Cérebro Direito, Cérebro Esquerdo: Um Conceito Impróprio

ONDE ESTÁ A CRIATIVIDADE?

Kayt Sukel, Brain Week Fact Sheet, (tradução de Paulo Henrique Colonese). Foto de capa: Projeto Connectome Humano.

O cérebro humano é basicamente simétrico, dividido ao meio:

  • o hemisfério cerebral direito recebe sinais sensoriais e direciona o movimento no lado esquerdo do corpo,
  • o hemisfério esquerdo rege funções correspondentes para o lado direito.

Mas a simetria reflexiva vai só até aqui. Até recentemente, os cientistas presumiam e assumiam que a destreza (ser destro ou canhoto) (e, presumivelmente, a assimetria cerebral que a sustenta) fosse exclusivamente humana. Mas ficou claro que casos equivalentes estão realmente bastante difundidos no mundo animal, por exemplo:

  • cerca de 65% dos chimpanzés usam a mão direita para tarefas mais exigentes,
  • e 90% dos papagaios pegam objetos com o pé esquerdo.

A simetria só vai até aqui — pois há diferenças também. No entanto, nos últimos anos, os dois lados do cérebro vieram a simbolizar dois lados da natureza humana;

  • o cérebro esquerdo saudado (ou depreciado) como “lógico”, “analítico”, e “intelectual”,
  • e o cérebro direito “intuitivo” como o avatar da emoção e da criatividade.

Nada poderia estar mais errôneo e simplista!

Mais oportunistas se aproveitaram e uma série de livros populares, estratégias educacionais e até intervenções terapêuticas se seguiram, prometendo melhorar as habilidades e aliviar as doenças mentais otimizando a função de um ou outro lado do córtex cerebral.

A realidade não é tão simples — e é muito mais interessante!

E como muito em neurociência, está longe de ser totalmente compreendida.

Da Mão ao Cérebro

As origens da assimetria cerebral não estão claras, mas podem ser uma vantagem evolutiva na eficiência: localizar uma função cognitiva específica em uma área compacta de um lado do cérebro libera espaço neural para outras funções do outro, e reduz a frequência de erros de transmissão.

Seja qual for a razão, a manifestação mais óbvia da lateralização cerebral é a destreza manual. Cerca de 90% das pessoas são destros: elas têm um controle muito melhor sobre movimentos finos com a direita do que a mão esquerda, e preferem usar a mão direita para a maioria das atividades. Os 10% restantes são canhotos ou ambidestros.

Até recentemente, os cientistas presumiam e assumiam que a destreza (e, presumivelmente, a assimetria cerebral que a sustenta) fosse exclusivamente humana. Mas ficou claro que existem equivalentes realmente bastante difundidos no mundo animal, por exemplo:

  • cerca de 65% dos chimpanzés usam a mão direita para tarefas exigentes,
  • e 90% dos papagaios pegam objetos com o pé esquerdo.

Em termos de função mental, a primeira consequência estudada e melhor documentada da assimetria cerebral envolve a Linguagem. Observando que um derrame ou lesão em uma área do lado esquerdo do cérebro muitas vezes interfere na capacidade de falar, há cerca de 150 anos, o médico Paul Broca identificou uma região no lobo frontal esquerdo como crucial na produção da fala. Cerca de uma década após sua descoberta da “área de Broca”, o neurologista Carl Wernicke localizou a capacidade de entender as palavras (ouvir e interpretar palavras) em outra parte do hemisfério esquerdo, o lobo temporal superior: “Área de Wernicke”. Apesar de os dois lados do cérebro serem aproximadamente iguais em tamanho, na maioria das pessoas essas partes do hemisfério esquerdo são ligeiramente maiores.

Mas como a destreza da mão, a discrepância de tamanho e o domínio da linguagem são invertidos em uma minoria de pessoas; para cerca de 30% dos canhotos, o hemisfério direito é quem rege estes aspectos. O mesmo vale para cerca de 3% dos destros. Em outra minoria substancial, o controle da linguagem parece mais uniformemente distribuído entre os dois hemisférios. Funções nas quais o hemisfério direito geralmente predomina levaram mais tempo para fixar, e são menos marcadas do que o domínio da linguagem.

Esse lado parece particularmente importante na orientação espacial — pessoas com lesões cerebrais no lado direito são propensas a se perderem mesmo em ambientes familiares, e podem se tornar incapazes de desenhar. E parece desempenhar um papel crucial na regulação da agressão (tanto em animais quanto em pessoas) e emoções intensas.

