Planetário Humano (Orrery) de Armagh

Capa: Foto do Observatório, Planetário e Planetário Humano de Armagh. Fonte: site do Observatório e arquivos de relatos de pesquisa com modelos de planetários humanos.

Orrery: Os Planetários Mecânicos

Ao longo da história foram construídos diversos modelos mecânicos e físicos do Sistema Solar que receberam diferentes nomes de acordo com seus criadores e os astros envolvidos no modelo.

Planetário mecânico feito por Benjamin Martin em Londres em 1766. Sábio Ross. Wikipedia. Licença CC-BY-SA-3.0.

Eles ficaram conhecidos como:

Orrery – designação comum a diversos planetários mecânicos (uma homenagem ao 4o Earl de Orrery (Conde de Orrery), Charles Boyle  (1674-1731), um grande Patrono da Ciência e Astronomia. O termo tem origem no fato de o primeiro mecanismo moderno deste tipo (construído em Inglaterra em 1704) ter sido apresentado a Boyle, Conde de Orrery, de quem ao longo do tempo tomou o nome. Orrery era um antigo nome de uma parte de Condado de Cork, Irlanda.

Eles podiam ser classificados de acordo com os astros envolvidos.

  • O Grande Orrery é um planetário mecânico que inclui os planetas externos.
  • O Telúrio (do latim tellurium tellus, Terra), um planetário mecânico que mostra apenas o Sistema com Sol, Terra e Lua, indicando o movimento da Lua ao redor da Terra e da Terra ao redor do Sol
  • O Lunário (do latim lunarrium) é uma versão simplificada do Telúrio, com apenas o sistema Terra-Lua.

Alguns eram modelados com muita precisão, permitindo que funcionassem como relógios para previsão de fenômenos orbitais de diferentes sistemas planetários ou do sistema solar.

  • O Astrário um “relógio” mecânico que exibe os movimentos planetários e permite determinar eclipses e trânsitos celestes.
  • O Jovilábio, do latim Jove (Júpiter) + (astro)lábio – um relógio ou sistema mecânico que exibe os períodos orbitais das luas de Júpiter,

Dependendo do sistema a modelar, os modelos mecânicos poderiam ter centenas de engrenagens e chegar a ter a precisão dos melhores relógios analógicos da história.

Os Planetários “Humanos”

Planetários humanos são modelos de planetário construídos em escala humana, onde as pessoas podem se mover e se posicionar como se fossem os próprios planetas, luas, cometas, estrelas ou os astros que se pretende modelar.

Uma grande maioria é construída e utilizada de forma temporária para uso em atividades educativas em Astronomia. Entretanto, alguns Observatórios e Museus de Astronomia construíram modelos planetários humanos permanentes para os seus visitantes.

Nesse primeiro modelo, podemos adotar sem muita perda conceitual, mas com alguma perda em termos de precisão de previsão das posições dos astros, que as órbitas sejam aproximadamente circulares. Em uma próxima postagem vamos discutir como construir as órbitas elípticas em escala. E deixaremos as órbitas e marcação dos cometas para o próximo artigo.

Vamos conhecer um Planetário Humano que inspirou vários projetos educativos!

Planetário Humano Nepal. Facebook Human Orrery Nepal.

O Planetário Humano de Armagh, Irlanda do Norte

O Observatório e Planetário de Armagh fica localizado na Irlanda do Norte. O Observatório foi inaugurado em 1790 pelo Arcebispo Richard Robinson e continua a fazer pesquisas de ponta até hoje. 

Richard Robinson, Lorde Arcebispo de Armagh, era um homem rico e influente que personificava o espírito de sua época. Como um homem educado e esclarecido, ele resolveu usar sua riqueza e poder para fundar e manter instituições de caridade e educacionais, especialmente em Armagh. Ele contratou alguns dos principais arquitetos de sua época, Thomas Cooley e Francis Johnston, para projetar edifícios e planejar sua cidade catedral. Como parte de seus planos de abrir uma universidade na cidade, ele fundou o Observatório Armagh em uma das colinas proeminentes. É a instituição científica mais antiga da Irlanda do Norte e apenas alguns anos mais nova que o Observatório Dunsink, perto de Dublin.

Site do Observatório de Armagh. https://www.armagh.space/heritage/armagh-observatory/history/an-observatory-for-armagh

Ele apresenta um modelo em escala precisa das posições e órbitas da Terra e de outros cinco planetas do Sistema Solar conhecidos desde os tempos antigos (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno), bem como o planeta anão Ceres e dois cometas: 1P /Halley e 2P/Encke.  Objetos mais distantes que não puderam ser acomodados nas dimensões do Planetário Humano estão listados no  Anel Externo  da exposição.

