Paulo Henrique Colonese (Coordenador Matemática Viva). David Matheus Costa dos Santos.
Ao trabalhar com Materiais Didáticos para a aprendizagem da Matemática, especialmente nos anos iniciais do Ensino Básico, é necessário compreender que além de fatores cognitivos, existe uma forte influência de fatores emocionais que irão estabelecer o conjunto de atitudes do professor e dos estudantes no ambiente de aprendizagem.
João Amós Comênio (Jan Amos Komenský, 1592-1670) apontava em sua saudação aos leitores da Didática Magna (1649), a necessidade de um ambiente e de relações sociais prazerosas em sala de aula, tanto para o estudante quanto para o professor, já criticando os métodos didáticos punitivos e excludentes de educar os estudantes da sociedade de sua época.
Entretanto, um fenômeno oposto ao prazer- a ansiedade matemática – em seus vários níveis, desde a angústia, até o medo e fobia, tem sido relatada em pesquisas e resultados de testes padronizados há décadas.
Frank C. Richardson e Richard M. Suinn criaram escalas em 1972 para analisar este fenômeno de ansiedade matemática que afeta muitos estudantes. As escalas ajudam a tornar mais claro que as dificuldades em aprendizagem matemática podem ser de ordem cognitiva ou intelectual, mas também psicológica ou emotiva. E que o fator emocional é extremamente relevante para o fracasso ou baixo desempenho dos estudantes em Matemática.
Dica de Leitura
Para saber mais sobre ansiedade matemática consulte os artigos
- The mathematics anxiety rating scale: psychometric data, de Richardson, F. C., & Suinn, R. M. (1972).
- Bases Neurais da Ansiedade Matemática: implicações para o processo de ensino-aprendizagem, de Moura-Silva, Marcos Guilherme, Torres, Joâo Bento e Gonçalves, Tadeu Oliver. Bolema: Boletim de Educação Matemática. 2020, v. 34, n. 66.
Ensinar e Aprender com muito Prazer, Sempre.
Nós ousamos prometer uma Didática Magna, isto é, um método universal de ensinar tudo a todos.
E de ensinar com tal certeza, que seja impossível não conseguir bons resultados.
E de ensinar rapidamente, ou seja, sem nenhum enfado e sem nenhum aborrecimento para os alunos e para os professores, mas antes com sumo prazer para uns e para outros.
(COMÊNIO, Didática Magna, 2001, p.13).
Rachel R. McAnallen em seu estudo Examining Mathematics Anxiety in Elementary Classroom Teachers (2010) amplia o conceito de ansiedade matemática em estudantes para incluir também o grupo de educadores, especialmente educadores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Sua pesquisa levanta os seguintes elementos geradores de ansiedade matemática em professores:
- A falta de preparação (formação inicial) em matemática (ausência de materiais didáticos e atividades adequadas aos anos iniciais);
- Experiências negativas a partir de práticas e estilos de seus professores;
- Atitudes negativas em relação à aprendizagem e ao ensino em matemática;
- Quando estudantes, seus professores de matemática enfatizavam habilidade e velocidade, em detrimento de compreensão e valorização do esforço.
Todos estes elementos contribuem para a criação de ansiedade matemática e, principalmente, para gerar uma atitude inadequada para sua aprendizagem, tanto para os estudantes quanto para educadores.
McAnallen conclui em 2010 na sua sua dissertação, apontando a
necessidade urgente de resgatar o prazer e o encanto pela Matemática nos estudantes, e também nos professores:
Prazer e Encanto Matemático é Fundamental.
Um elemento crítico na preparação das futuras gerações de jovens matemáticos é a necessidade de desenvolver, em professores e estudantes, um prazer e um encanto pela Matemática.
Matemáticas desde Hipatia à Emmy Noether vivenciaram este prazer e encanto.
Afinal, a matemática
é uma linguagem a ser falada,
uma arte a ser apreciada,
uma música a ser ouvida,
e uma dança a ser dançada.
Os professores de hoje podem e devem aprender a atuar como linguistas, artistas, músicos e dançarinos matemáticos de modo que possam inspirar e incutir o prazer e o encantamento pela Matemática às gerações de estudantes no futuro.”
(McANALLEN, 2010, p.64, tradução própria).
Sheila Tobias em seu trabalho “Math anxiety and physics: Some thoughts on learning “difficult” subjects” (1985) a necessidade de
tornar o estudante mais confiante e destemido frente à aprendizagem matemática.
E esta confiança passa pela capacidade de pensar sobre suas próprias dificuldades sem se sentir culpado, pressionado ou inferiorizado, respeitando o seu próprio ritmo de aprendizagem. Ela apresenta a Resolução de Problemas como uma estratégia fundamental neste processo, por permitir que o estudante possa questionar e refletir todo o processo de descoberta e invenção matemáticas, como parte inerente a todo o processo de aprendizagem matemática.
Sandra L. Davis ao orientar professores e orientadores educacionais na década de 1980, criou o “Math Anxiety Bill of Rights” (Ansiedade Matemática: Declaração de Direitos), ressalta a necessidade de estabelecer uma atitude apropriada para a aprendizagem e autonomia dos estudantes, na qual eles se sintam confortáveis com suas dúvidas, ritmos e curiosidades.
