Astronomia sem Telescópio: Gnômon Plano

Capa: Construção de gnômon plano em terreno.

Série AST: Astronomia sem Telescópio. Relógios.

A palavra grega γνώμων (gnomon) significa aquele que sabe discernir, esperto, bom conhecedor, em Temístocles. Ou ainda, o melhor intérprete dos fatos imediatos, em Tucidides (Guerra do Peloponeso). É formada pelo verbo γνῶναι (gnomai) variante aorista de γιγνώσκειν (gignoskein = conhecer). E se relaciona com a raiz indoeuropeia *gno– (conhecer), presente nas palavras conhecer, notas, notícia, por meio do latim gnoscere. Passou a ser usada como “esquadro” de carpinteiro, pois é o que avalia e decide se realmente é um ângulo reto. E finalmente foi adotada como “agulha” de relógios de Sol, pois é o que decide realmente que horas são. Não confundir com gnomos., os famosos duendes da cultura europeia.

O Gnômon é o mais simples e provavelmente o mais antigo dos instrumentos astronômicos; sendo usado por uma extensa variedade de culturas e épocas, assumindo diferentes formatos e possibilitando inúmeras observações e determinação precisa de referências espaciais e temporais ao longo do ano solar.

Existem documentos históricos que comprovam o uso do Gnômon nas mais antigas e diversas civilizações. Em tempos antigos, foi utilizado por astrônomos chineses, fez parte essencial da astronomia hindu e há evidências de que era amplamente empregado pelos sacerdotes astrônomos dos Impérios Babilônico (Mesopotâmia) e Egípcio (Egito).

Posteriormente, de forma semelhante, o Gnômon foi utilizado no Império Grego (Europa e África mediterrâneas). Segundo o geógrafo e historiador grego Heródoto de Halicamasso (484–425 a.C.) os gregos adquiriram seu conhecimento dos caldeus (povo semita habitante do sul da Mesopotâmia, no Império Babilônico), possivelmente por meio de Anaximandro de Mileto (cerca de 610–545 a.C.). Um Gnômon foi utilizado por Eratóstenes de Cirene (276- 295 a.C.) em sua célebre determinação do raio terrestre.

O Gnômon también foi utilizado no Império Romano e, posteriormente, no Império Árabe.

Nos astrônomos árabes, destaca-se o modo como o astrônomo, geógrafo e matemático persa Ahmad ibn ‘Abdallah Habash Hasib Marwazi (Al–Marwazi, mais conhecido como Al–Habas) utilizou o gnômon, usando-o em seus estudos trigonométricos.

Podemos considerar o Gnômon como o antecessor ou “pai” de todos os instrumentos astronômicos baseados na projeção da sombra de um objeto. Apesar da simplicidade de sua estrutura, a quantidade de informações e conhecimentos que pode proporcionar aos olhares curiosos é realmente abundante e significativa.

COMO É CONSTRUÍDO?

Em sua forma mais simples, consta de uma vara de madeira ou metálica, chamada de indicador ou haste, normalmente fixada verticalmente sobre una superfície plana, denominada plano de registro, sobre a qual a sua sombra – gerada pela luz solar – é projetada.

A superfície de registro coincide com um dos planos paralelos ao horizonte, de modo que a haste representa a direção vertical local.

Durante todo um dia ensolarado (sem nuvens) a posição aparente do Sol, a extremidade superior do estilete e a sombra da ponta do estilete estão alinhados; e por este motivo, em qualquer instante, as medidas

  • do comprimento da sombra
  • e da direção da sombra,

permitem determinar a direção do Sol.

Podemos, assim, saber exatamente em que direção o Sol está, e tudo com segurança, sem olhar diretamente para o Sol.

A informação que o Gnômo nos oferece se expressa por meio de duas variáveis, facilmente identificáveis:

  • o tamanho (comprimento) da sombra da haste,
  • a posição dessa mesma sombra sobre o plano de registro, que determina sua direção.

O QUE DEVEMOS OBSERVAR?

Durante o dia, a direção e o comprimento da sombra variam de forma lenta, contínua e em uníssono.

E surgem as primeiras questões:

  • Quando a sombra é maior ao longo do dia?
  • E quando a sombra é menor?
  • Ao meio-dia local, existe sombra?
  • Em que direção a sombra aponta ao longo do dia: norte, sul, leste, oeste?
  • E como isto varia ao longo do ano?

O QUE VOCÊ VAI DESCOBRIR?

Durante o nascer e o por do Sol, a sombra alcança seu maior comprimento.

Discussão: quanto mediria a sombra de um estilete de 1 metro de altura?

Além disso, nesses dois momentos, as sombras apontam em direção opostas.

E o que acontece ao longo do dia?

Ao longo do dia, durante o trajeto aparente do Sol, a sombra se desloca gradualmente sobre o plano do registro, descrevendo uma figura simétrica com forma de leque.

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Mas a sombra “gira” no sentido horário ou sentido anti-horário?

A sombra vai estar apontando para o sul ou para o norte? Isto varia ao longo do ano solar?

O GNÔMO DIVIDE O HORIZONTE LOCAL EM OCIDENTE E ORIENTE

Essa figura “leque” varia dia a dia, porém conserva constantemente um mesmo traço característico: em certo instante do dia, quando a sombra do estilete é a mais curta do dia, está orientada sempre na mesma direção. (Ela pode variar o sentido, mas mantém a direção).