Observe que temos 3 parâmetros a considerar nos modelos a representar:

  • a distância média ao Sol dos astros,
  • o diâmetro dos astros, (normalmente é desconsiderado por ser muito menor que as distâncias).
  • e o tempo para completar uma volta em sua órbita ao redor do Sol.
O Planetário Humano do Observatório e Planetário de Armagh é interativo!
As pessoas podem representar o papel dos planetas e astros em seus movimentos.

As placas (discos) orbitais fornecem informações, incluindo: o símbolo do objeto, o número do disco e a data correspondente. 

A escala do Planetário Humano é de um metro por Unidade Astronômica (UA), ou aproximadamente 1:150 bilhão. (1 UA = 1,58 × 10-5 anos-luz = 150 bilhões de metros.)

As órbitas desses objetos são dispostas no chão com placas (ladrilhos) de aço inoxidável no formato de discos que são numerados e nomeados de acordo com cada planeta ou astro.

Para estabelecer um tempo padrão para o salto entre os discos dos diversos planetas, primeiro tentou-se adotar a unidade de Mercúrio (ano mercuriano é de 88 dias terrestres que divididos em 10 partes, dariam um salto de 8,8 dias terrestres. Mas este valor se mostrou inadequado quando aplicado aos outros astros.

Em seguida, ainda tentando manter Mercúrio como uma espécie de unidade, optou-se por 22 dias, de modo a usar 4 discos para completar a órbita. Essa solução se mostrou pobre pois com apenas quatro discos marcados, seria difícil perceber sua órbita elíptica. Outras tentativas foram testadas. E, finalmente, chegou-se ao valor de 16 dias como um tempo marcador para os saltos dos planetas internos, externos, anão e cometa representados. Um valor que permitia demarcar as órbitas com uma quantidade maior de discos e com um erro pequeno em relação às posições planetárias futuras.

Saltar de um disco ao próximo representa um determinado intervalo de tempo:

  • de 16 dias (aproximadamente uma quinzena) para os planetas menores,
  • de 160 dias (cerca de 5 meses) para os planetas gigantes Júpiter e Saturno,
  • de 80 dias (cerca de 3 meses) para o planeta anão Ceres
  • e de 320 dias (cerca de 10 meses) os cometas 1P /Halley e 2P/Encke.

Os saltos variam de acordo com o período orbital de cada astro, mas se mantém relacionados à unidade padrão de 16 dias, com uma margem de erro pequena, considerando todo o conjunto.

Quanto à distância ao Sol, sugerimos uma escala que demanda um espaço de 20 metros x 20 metros para construir até a órbita de Saturno completa.

OS PLANETAS INTERIORES
Modelo de Mercúrio

Mercúrio tem um período orbital (ano de Mercúrio) de 88 dias terrestres (quase 3 meses terrestres).

No modelo, sua orbita possui 11 discos, numerados de 0 a 10, de modo que completa duas voltas ao redor do Sol ao percorrer todos os seus discos. Isto significa dar um total 11 saltos de 16 dias (11 x 16 dias = 176 dias = 2 x 88 dias = 2 anos mercurianos).

E sua órbita aproximadamente circular tem um raio de 40 centímetros (diâmetro de 80 centímetros).

Ângulo entre os discos: 720 graus (2 voltas) / 11 discos = 65,5 graus.

Modelo de Vênus

Vênus tem um período orbital (ano de Vênus) de 224,65 dias terrestres (cerca de 7,5 meses terrestres).

No modelo, sua órbita possui 14 discos, numerados de 0 a 13, de modo que completa uma volta ao redor do Sol ao percorrer todos os seus discos. Isto significa dar um total de 14 saltos de 16 dias (14 x 16 dias = 224 dias que é muito próximo de 1 ano venusiano).

E sua órbita aproximadamente circular tem um raio de 72 centímetros (diâmetro de 144 centímetros).

Ângulo entre os discos: 360 graus (1 volta) / 14 discos = 25,7 graus.

Modelo da Terra

A Terra tem um período orbital de aproximadamente 365 dias, correspondente ao ano terrestre padrão.

No modelo, sua órbita possui 23 discos, numerados de 0 a 22, de modo que completa uma volta ao redor do Sol ao percorrer todos os seus discos. Isto significa dar 23 saltos de 16 dias (23 x 16 dias = 368 dias que é muito próximo de 1 ano terrestre).

E sua órbita aproximadamente circular tem um raio de 1,0 metros (diâmetro de 2,0 metros).

