Oppenheimer: fundamentos para um Museu de Ciências

Frank Oppenheimer (1968)

Tradução, esquemas e observações de Paulo Henrique Colonese, Espaço Ciência Viva, 1995.

Existe uma necessidade crescente de desenvolver a compreensão de ciência e tecnologia. Os frutos da ciência e os produtos da tecnologia continuam a moldar a natureza de nossa sociedade e a influenciar eventos com significação de escala mundial. Ainda assim aumenta a separação entre a vida cotidiana e experiência da maioria das pessoas e a complexidade da ciência e da tecnologia. Pouquíssimos indivíduos estão familiarizados com os detalhes dos processos industriais envolvidos em sua alimentação, seus remédios, suas diversões ou seu vestuário. Os fenômenos da ciência básica que se tornaram a matéria prima das invenções não são facilmente acessíveis à observação direta e desaparelhada da natureza mas são, no entanto, fenômenos naturais que, para um segmento da sociedade, se tornaram tão curiosos e belos como uma borboleta ou uma flor.

Existiram muitas tentativas de superar a separação entre especialistas e leigos. Estas tentativas envolveram livros, artigos, programas de televisão e cursos de ciências em escolas. Mas apesar de valiosas, estas tentativas estão em desvantagem porque carecem de experimentos participativos; elas requerem aparatos que as pessoas possam ver e mexer e que mostrem fenômenos que possam ser “ligados”, “desligados” ou modificados do acordo com a vontade de cada um. Explicar ciência e tecnologia sem experimentos pode parecer tentar contar como nadar sem jamais deixar a pessoa chegar perto d’água. Para muita gente, a ciência é incompreensível e a tecnologia assustadora. Elas as percebem como mundos separados que são desagradáveis, fantásticos e hostis à humanidade.

Há, portanto, uma necessidade crescente de um ambiente onde as pessoas possam:

  • se familiarizar com os detalhes da ciência e da tecnologia e
  • começar a adquirir alguma compreensão através do controle e observação do funcionamento do aparato e equipamento de laboratório;

um lugar assim pode despertar sua curiosidade latente e pode fornecer, no mínimo, respostas parciais.

A atmosfera de laboratório de um “Exploratorium” como esse poderia ser então complementada com informações históricas mostrando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e suas raízes históricas e sociais.

O propósito de um museu de ciências e centro de exploração seria o de satisfazer esta necessidade. Poderia ser útil e divertido para o público em geral e servir como recurso adicional para escolas e programas educacionais para jovens e adultos.

As demonstrações, experimentos e investigações do museu devem ter um apelo estético assim como um objetivo pedagógico e devem ser projetadas para tornar as coisas mais claras ao invés de cultivar o obscurantismo ou a ficção científica.

O museu não pode ser uma mera “mistureba” de experimentos mas deve ser concebido com uma fundamentação básica que possa prover uma estrutura flexível.

Uma possível forma de Organizar um Museu de Ciências

  Uma forma de organização que poderia satisfazer a proposta básica do museu envolveria introduzir as várias áreas da ciência e tecnologia com seções que lidam com a psicologia da percepção e o conteúdo artístico associado com as várias áreas da percepção. Uma destas organizações poderia, por exemplo, ter cinco seções principais baseadas respectivamente na audição, visão, paladar , olfato e sensações tácteis (incluindo percepção do quente ou do frio) e nos controles próprio-sensitivos que formam a base do equilíbrio, locomoção e controle manual.

AUDIÇÃO: A ARTE E CIÊNCIA DO OUVIR

  A seção de audição poderia ser introduzida através de um conjunto de instrumentos musicais. As características tonais dos instrumentos poderiam ser demonstradas ou reproduzidas. Poderia haver uma seção sobre várias escalas musicais seguida por outra sobre sons e ruídos do dia a dia que chamariam a atenção das pessoas para os problemas do reconhecimento de som e memória. Os detalhes de percepção auditiva poderiam ser então explorados através de experimentos sobre faixas de resposta de frequência e volume, determinação da direção do som, etc.

