Astronomia sem Telescópio: Observatórios de Tycho Brahe

Capa: Foto do Sítio arqueológico do Observatório subterrâneo de Tycho Brahe.

Série AST: Astronomia sem Telescópio. Parques e Observatórios a Olho Nu.

Adaptado de Horacio Tignanelli, El Solar de las Miradas, no Parque Astronómico La Punta. PALP.

Tycho Brahe

A Ciência que a humanidade tem em um dado momento depende do que a humanidade é nesse momento. Georg Simmel (1858-1918)

Tycho Brahe é conhecido como o primeiro astrônomo a aplicar efetivamente o conceito de precisão em suas medições celestes. Ninguém antes dele se preocupou em buscar resultados com artefatos tão bem calibrados nem em construir instrumentos que proporcionassem medições confiáveis e precisas. E mais, foi o primeiro que realizou um programa permanente de medições cuidadosas e sistemáticas dos astros, o que gerou muitos dados sobre as estrelas e planetas.

Detalhe da precisão de instrumentos de Tycho Brahe. Museu Tycho Brahe. Observe o prumo ao centro e a graduação das medidas.

Além disso, realizou um notável exame do Sistema Solar, e o novo mapa do céu feito por Tycho Brahe (e sua equipe) compreendia um milhar de estrelas. Isso mesmo, um Catálogo de 1000 estrelas, quase todas super hiper localizadas!

E, por último, foi utilizando os dados planetários de Brahe que Johannes Kepler (1571-1630) chegou às leis que hoje levam seu nome e que dão conta do movimento dos planetas em torno do Sol.

Tycho Brahe e Johannes Kepler.

Uraniburgo, Um Castelo para Urânia.

Foi na Ilha de Hven – conhecida como a Ilha Escalarte, e rebatizada por Brahe como a Ilha de Vênus (Hven), posicionada entre Copenhagen e o Castelo de “Elsinor” (Kronborg), onde Brahe, com recursos do estado dinamarquês, montou em 1580 um Observatório Astronômico a Olho Nu, cujos instrumentos alcançaram a maior precisão da Era Pré-Telescópica da Astronomia.

Castelo de Kronborg.

O mapa de Hven abaixo mostra como as atividades de Tycho Brahe foram interessantes.

No meio da ilha, você vê Uranienborg como uma praça oblíqua. Um pouco mais ao sul, você verá Stjerneborg. Os muitos pequenos lagos devem-se ao trabalho de Tycho para coletar água para operar um moinho de água no sudoeste. O moinho de água é visto a oeste do lago sudoeste. A energia do Watermill deveria ser usada na fabricação de papel de Tycho. Tycho conseguiu se tornar autosuficiente com todo o equipamento para publicar seus resultados. A vila com muitas casas pequenas fica no norte. Em mapas antigos dos países da Escandinávia: “O grande Tycho Brahe foi o primeiro escandinavo a usar a trigonometria em sua pesquisa na Ilha de Hven”.

Tycho Brahe colocou esse pedaço da Ilha de Hven na famosa obra de Georg Braun em Cidades do Mundo: Civitates orbis terrarum, 1588. Ao fazer isso, ele transmitiu o recorte internacional e o simbolismo arquitetônico do site a um grande público europeu, como fez mais tarde em várias de suas próprias obras. Construção e jardim são um todo unificado. Os corredores do jardim continuam como corredores dentro da casa e se encontram em uma fonte no meio. Tudo é simétrico e ordenado como uma imagem do universo ordenado, onde todas as camadas se correspondem.

A Ilha de Hven se encontra sobre escarpas junto ao mar, com uns 5 km de comprimento e uns 500 hectares ( 5 km2) de superfície. Na época, era povoada por umas 40 granjas ao redor de um pequeno povoado. Em seu território, Brahe ergueu uma autêntica fortaleza denominada Uraniburgo, que significa algo como Cidade de Urânia, em evocação à Urânia, a musa grega dos movimentos celestes (Astronomia, um ramo da Matemática grega).

Vitral Urânia, Museu de Astrônomia e Ciências Afins, MAST, Rio de Janeiro.
Faça um modelo em papel do MAST e um Paper Toy da musa Urânia aqui.

Brahe viveu durante 20 anos trabalhando no Observatório, durante os quais:

  • coletou dados contínuos sobre os astros, e
  • ensinou ao mundo os métodos da observação celeste exata.