Declaração de Direitos do Estudante de Matemática
Eu tenho o direito de aprender em meu próprio ritmo,
de não me sentir inferior ou estúpido se eu for o mais lento,
de perguntar quantas questões eu tiver,
de precisar de ajuda extra,
de pedir ajuda a um professor ou a um monitor,
de dizer “Eu não entendi!,
de não entender, e me sentir bem com relação às minhas dificuldades,
de não basear minha autoestima em minhas habilidades em determinado assunto,
de me considerar capaz de aprender qualquer assunto,
de avaliar meus livros didáticos e meus professores,
de estar tranquilo não me sentir ameaçado,
de ser tratado como uma pessoa competente,
de não gostar de determinado assunto, e mais ainda, da forma como ele é apresentado.
E de definir sucesso em meus próprios termos!
(DAVIS, Sandra Lewis, 1980, p.43, tradução própria)
Outro educador, John Holt, forte crítico da escola dos anos iniciais desde os anos 1970, apresenta ao longo de sua em 1969 na sua obra vários relatos onde ele observa, se surpreende e se encanta pela grande capacidade de aprendizagem das crianças, “apesar da escola”. Infelizmente, Holt é pessimista em relação à capacidade da escola em promover ambientes educacionais com atitudes adequadas à aprendizagem infantil e ajudou a estabelecer o movimento de “unschooling” (desescolarização) criado para “desfazer os males escolares após a escola”.
Daí, a necessidade urgente de resgatar o prazer e o encanto pela Matemática tanto para os estudantes quanto para seus professores. E também, de resgatar uma concepção de educação formal coerente com um ambiente propício à educação matemática.
Ser Criança
A criança é curiosa.
Deseja que tudo faça sentido e descobrir como as coisas funcionam,
Quer ter competência e controle sobre ela mesma e seu ambiente,
e fazer o que vê outras pessoas fazendo.
Ela é aberta, perceptiva e receptiva.
Não se desliga deste mundo estranho, confuso e complicado que a cerca
mas, o aceita, toca, ergue, entorta e quebra.
Para descobrir como a realidade funciona, ela faz de tudo.
Ela é ousada, não tem medo de cometer erros.
E é paciente. Pode tolerar uma extraordinária quantidade de incertezas, confusão, ignorância e suspense.
Ela não tem que ter um significado instantâneo para cada situação nova.
Está pronta e capaz para esperar que o significado venha até ela – mesmo que isto aconteça de maneira muito lenta – o que ocorre geralmente.
(HOLT, John, 1967, p.23, tradução própria).
Mark Ashcraft, ao contrário de Holt, apresenta uma visão mais otimista da escola – acreditando na capacidade de mudança do ambiente escolar. Suas pesquisas mostram como o desempenho em matemática melhora quando a ansiedade é reduzida, tanto em estudantes quanto em professores.
Foi com esta perspectiva e confiança de resgatar o prazer e o encanto pela Matemática em estudantes e professores, que criamos Atividades e Desafios com Jogos, como o Tangram Chinês .
Referências
- ASHCRAFT, M. H. Math Anxiety: Personal, Educational, and Cognitive Consequences, Psychological Science, out., vol. 11, no. 5, p.181-185, 2002. Disponível em http://www.thinkingahead.com.au/Documents/math_anxiety-consequences.pdf. Acesso 12 out. 2021.
- COMENIUS, A. J., Didáctica Magna, tradução Dr. J. F. Gomes, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001. E-book. Disponível em http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/didaticamagna.html. Acesso 13 ago. 2021.
- DAVIS, S. L. Math Anxiety Bill of Rights, in Resource Manual for Counselors/Math Instructors: Math Anxiety, Math Avoidance, Reentry Mathematics, Donaday & Auslander, 1980. Disponível em http://faculty.mc3.edu/cvaughen/mathconfidence/rights.htm. Acesso 13 maio 2012.
- HOLT. John. School is Bad for Children, Jornal Saturday Evening Post, 8/2/1969. Disponível em http://richgibson.com/rouge_forum/newspaper/winter2003/HoltJohn1969.htm. Acesso 15 out. 2021.
- McANALLEN, R. R. Examining Mathematics Anxiety in Elementary Classroom Teachers, Tese de Doutorado, University of Connecticut, 2010. Disponível em http://www.gifted.uconn.edu/siegle/Dissertations/Rachel%20McAnallen.pdf. Acesso 13 out. 2021.
- RICHARDSON, F. C., SUINN, R. M. (1972). The mathematics anxiety rating scale: psychometric data. Journal of Counseling Psychology, 19(6), 551-554.
- TOBIAS, S. Math anxiety and physics: Some thoughts on learning “difficult” subjects, Physics Today, junho, 1985, p.61-68. Disponível em https://physicstoday.scitation.org/doi/10.1063/1.880979 . Acesso 10 dez 2021.
Cumprimentos a toda a equipe de Educadores:Espaço Ciência Viva pela postagem deste Artigo:Construir Prazer e Encanto pela Matemática, elaborado de forma clara e proveitosa este tema de relevante importância no Ensino da Matemática.