Somsacional: escalas musicais

Capa: Um grupo de músicos renascentistas em The Concert (1623) do pintor holandês Gerard van Honthorst (1592-1656). Wikipédia. Licença de Domínio Público.

  • Autor: Moisés Medrado Ribeiro (licenciando em Física, UERJ, bolsista Projeto Prodocência).
  • Orientação: Rosana Bulos Santiago (UERJ) e Paulo Henrique Colonese (Espaço Ciência Viva/Museu da Vida Fiocruz).
  • Projeto Prodocência: Inovando Metodologias de Ensino de Ciências a partir da colaboração com espaços de ensino formais e não-formais.

O QUE SÃO ESCALAS MUSICAIS?

A orelha humana tem a capacidade de distinguir centenas de sons diferentes em um determinado intervalo musical, definido por duas notas musicais ou sons diferentes que delimitam o intervalo.

Do conjunto de todos esses sons, alguns foram escolhidos e organizados em sequência (do grave ao agudo) para compor um tipo de “alfabeto musical”, os sons das notas musicais, em diferentes culturas.

A relação sonora estética e matemática entre os sons escolhidos – as notas musicais – determina a escala musical criada e adotada.

Escalar o Som

O termo escala musical vem do latim scala, relacionado à ideia de escalar – não uma montanha, indo do ponto mais baixo ao mais alto, mas indo de um som grave (baixo) até o mais agudo (alto). É uma sequência de notas musicais ordenadas da mais grave à mais aguda (ou vice-versa), dentro de um intervalo musical (faixa sonora) escolhido para fins musicais no canto ou em instrumentos musicais.

Diferentes culturas criaram modos diferentes de escolher o conjunto de notas para os diferentes instrumentos musicais que criaram.

Conhecer os padrões de uma escala musical possibilita comunicar ideias musicais entre instrumentos e culturas musicais. Isso permite relacionar e integrar diferentes instrumentos com diferentes intervalos musicais como um piano e uma flauta e criar harmonia entre todos os instrumentos de uma orquestra – o que seria difícil se cada um usasse um padrão musical diferente.

Diversas culturas organizaram diferentes sequências de notas, dando origem a diferentes escalas. E, cada uma, acaba imprimindo uma sensação sonora e estética à música que permitem criar.

Ao ouvirmos uma escala, percebemos que os diferentes intervalos gerados entre uma nota e outra, acabam criando diferentes tipos de sonoridades.

Vamos conhecer alguns tipos mais utilizados de escalas!

Conectando Diferentes Escalas

Um modo de comparar diferentes escalas é considerar um mesmo intervalo musical e descobrir quantas, quais e como as notas se relacionam dentro desse intervalo. Em “Somsacional: Intervalos Musicais”, vimos que os sons graves e agudos se diferenciam pela quantidade de vibrações por segundo (frequência): os graves com valores baixos (vibrações lentas) e os agudos com valores altos (vibrações rápidas).

Para comparar, vamos usar o intervalo musical ocidental mais fundamental, criado desde os pitagóricos, que é o intervalo musical com sons extremos relacionados entre si pelo dobro de frequências: o intervalo chamado de Oitava.

Deste modo, podemos descobrir quantas, quais e como as notas musicais foram determinadas – comparando as notas dentro de uma mesma oitava. Prepare suas orelhas para conhecer algumas escalonamentos de notas musicais:

  • Vamos começar conhecendo a Escala Pitagórica Clássica e a Escala Pitagórica Natural e como os pitagóricos (século V a.C.) a construíram usando o princípio de matemática simples: um dos primeiros modelos matemáticos para explicar a harmonia musical.
  • Em seguida, convidaremos você a visitar a “Escala de Bach” definida com uma matemática mais sofisticada do início do século XVIII d.C.. Ambas as escalas estão relacionadas musical e matematicamente e foram adotadas em toda a música moderna.
  • E finalmente, você poderá conhecer alguns outros tipos de escalas criadas para instrumentos e culturas diferentes no mundo todo.
A Escala Pitagórica

A Música desempenha importante presença na cultura de todas as civilizações. A musicalidade em festas, rituais, comemorações e apresentações a reis e rainhas e o domínio desse saber pode ser tão antiga quanto à pré-história humana.

A Música despertou o interesse de pensadores que buscaram a relação entre a religiosidade que praticavam e a natureza que os cercava. Os filósofos naturais gregos foram primordiais na questão de relacionar a natureza da música a modelos matemáticos e estabeleceram a Música como uma das quatro grandes áreas da Matemática: Aritmética (Número), Geometria (Espaço), Música (Som e Harmonia) e Astronomia (Movimento Celeste).

As relações matemáticas desenvolvidas pelos pitagóricos seriam uma expressão da própria divindade,
descrita com um simbolismo particular: a linguagem matemática, cuja essência espiritual eram os Números.