Ângulo entre os discos: 360 graus (1 volta) / 23 discos = 15,6 graus.

Modelo de Marte

Marte tem um período orbital (ano marciano) de aproximadamente 687 dias.

No modelo, sua órbita possui 43 discos, numerados de 0 a 42, de modo que complete uma volta ao redor do Sol ao percorrer todos os seus discos. Isto significa dar 43 saltos de 16 dias (43 x 16 dias = 688 dias que é muito próximo de 1 ano marciano).

E sua órbita aproximadamente circular tem um raio de 1,52 metros (diâmetro de 3,04 metros).

Ângulo entre os discos: 360 graus (1 volta) / 43 discos = 8,4 graus.

Observação sobre o intervalo escolhido

A escolha de um intervalo de 16 dias entre cada disco permitiu modelar razoavelmente bem a posição dos planetas internos, determinando a quantidade de discos para cada planeta. Aqui, foi necessário fazer uma opção para adequar o intervalo aos períodos orbitais dos planetas internos.

Observe que no modelo, Mercúrio vai dar 2 voltas para completar todos os 11 discos de sua órbita. Poderíamos ter reduzido os discos para 5 discos (80 dias) ou 6 discos (96 dias), mas ficaríamos com uma diferença bem maior de 8 dias, cerca de 10% em relação ao ano mercuriano. A opção de dar 2 voltas com 11 discos permitiu chegar aos 88 dias do ano mercuriano para cada ciclo completo dos 11 discos, completando 2 voltas.

OS PLANETAS GIGANTES

Os planetas gigantes estão bem mais distantes do que os planetas interiores. Isso significa que eles possuem períodos orbitais bem mais lentos.

No modelo, isto é representado, alterando o intervalo de tempo para os gigantes saltarem de um disco ao outro. Eles saltam apenas quando os planetas interiores realizam 10 saltos! Ou seja, o intervalo de tempo entre dois discos consecutivos é de 160 dias terrestres (cerca de 5 meses).

O que significa que os planetas menores precisam realizar 5 saltos para os gigantes darem 1 salto.

Modelo de Júpiter

O planeta Júpiter tem um período orbital (ano joviano ou jupteriano) de aproximadamente 11,86 anos terrestres (quase 12 anos terrestres).

No modelo, sua órbita possui 27 discos, numerados de de dez em dez, 0, 10, 20, até 260, de modo que complete uma volta ao redor do Sol ao percorrer todos os seus discos. Isto significa dar 27 saltos de 160 dias (27 x 160 dias = 4320 dias terrestres que equivale a 11,83 anos terrestres, muito próximo do ano joviano de 11,86 anos terrestres).

E sua órbita aproximadamente circular tem um raio de 5,2 metros (diâmetro de 10,4 metros).

Ângulo entre os discos: 360 graus (1 volta) / 27 discos = 13,3 graus.

Modelo de Saturno

O planeta Saturno tem um período orbital (ano joviano ou jupteriano) de aproximadamente 29,42 anos terrestres (quase 30 anos terrestres) ou 10.740 dias terrestres.

No modelo, sua órbita possui 67 discos, numerados de de dez em dez, de 0, 10, 20, até 660, de modo que completa uma volta ao redor do Sol ao percorrer todos os seus discos. Isto significa dar 67 saltos de 160 dias (67 x 160 dias = 10.720 dia terrestres que se aproxima muito do ano saturniano de 10.740 dias terrestres).

E sua órbita aproximadamente circular tem um raio de 9,54 metros (diâmetro de 19,08 metros).

Ângulo entre os discos: 360 graus (1 volta) / 67 discos = 5,4 graus.

O PLANETA ANÃO E OS COMETAS

No modelo, o intervalo de tempo entre os discos de Ceres e dos cometas 1P/Halley e 2P/Encke representados é de 5 vezes e 20 vezes o intervalo dos planetas interiores, ou seja, de 80 dias terrestres (5 x 16 dias) e 320 dias (20 x 16 dias), respectivamente.

Isto significa que Ceres salta apenas quando os planetas interiores saltarem 5 vezes e os Cometas quando os planetas interiores saltarem 20 vezes.

Ceres foi escolhido por ser o maior objeto do Cinturão de Asteroides,.

1P/Halley foi escolhido por ser o cometa mais famoso da história. E ainda tem a curiosidade de ter movimento retrógrado., orbitando no sentido horário.

2P/Encke foi escolhido por ter o menor período orbital de cometas,

Modelo do Planeta Anão Ceres

O planeta anão Ceres está localizado no cinturão de asteroides que fica entre Marte e Júpiter. E foi escolhido para representar o Cinturão por ser o maior astro dessa região. Ele tem um período orbital (ano ceresiano) de aproximadamente 1.682 dias terrestres (cerca de 4,6 anos terrestres).