O CASTELO-OBSERVATÓRIO DE URÂNIA

Uraniburgo era um castelo de base quadrada, de uns 15 m de lado, com anexos circulares ao norte e ao sul. Tinha um porão, dois pisos e um sótão.

  • O porão tinha, na parte norte, um local para armazenar alimentos e outros elementos.
  • Na zona sul, Brahe montou 16 fornos onde realizava experimentos de alquimia.
  • A cozinha ficava no extremo norte do primeiro piso e a biblioteca em seu extremo sul.
  • No primeiro piso, havia quatro quartos, alguns para a vida cotidiana e outros para o alojamento de hóspedes.
  • Na ala oeste, no segundo piso, havia um grande salão com uma vista maravilhosa, chamado de o “Quarto de Verão”.
  • Na ala leste, haviam dois quartos menores, chamados de “Do Rei” e “Da Rainha”.
  • Em cada uma das extremidades das extensões norte e sul haviam dois observatórios circulares (um grande e outro pequeno) ambos com cúpulas que podiam ser abertas em qualquer direção.
  • No contorno das torres de observação haviam balcões, em cujas varandas foram posicionados suportes (bases) para a montagem de instrumentos.
  • Finalmente, no desvão (sótão) haviam oito compartimentos pequenos, destinados aos ajudantes do astrônomo.
Ilustração de Uraniburgo. Fachada do Castelo-Observatório.

A fachada de Uraniburgo era renascentista e era coroada por um domo flanqueado de torres cilíndricas, cada uma quais tinha um teto móvel, que hospedava os quartos onde estavam instalados os instrumentos de observação.

Ao seu redor, haviam galerias com relógios, quadrantes solares, globos celestes e esculturas alegóricas ao céu e aos astros. Na biblioteca do Castelo era alçado um globo que representava a esfera celeste, sobre o qual se gravara a posição das estrelas fixas determinadas por Brahe e sua equipe de colaboradores. Esse globo era feito de latão e tinha 1,5 m de diâmetro, e foi usado para confeccionar um novo mapa do céu.

Um sistema de comunicação permitia Brahe fazer soar uma campainha no quarto de qualquer de seus ajudantes, o que fazia alguns convidados desavisados crerem serem convocados por magia. Os convidados de Brahe formavam uma incessante e interessante procissão: sábios, cortesãos, príncipes e membros da realeza, incluindo o próprio Rei Jaime VI da Escócia.

Panorâmica de Uraniburgo com seus jardins.

CASTELO OBSERVATÓRIO CIDADE DAS ESTRELAS

Escavações realizadas em 1951 no sítio arqueológico de Stjerneborg.
Distribuição das cúpulas e instrumentos superficiais em Stjerneburg (Atlas Major de Joan Blaeu, 1663).

Posteriormente, em 1586, Brahe instalou em Hven um segundo observatório, ao qual chamou “Stjerneburg” (Cidade das Estrelas) construído inteiramente sob a terra para proteger os instrumentos das vibrações e do vento; os tetos dos cubículos onde eram posicionados, tinham forma de domo e eram a única coisa situada acima do nível do piso; haviam cinco domos cavados sob o nível do piso e com terraços que podiam ser abertos ou fechados.

Entre as cúpulas havia um pequeno quarto quadrado de 2,5 m de lado, com uma estufa para a calefação, uma mesa para fazer cálculos e em suas paredes se colocavam alguns instrumentos pequenos, como, por exemplo, balistas do tipo das incluídas na “Torre de Observação” do El Solar de las Miradas.

Ambos os observatórios eram repletos de artefatos e autômatos (bonecos movidos por mecanismos ocultos, que repetiam certos gestos e acenos).

Dos instrumentos construídos para Uraniburgo, Tycho Brahe construiu uma segunda “fornada”, composta por artefatos maiores e mais precisos, que foram alocados em Stjerneburgo. Em cada um de seus domos subterrâneos, instalou um instrumento de observação diferente. Em um deles foi instalado o Sextante Astronômico Triangular, similar ao montado no El Solar de las Miradas.

Stjerneburgo era rodeado por uma pequena muralha, formando um quadrilátero de 18 m de lado, com sua porta de entrada dirigida ao norte. Sobre essa muralha foram colocados suportes para apoiar diversos instrumentos. Contava com um grande dormitório para Brahe e um quarto menor, para que seus ajudantes se recostassem se a observação fosse interrompida devido ao céu estar nublado.

A MIRADA PRECISA de TYCHO BRAHE

Na época do Renascimento, os principais instrumentos usados pelos astrônomos eram os globos celestes, as esferas armilares e os quadrantes.