Pitágoras de Samos investigando cordas, copos e sinos, Filolau investigando tubos e Jubal investigando bigornas e martelos, em Theorica musice Franchini Gafuri laudensis, de Franchino Gafori, 1492. Fonte gallica.bnf.fr / BnF. Domínio público (não comercial).

Pitágoras de Samos (570 a.C – 495 a.C), observou que duas cordas semelhantes na mesma tensão e estando diferentes apenas em comprimento, quando tocadas juntas criam um efeito que é agradável à audição se os comprimentos das cordas tiverem como quociente (razão) dois números naturais pequenos, tais como

1/1, 1/2, 2/3, 3/4, 4/5, 5/6 e 2/1.
Construindo uma Escala Pitagórica

Se a razão dos comprimentos for de 1 para 2 ( 1/2 ou 0,5), então eles correspondem ao intervalo de uma oitava musical, com os comprimentos maiores produzindo sons graves e os menores, sons agudos.

Usando as frações simples 1/2 , 2/3 e 3/4, os pitagóricos criaram um procedimento para encontrar os comprimentos das notas musicais consideradas “em harmonia” no intervalo de oitava dos comprimentos L e L/2.

L(8/9)L(64/81)L(3/4)L(2/3)L(16/27)L(128/243)L(1/2)L(4/9)L(32/81)L
18/9
0,888…
64/81
0,790…
3/4
0,75
2/3
0,666…
16/27
0,592…
128/243
0,526…
1/2
0,5
4/9
0,444…
32/81
0,395…
1 nota
mais grave
2345678
nota
mais aguda
Fora do intervalo.Fora do intervalo.
Dois comprimentos de cordas ou tubos L e L/2 geram um intervalo de oitava musical.
  • Partimos de um comprimento L.
  • Aplicamos (2/3, cerca de 0,67), e obtemos uma nota no intervalo.
  • Se aplicarmos (2/3) novamente, teremos (4/9)L. Uma nota fora do intervalo.
  • Multiplicando por 2, obtemos (8/9)L, novamente dentro do intervalo.
  • Aplicando (2/3) novamente, obtemos (16/27)L, também dentro do intervalo.
  • Aplicando (2/3), obtemos (32/81)L, fora do intervalo.
  • Multiplicando por 2, obtemos (64/81)L, mais uma nota no intervalo.
  • Aplicando (2/3), obtemos (128/243)L, dentro do intervalo.
  • Como os denominadores e numeradores estão chegando a valores elevados, podemos continuar com uma fração simples, como (3/4)L, dentro do intervalo.

E assim, concluímos as notas escolhidas matematicamente pelos pitagóricos para criar um conjunto de notas consideradas “harmônicas” entre si.

Procedimento a partir do comprimento de cordas/tubos

Determine um
comprimento
musical
inicial
.
Divida o
comprimento por 3,

então multiplique por 2.
O novo comprimento
está dentro dos
limites da oitava?
Não? (n < L/2)
Multiplique o comprimento
por 2.

2n e recomece.
Ln = (2/3)L L/2 < n < LSim? (L/2 < n < L)
Você obteve uma nova nota musical.
Comece novamente com este valor!
Passo-a-passo para construção de uma oitava pitagórica.

Veja no vídeo abaixo, uma visualização da construção de uma oitava de cordas, a partir de frações simples do comprimento inicial de uma corda.

A relação matemática entre os sons harmoniosos descoberta por Pitágoras de Samos.
Procedimento por meio de frequências (vibrações por segundo)

Podemos, atualmente, usar os produtos com numeradores e denominadores “simples” (naturais): 2; 3/2 e 4/3 para encontrar as frequências dentro do intervalo de frequências F e 2F. Vejamos um procedimento completo para as frequências.

Escolha / determine uma frequência inicialMultiplique a frequência por 3, e divida por 2A nova frequência está dentro dos limites da oitava?Não!   (n > 2f)
Divida a frequência por 2  

n / 2
fn = (3/2)ff < n < 2fSim!  (n<2f)
Você obteve uma nova nota musical. Comece novamente com este valor!  
Algoritmo de criação das frequências de uma oitava.

Digamos que você queira construir uma nota musical na escala, aos moldes gregos. Para isso, precisaríamos pegar uma corda que produza um som f, considerando esta corda como o início de uma oitava e 2f, o fim da oitava.