A partir daí, a linha mestra poderia se dividir em duas outras. Uma parte se dedicaria a explorar a física do som, envolvendo o estudo de vibrações, oscilações, ressonância, interferência e reflexões. A outra parte envolveria a fisiologia e histologia do ouvido e a parcela associada ao sistema nervoso central.

 A seção final elucidaria a tecnologia e as técnicas industriais envolvidas na reprodução do som (introduzindo assim eletrônica), construção de alto-falantes e microfones, acústica de auditórios e vários dispositivos como acessórios para audição, telefones, rádio, sonar e outros objetos do gênero.

Desse modo, a audição estaria dividida em quatro “regiões” bem definidas: os visitantes poderiam seguir o roteiro acima, ou partir de qualquer uma das regiões (de acordo com seu interesse ) e percorrer o caminho que escolhesse.

VISÃO: A ARTE E CIÊNCIA DO VER

            Em relação à visão poder-se-ia começar com pintura e introduzir as idéias de perspectiva e os efeitos envolvidos em “op-art” e figuras de moiré. Daí para experimentos sobre psicologia da percepção visual e, então, se dividir em dois caminhos, a física da luz de um lado, a biologia do olho de outro. Cada um destes caminhos levaria então à tecnologia. Aí estaria incluída a produção de pigmentos, instrumentos óticos, fabricação de vidro, televisão e fotografia, iluminação, dispositivos para o infravermelho e ultravioleta e lasers. Eventualmente seria apropriado demonstrar o uso de radiação de alta energia em tecidos biológicos e outros aspectos de tecnologia médica.

Desse modo, a visão estaria dividida em cinco “regiões” bem definidas: os visitantes poderiam seguir o roteiro acima, ou partir de qualquer uma das regiões (de acordo com seu interesse ) e percorrer o caminho que escolhesse.

            Analisandoos dois exemplos acima, a organização proposta por Oppenheimer, é a seguinte:

PONTO DE PARTIDA ESTRADAS NO CAMINHO PONTO DE CHEGADA
ARTE COTIDIANO PERCEPÇÃO CIÊNCIA BÁSICA/FUNDAMENTAL: BIOLOGIA, FÍSICA QUÍMICA, etc. CIÊNCIA APLICADA TECNOLOGIA IMPLICAÇÕES DOS PRODUTOS CIENTÍFICOS E TECNOLÓGICOS NA SOCIEDADE.

 Mas, devemos estar alertas de que esta linha sequencial é um instrumento para organização do museu pela sua equipe, não é um roteiro obrigatório para os visitantes. A ideia é que cada região ou etapa esteja espacialmente organizada como uma “ilha”, onde o visitante pode aportar e sair quando quiser. O museu deve possibilitar que o visitante escolha que ilhas visitar e que roteiro seguir.]

PALADAR/OLFATO: ARTE E CIÊNCIA DOS SABORES E ODORES

 Proceder-se-ia analogamente com paladar e olfato começando com alimentos e perfume (COTIDIANO/PERCEPÇÃO) desenvolvendo, em seguida, alguns aspectos de química (CIÊNCIA BÁSICA) e encerrando com a vasta e misteriosa tecnologia envolvida nas indústrias de cosméticos e alimentação (CIÊNCIA APLICADA).

SENSAÇÕES TÁCTEIS: ARTE E CIÊNCIA DO CONTATO

            A quarta seção começaria com vestuário e moradia, passaria por uma seção sobre a percepção de quente, frio e áspero e daí desenvolver-se-ia a física do calor levando à seção sobre produção industrial de fibras e materiais de construção.