Esta grande regularidade, fácil de observar, proporcionou dois marcos de referência fundamentais: um espacial e um temporal para muitas outras medições astronômicas.

Esta direção permanente gerada pela sombra mais curta de todos e cada um dos dias do ano solar define uma linha que separa, sobre o horizonte, as zonas relacionadas ao nascer e ao pôr do Sol.

Esta linha divisória foi denominada de “linha meridiana” ou simplesmente meridiana, e as zonas que divide são conhecidas como Oriente e Ocidente locais, respectivamente.

E bem ali, onde a meridiana intersecta à esfera celeste, sobre o plano do horizonte, são marcados dois pontos cardeais: o Norte e o Sul, de modo que a meridiana também foi chamada de linha norte-sul.

E deste modo, também determina os outros dois pontos cardeais (Leste e Oeste), os extremos no horizonte marcados pela reta perpendicular à meridiana que passa pelo observador localizado no centro do Gnômon).

O GNÔMON DEFINE MARCADORES TEMPORAIS: O MEIO-DIA CLARO LOCAL E O DIA SOLAR.

Quando a sombra do indicador ou estilete é a menor do dia, ela define também um momento, um instante temporal: o meio-dia claro do lugar.

Com esse dado, ao registrar o intervalo de tempo entre dois meios-dias locais consecutivos, se define uma unidade de tempo fundamental tanto na Astronomia quanto na vida cotidiana: o dia solar.

Assim, desde o nascer até a culminação do Sol, as sombras do estilete se movem na zona ocidental do plano de registro. Mas isso ocorre no sentido sul ou sentido norte?

Analogamente, desde a sua culminação até o pôr do Sol, as sombras estarão na zona oriental.

No instante da culminação do Sol, a sombra do estilete é sempre a menor da data e está exatamente sobre a meridiana local. Em outras palavras, ao meio-dia local, são geradas as menores sombras dos objetos iluminados pelo Sol.

O GNÔMON DEFINE UMA REFERÊNCIA CELESTE

Além disso,

  • se prolongarmos mentalmente a direção do estilete, a sua interseção com a esfera celeste, define a posição de um importante ponto de referência celeste local, o zênite.
  • O plano vertical que contém o zênite e a reta meridiana é denominada de meridiano local.

Os pontos cardeais e as unidades de tempo definidas pelo movimento diário do Sol proporcionam uma base para descrever as variações deste movimento ao longo dos dias, durante todo o ciclo do ano solar.

Em outras palavras, o nascer do Sol sempre ocorre na zona oriental do horizonte e o por do Sol na zona ocidental, porém

  • a posição exata em que o Sol surge ou desaparece no horizonte local.
  • o comprimento da sombra do estilete em sua culminação(meio-dia local).
  • e a quantidade de horas de luz.

variam de um dia para outro ao longo do ano.

O GNÔMON E AS ESTAÇÕES DO ANO SOLAR

Estas variações da posição do Sol ao nascer e se por sobre a linha do horizonte, estão associadas e ajudam a definir o Ciclo das Estações do Ano Solar.

Ao registrar o movimento diário do Sol durante todos os dias do ano solar, você pode comprovar que suas sucessivas culminações ocorrem a diferentes “alturas” do Sol sobre o horizonte. E isto vai afetar o comprimento da menor sombra de cada dia.

Se observarmos o Gnômon todos os dias, no momento do meio-dia solar, se observa que em um único meio-dia do ano solar ocorre a maior “menor sombra do dia” do estilete, entre todas as observadas durante o ano; isto ocorre quando o Sol alcança a mínima altura em sua culminação; e esta data define o Solstício de Inverno.

Analogamente, em um meio-dia local de uma única data do ano ocorre a menor “menor sombra do dia” do estilete, entre todas as observadas no ano. Isto ocorre quando o Sol alcança a máxima altura em sua culminação; e essa data define o Solstício de Inverno.

Finalmente, existem duas datas em que os comprimentos da sombra do estilete é exatamente a mesma ao meio-dia local, e o Sol culmina exatamente à mesma altura sobre o horizonte; e essas datas definem os Equinócios (de Outono e de Inverno).

O GNÔMON E O ANO SOLAR

O intervalo entre dois equinócios homólogos consecutivos, ou seja a duração do ciclo das estações, define também a unidade básica do calendário: o ano solar, da mesma maneira que o dia solar é definido pelo movimento diário do Sol.

CONCLUSÕES PARA COMEÇAR A OBSERVAR

Com observações sistemáticas da sombra do estilete é possível quantificar um grande número de conhecimentos sobre a variação da posição do Sol, tanto diariamente quanto anualmente.

E, finalmente, foram essas observações que converteram o Gnômon em um marcador espacial e um marcador temporal, um relógio e um calendário.

O sucesso deste instrumento reside em que, ainda que a informação que ele pode fornecer implique uma interpretação complexa – já que requer combinar variáveis espaciais e temporais – o gnômon possui uma vantagem fundamental: como podemos construir facilmente a sua estrutura em grandes dimensões, isto permite obter uma grande precisão nas medidas.

NO SOLAR DE LAS MIRADAS

Este magnífico Gnômon montado no “Solar de las Miradas” consta de uma superfície de registro de 3 metros de diâmetro, inscrita em una base quadrada de 3,2 metros, ambas de cimento armado. E o estilete é uma vara de ferro de 4 mm de diâmetro (bem fina) e com 1 metro de altura. Todos os materiais foram tratados especialmente para suportar a intempérie de um ambiente externo.