Há evidências que sugerem que a autoconsciência e a capacidade de entender que a vida mental dos outros — suas emoções, atitudes e crenças — são semelhantes às nossas também são mediadas pelo hemisfério direito. O humor e as nuances da metáfora dependem ostensivamente do lado direito do cérebro também, enquanto a capacidade de concentrar a atenção e seguir direções sequenciais tem sido associada ao lado esquerdo.

Um quadro mais holístico do cérebro

Mas a lateralização não é a história toda. Mesmo na linguagem: um derrame ou lesão no lado direito do cérebro geralmente prejudica a capacidade de entender os aspectos emocionais da fala (por exemplo, a diferença entre uma declaração, questionamento ou declaração irônica) realizada por meio de entonação e fraseado.

Isto significa que entender a linguagem completamente, então, requer ambos os lados do cérebro, trabalhando juntos.

Os hemisférios, afinal, não estão verdadeiramente separados: a comunicação entre eles é permitida por fibras comissurais, amplos setores de matéria branca através dos quais um tráfego constante de mensagens neurais passa de um lado para o outro do hemisfério. O mais proeminente deles é o corpus caloso, mas pequenos setores comissurais conectam os hemisférios também.

Além das implicações da anatomia bruta, nossa visão cada vez mais matizada e detalhada da lateralização cerebral reflete uma evolução mais geral em nossa compreensão de como o cérebro funciona: enquanto algumas funções básicas podem ser razoavelmente localizadas em “módulos” ou regiões específicas (tais como córtices visuais e auditivos), funções mais complexas, como as capacidades cognitivas popularmente associadas ao hemisfério direito e esquerdo, são melhor explicadas em termos de redes que podem se espalhar por grandes áreas do cérebro.

A música oferece um exemplo ilustrativo.

A capacidade de produzir e responder à música é convencionalmente atribuída ao lado direito do cérebro, mas processar elementos musicais como tom, ritmo e melodia envolve uma série de áreas, incluindo algumas no hemisfério esquerdo (que parece fundamental na percepção do ritmo). Até foi sugerido que músicos qualificados usem seu cérebro esquerdo mais para responder à música do que uma pessoa musicalmente ingênua, e que partes do cérebro esquerdo podem desempenhar um papel fundamental na apreciação da dimensão emocional da música.

O Cérebro Criativo

Talvez a crença mais sedutora e tenaz sobre a lateralização cerebral seja que o hemisfério direito é o lado criativo — tanto que “cérebro direito” tornou-se uma espécie de abreviação para “criativo”. Mas a criatividade continua sendo um fenômeno esquivo que resiste às explicações simples e oportunistas. Há de fato, evidências de que uma determinada região do hemisfério direito é ativada em certos tipos de avanço criativo — o momento do “aha” (Eureka!) do insight em que a resposta a um problema aparece de repente e sem conhecimento consciente dos passos que levaram até lá. Mas o processo de resolução de problemas que leva ao insight, ao que parece, depende de uma rede cortical bem mais amplamente distribuída.

Além disso, as pesquisas sugerem que uma manifestação diferente de criatividade, a capacidade de inventar histórias, tecer objetos ou conectar fenômenos não relacionados em uma narrativa coerente, depende principalmente do cérebro esquerdo.

Pode ser que, em vez de refletir o domínio de um hemisfério sobre o outro, a CRIATIVIDADE, em essência, represente uma demonstração brilhante de sua capacidade de seus hemisférios trabalharem juntos.

O grau de lateralidade aparentemente varia entre os indivíduos: as funções cognitivas podem ser fortemente divididas entre o lado esquerdo e direito de alguns cérebros, mais uniformemente distribuídos em outros. Se, como muitos acreditam, a criatividade depende da capacidade de integrar informações, ela deve florescer nesta última condição, onde a comunicação e a interação entre os hemisférios são mais robustas.

Uma vez que os cérebros dos canhotos são – via de regra – menos lateralizados do que os destros, isso poderia explicar a observação de que os canhotos como um grupo tendem a ser mais criativos. Mas, lembre-se todo rótulo é perigoso e limitante.

A CRIATIVIDADE ESTÁ EM TODA PARTE DE SEU CÉREBRO…

BASTA CONECTAR AS SUAS MUITAS PARTES!