EQUILÍBRIO E MOVIMENTO: A ARTE DE FICAR EM PÉ E NÃO CAIR

  Finalmente a seção sobre controle envolveria dança e atletismo e várias habilidades como equilibrar varas nos dedos ou andar de bicicleta. Assim, demonstrar-se-iam os mecanismos próprio-sensitivos do corpo e então a matemática dos processos de “feedback” por um lado e, por outro, a fisiologia dos músculos, nervos e canais semi circulares etc., terminando com a tecnologia sofisticada de mecanismos de controle na indústria e tecnologia.

Esta forma de organização é apenas uma das inúmeras possibilidades para um museu. Eu acredito que ela prenderia a atencão de muitas pessoas e apresentaria um padrão que outros museus poderiam seguir. No entanto, apesar de parecer essencial que o museu seja estruturado com base em um plano como o sugerido acima, é importante também que as pessoas que usam o museu não sejam forçadas a seguir algum padrão pré-concebido. Dentro da organização proposta, algumas pessoas poderiam se interessar em acompanhar a área de percepção de uma seção para outra. Alguns talvez se fixassem em apenas uma área como por exemplo a física do som ou a tecnologia de alimentos enquanto outros poderiam desejar caminhar ao acaso pelo espaço de exposições.

Programas Imediatos

 O projeto e a construção de experimentos elegantes, claros e razoavelmente à prova de público se desenvolverá lentamente. Pode facilmente demorar muitos anos para completar o tipo de exposição para o programa delineado acima. Existem, no entanto, alguns programas que poderiam ser iniciados dentro de um curto espaço de tempo e que seriam opções permanentes do museu.

  • 1) Feiras de ciências em escolas são uma prática estabelecida. Hoje em dia, entretanto, os projetos são exibidos apenas dois ou três dias e são então desmontados ou recolhidos a um depósito. Eles poderiam muito bem ficar em exibição por mais tempo e os estudantes que os construíram poderiam estar a mão de vez em quando para explicá-los para o público. No futuro, o talento e o esforço envolvidos nestes projetos poderiam ser aproveitados para fazer apresentações mais integradas para o museu.
  • 2) Os aparelhos usados em programas televisivos de educação de ciência poderiam ser expostos no museu depois de sua aparição na televisão. Com uma supervisão competente este aparato poderia ser novamente demonstrado, e pelo menos em alguns casos, ser manipulado pelo público. Eventualmente, um estúdio de televisão poderia ser incorporado ao museu e uma relação simbiótica entre museu e televisão educativa poderia ser desenvolvida.
  • 3) Existe a necessidade de escolher uma localização central para mostrar o aparato de laboratório desenvolvido para uso em escolas de primeiro e segundo graus. Este aparato poderia ser apresentado de forma que professores e alunos pudessem trabalhar com ele. O apoio para esta atividade poderia vir tanto dos produtores deste aparato como da Fundação Nacional de Ciência que investiu seriamente em seu desenvolvimento.
  • 4) Existem muitos objetos da indústria e da ciência que são por si só bastante bonitos mesmo se apresentados sem motivação pedagógica. O departamento de artes da Universidade de Stanford montou recentemente uma exposição usando aparelhagem do acelerador linear de partículas de Stanford. Valeria a pena apresentar este tipo de exposições que se encaixariam naturalmente na prática comum de ter esculturas nos jardins e prédios adjacentes ao do museu.

 Um museu não deve ser um substituto para a escola ou sala de aula mas sim um local aonde as pessoas venham para ensinar e aprender. Os visitantes deveriam considerá-lo agradável e estimulante. Acima de tudo ele deve ser honesto [não levar a mistificação científica com caixas pretas e mágicas] e levar à compreensão de que ciência e tecnologia tem um papel profundamente enraizado nos valores e aspirações humanos.

Para conhecer mais sobre as ideias museais e pedagógicas e políticas de Oppenheimer, visite a homenagem que o Exploratorium fez ao seu criador e grande inspirador em seu site:

Dr. Frank Oppenheimer: https://www.exploratorium.edu/about/history/frank

O artigo original está no link abaixo: https://www.exploratorium.edu/files/about/our_story/history/frank/pdfs/rationale.pdf

Deixe um comentário