosa, mas que tem uma irisação, depois não tem nada, depois tem uma irisação, depois não tem nada, depois tem outra vez uma irisação. Podemos dizer que a luz está a entrar, passando entre estes dois lápis, e que está a sair pelo outro lado da fenda.
Entretanto, ela não vai em linha reta. E nós que há tantos anos explicamos às crianças que a luz se propaga em linha reta! No centro vocês veem essa região muito brilhante; depois não veem nada, depois há outra vez uma região brilhante, bastante brilhante, que além do mais está irisada, tem cores. A nossa luz não é como balas de canhão; alguma coisa faz com que ela vá em várias direções.
Para fazer isto vocês não precisam deste tipo de lâmpada. Um filamento fininho de um candeeiro simples, em casa, basta, desde que se olhe com os lápis perto do filamento (e alinhando a fenda entre os dois lápis com o filamento). Vocês não querem muitas reflexões, não precisam de uma fenda que seja tão fininha como esta aqui.
Nós tivemos de trabalhar muito, a Profa. Ana Noronha e eu, ontem, para conseguir um arranjo que fosse utilizável por todos vós. Colocámos cartolina preta na parte da frente do projetor e fizemos uma fenda na cartolina para vocês conseguirem ver. Isso foi o nosso trabalho criativo, a nossa aprendizagem de como conseguir fazer uma coisa simples, com a qual todo o mundo possa fazer as suas descobertas.
O que está a faltar é a discussão em grupo. Obviamente é impossível, aqui, discutir aquilo, colocar questões e, no caso de serem estudantes, aproveitar para ajudar nas interpretações e chegar ao fenômeno da luz, com questões mais complicadas do que a simples propagação em linha reta.
[Tapa metade da fenda com um filtro vermelho]
Dá para ver o vermelho e o branco?
[A seguir, tapa metade da fenda com um filtro azul]
Quer ver o azul?
Como ao vermelho corresponde a uma região luminosa de largura maior…
Agora, para não ocupar mais do vosso tempo, quero que olhem e que comparem com exatidão: estou a tapar só metade da fenda da luz com um filtro vermelho. Isso permite uma comparação de dois padrões de difração. É assim que se chama.
Eu achava que vocês podiam comparar o padrão da luz branca com o padrão da luz vermelha. Quanto testei o equipamento com o Zé, o técnico, ele utilizou a palavra “essa é a cor da temperatura”.
Eu, como educador atento, escutei um “ding” na minha cabeça e começamos a colocar a lâmpada, assim, na sua maior potência, portanto, provavelmente na sua mais alta temperatura, e depois baixamos. Se pudermos baixar a temperatura da lâmpada, a luz vai ficando alaranjada. Agora não sei se vocês conseguem detectar aquilo com esse “aparelho”, porque tem uma parte que fica muito clara. Eu tenho a certeza de que vocês vão conseguir notar uma diferença por vocês mesmos. Mas se não conseguirem, tudo bem, também faz parte da ciência.
O nosso aparelho não permite ou não temos as coisas ajustadas. Da próxima vez que vocês experimentarem, vão fazer de maneira diferente.
Mas atrevi-me a fazer isso propositadamente.
Quero que sejam vocês a descobrir.
Acho que é muito importante sermos nós próprios a fazer, e ficarmos à vontade com o fato que proclamamos.
São os outros com quem estamos a trabalhar que vão descobrir por eles próprios.
E também devemos estar preparados para fazer uma demonstração que falha. O jovem professor tem sempre medo: sai de casa a pensar “vai funcionar”, etc., mas é muito mais importante tentar pensar que “vou trabalhar e se falhar também vou aprender muita coisa“.