1F(9/8)F(81/64)F(4/3)F(3/2)F(27/16)F(243/128)F2F(9/4)F(81/32)F
1/1
1,0
9/8
1,125
81/64
1,265…
4/3
1,333…
3/2
1,5
27/16
1,6875
243/128
1,898…
2/1
2,0
9/4
2,25
81/32
2,53125
fora do
intervalo
fora do
intervalo
Frequências obtidas pelo método pitagórico por frequência para as notas dentro de uma oitava musical,
ordenadas da mais grave para a mais aguda.
  • Iniciamos com uma frequência f qualquer.
  • Aplicando três meios (3/2) à frequência, obtemos uma nota de tom mais alto (3/2)F, dentro do intervalo 1:2.
  • Se aplicarmos 3/2 a (3/2)F, teremos (9/4)F, imediatamente fora do intervalo.
  • Se dividirmos essa nota por dois, teremos (9/8)F, voltando à oitava inicial.
  • Se aplicarmos 3/2 a (9/8)F, obtemos (27/16)F, mais uma nota dentro do intervalo.
  • Se aplicarmos 3/2 a (27/16)F, obtemos (81/32)F, imediatamente fora do intervalo.
  • Se dividirmos essa nota por dois, obtemos (81/64)F, dentro do intervalo.
  • Se aplicarmos 3/2 a (81/64)F, obtemos (243/128)F, dentro do intervalo.

Aqui, as frações deixam de ter valores “simples” para numeradores e denominadores, e podemos completar a escala com a fração (4/3)F, completando 8 notas de F a 2F.

F(9/8)F(81/64)F(4/3)F(3/2)F(27/16)F(243/128)F2F(9/4)F(81/32)F
1/1
1,0
9/8
1,125
81/64
1,265…
4/3
1,333…
3/2
1,5
27/16
1,687…
243/128
1,898…
2/1
2,0
9/4
2,25
81/32
2,53125
1aSegundaTerçaQuartaQuintaSextaSétimaOitavafora do
intervalo
fora do
intervalo
MiSolSi
Frequências obtidas pelo método pitagórico para as notas dentro de uma oitava musical,
ordenadas da mais grave para a mais aguda.

Se escolhermos como primeira nota, a nota dó, criaremos o intervalo da Oitava de Dó, de acordo com a nomenclatura atual. Observe que o método não fornece as notas em ordem, precisamos ordená-las ao final da mais grave à mais aguda para chegar à ordenação: dó-ré-mi-fá-sol-lá-si-dó.

O conceito desta escala é portanto simples: determinar as “quintas notas” (3/2) e transportá-las para dentro da oitava inicial, seguindo o algoritmo pitagórico, adaptado para frequências.

Pitágoras ficou tão impressionado por esta descoberta que a tornou a base de uma escola – chamada Escola Pitagórica – que mantinham crenças místicas, atribuindo um grande poder aos números.

O princípio de tudo é o Número. Escola Pitagórica.

A oitava atualmente é usada na Música Clássica moderna, no Jazz, nas músicas “nordestinas” (comum no baião, frevos e em diversos outros estilos musicais desta região).

Escala nordestina com 8 notas por oitava. Gerado por Audacity

Escala Pitagórica e o Violão…

Veja no vídeo abaixo, uma visualização da construção de uma oitava de cordas, assim como vimos no último vídeo! Porém, ao final, o apresentador termina falando da correção necessária para criar a escala temperada/cromática.

Divisão das cordas pitagóricas através das cordas de um violão.

Se você se interessou pelo “problema da última nota”, acesse o link do post que fala sobre a Escala Cromática (Bach):

Seguindo, vamos esmiuçar um pouco o problema entre as razões das notas na escala pitagórica…

Nem todo Modelo é Perfeito

Se calcularmos os intervalos – definido pelo quociente (razão) entre todas as alturas (frequências) da escala pitagórica, obtemos uma certa regularidade com apenas dois valores:

  • 9/8 = 1,125
  • 256/243 = 1,05349794239

Chamados respectivamente de tom pitagórico diatónico e semitom pitagórico diatónico. Obtém-se assim uma escala com 7 notas diferentes separadas por tons 5 tons e 2 semitons, um tipo de Escala Heptatônica (hepta = sete, tônica = tons (7 notas em cada oitava) que fundamentou a música europeia, constituída por tons e semi-tons na sequência: T – T – ST – T – T – T – ST (maior). Isto padronizou a Escala Pitagórica Heptatônica Clássica.

Escala Diatônica Heptatônica (7 notas) comumente conhecida. Gerado por Audacity

Os estudos de razões “harmônicas” e proporções simples foram a essência da música durante a época dos pitagóricos.

A partir da Idade Média, com o surgimento de músicas mais complexas, observou-se que, embora as razões fossem “perfeitas”, ocorriam problemas quando alguns conjuntos de notas, diferentes tonalidades ou escalas com mais notas eram utilizadas.

Surgiu, então, a necessidade de aprimorar o modelo matemático, e criar um sistema de afinação alternativo e também outras definições de escala musicais – que foram sendo criadas com mais ferramentas matemáticas criadas com o avanço da matemática e pelo aprimoramento de instrumentos musicais.

Conheça algumas outras escalas nos links abaixo:

Escala Pentatônica.

Escala Hexatônica.

Escala Igualmente Temperada: A Escala que veio da China.

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