O globo celeste é uma esfera parecida com os globos terrestres comuns, porém contendo um mapa das estrelas, tal como se houvessem sido projetadas sobre sua superfície. Para construir um globo celeste é preciso conhecer as posições das estrelas que serão incluídas e, quanto mais precisas fossem as medições dessas posições, melhor seria o mapa do céu desenhado no globo. Os globos celestes eram dispositivos usados como referência para conhecer as posições dos astros que tinham sido catalogados; não se tratava de um instrumento de medição.

Brahe trabalhou sobre um globo celeste de um metro e meio de diâmetro, durante mais de 25 anos. Até 1595, já havia posicionado cerca de mil posições estelares sobre o mesmo. Vale destacar que dessas 1000 estrelas, as posições de 777 estavam determinadas com toda exatidão, enquanto que as restantes 223 foram colocadas apressadamente pouco antes do astrônomo ter que abandonar Uraniburgo, apenas para chegar a uma cifra redonda.

Convencido de que devia buscar a perfeição em seus instrumentos, se preocupou por encontrar os melhores artesãos que pudessem interpretar seus desenhos, suas dimensões e aceitar o rigor que ele impunha às escalas e graduações.

Apesar de conseguir que suas especificações fossem cumpridas, ele instalou uma oficina de construção de dispositivos de observação astronômica na Ilha de Hven e ali, treinou e capacitou pessoalmente seus próprios técnicos. Zeloso de suas criações, não deixava que nenhum visitante de Uraniburgo presenciasse o trabalho de seus construtores de instrumentos.

O instrumento mais comum usado para fazer medições da posição de um astro era o quadrante. Ele era formado por um arco de circunferência orientável e graduado em frações de graus sexagesimais. Para orienta-lo, poderia ser girado ao redor de um eixo horizontal para ajustar a coordenada respectiva (o azimute) e de outro eixo vertical, com o qual se determinava a altura do astro (ângulo que dá conta da altitude do astro em relação ao plano do horizonte). Era usado dirigindo um de seus raios livres, provido de postigos (olho mágico), até o astro; a altura era lida diretamente no arco e o azimute na base.

Desta maneira, o quadrante astronômico compartilhava com o clássico astrolábio a missão de obter a altura dos astros sobre o horizonte, obtendo-se com a declinação do astro, a latitude de um lugar dado; em geral, um observador enxergava o astro pelas pínulas do quadrante e o outro lia o valor da escala marcado pelo prumo.

O sextante surgiu como desenvolvimento do octante (cujo setor compreende apenas 45° (360º/8), a oitava parte da circunferência) e do quintante pela necessidade de obter medidas de astros distantes de forma “exata”, mediante o método das distâncias lunares.

O arco do primeiro quadrante fabricado por Brahe media 5,5 m, um tamanho incomum para um instrumento astronômico. Brahe necessitava que seus aparatos fossem muito grandes para poder alcançar a máxima precisão possível.

Em sua época, os melhores instrumentos tinham uma resolução de uns cinco minutos de arco (5’). Nessa situação, com seus artefatos, Brahe buscava alcançar o minuto de arco (1’) ou ainda menos. Ele era tão pesado que foram necessários 40 homens para desloca-lo até sua posição definitiva. Sua manipulação era bastante complicada; dava tanto trabalho orienta-lo que só conseguiam completar uma medição a cada noite. Brahe o abandonou e começou a construir outros instrumentos, buscando que fossem mais eficientes.

Com essa ideia, Brahe construiu um quadrante mural sobre uma das paredes do Castelo de Uraniburgo. Embutiu um arco de bronze de 90° em um muro corretamente orientado na direção leste-oeste; o raio desse arco era de 2,0 metros. Para orienta-lo e ler as medidas eram necessárias três pessoas.

Outro grande instrumento construído nas oficinas de Brahe foi a Armila Equatorial Máxima, que o dinamarquês considerava o mais importante de seus artefatos celestes. As armilas equatoriais tinham o mesmo propósito que os quadrantes, porém enquanto o desenho destes últimos permitir encontrar a posição das estrelas que se mantinham fixas em algum ponto da esfera celeste, a Armila Equatorial oferecia a oportunidade de medir o recorrido dos planetas dentro da banda zodiacal.

Ilustração do Grande Quadrante Mural de Tycho Brahe. Ao fundo podemos observar as várias salas e seus instrumentos. Em baixo, a mesa de cálculos e seus ajudantes.
Tumba de Tycho Brahe.