No modelo, sua órbita possui 21 discos, numerados de cinco em cinco, de 0, 5, 10, 15, até 100, de modo que completa uma volta ao redor do Sol ao percorrer todos os seus discos. Isto significa dar 21 saltos de 80 dias (21 x 80 dias = 1680 dias terrestres que se aproxima muito do ano ceresiano).

Modelo do Cometa 1P/Halley

O Cometa 1P/Halley tem um período orbital (ano de Halley) de aproximadamente 76 anos terrestres.

No modelo, sua órbita possui 87 discos, numerados de vinte em vinte, de 0, 20, 40, até 1719, de modo que completa uma volta ao redor do Sol ao percorrer todos os seus discos. Isto significa dar 87 saltos de 320 dias (87 x 320 dias = 27.840 dias terrestres 76,3 anos – o que se aproxima muito do ano de Halley).

Como a órbita de Halley se estende para muito além de Saturno, no modelo do Observatório foram colocados apenas alguns discos marcadores de quando ele se aproxima do Sol, dentro da órbita de Saturno.

Modelo do Cometa 2P/Encke

O Cometa 2P/Encke tem um período orbital (ano de Encke) de aproximadamente 1.205 dias terrestres, cerca de 3,3 anos terrestres, um pouco maior que o período orbital de Marte.

No modelo, sua órbita possui 15 discos, numerados de cinco em cinco, de 0, 5, 10, 15 até 75, de modo que completa uma volta ao redor do Sol ao percorrer todos os seus discos. Isto significa dar 15 saltos de 80 dias (15 x 80 dias = 1200 dias terrestres que se aproxima muito do ano enckeriano).

Para não interferir muito com os discos dos planetas internos, também foram colocados apenas alguns discos da órbita de 2p/Encke.

As 13 Constelações Zodiacais Astronômicas

Após a órbita de Saturno, temos um anel, demarcando a direção das Constelações Zodiacais Ocidentais.

As constelações ocupam áreas diferentes na esfera celeste, desde Virgem (a maior) com cerca de 44o do círculo até Escorpião com apenas 7 graus. Ofiúco, a décima terceira constelação ocidental que foi excluída da astrologia, possui 19 graus.

Com estas informações o visitante pode perceber quanto tempo o Sol passa em cada uma das modernas constelações ocidentais zodiacais. No Planetário Humano de Armagh, as 13 constelações da eclíptica solar são marcadas em seu ponto médio por hastes verticais que podem ser vistas de qualquer lugar do planetário.

Uma Calculadora para o Planetário Humano de Armagh

O Observatório de Armagh oferece em seu site uma calculadora para determinar a posição dos astros a qualquer momento.

Deste modo, em qualquer data, os visitantes podem identificar o número do disco em que o astro está naquele momento.

Clique em https://weather.armagh.space/orrery.html para acessar a calculadora e escolher a data.

O Planetário Humano de Armagh tem influenciado a criação de muitos outros planetários humanos em diferentes escalas, desde grandes jardins com 20 m x 20 m, até jogos de mesa com tabuleiros pequenos, dependendo da quantidade de astros indicados no modelo.

Para saber mais

NASA, Human powerred Orrery. Modelo simplificado adaptado criado pela NASA, Projeto Kepler e GEMS-LHS.

Larry Lebofsky, Nancy Lebofsky, Michelle Higgins, Don McCarthy, and the NIRCam E/PO Team. A Human-Powered Orrery: Connecting Learners with the Night Sky . The Universe in the Classroom, N. 82, 2013. Uma versão simplificada para tabuleiro de mesa, com pessoas substituídas por pinos como em um jogo de tabuleiro.

ARMAGH Observatory. Human Orrery. Site do Observatório de Armagh.

BAILEY, Mark, ASHER, David, Apostolos Christou, The Human Orrery: Ground-based astronomy for allAstronomy & Geophysics, Volume 46, Issue 3, June 2005, Pages 3.31–.35.

Asher, David, Bailey, Mark, Christou, A. e Popescu, M. The Human Orrery: A New Educational Tool for Astronomy. September 2006. ·Astronomy Education Review.

GOULD, Alan, “A human orrery,” A 3-Dimensional Kinesthetic Model of the Solar System: 2 Dimensions of Space and 1 of Time. University of California publication (2005).

Um video de 9 minutos sobre a construção e investigação de um planetário humano em YouTube www.youtube.com/watch?v=ju4cfEp2BgU ou simplesmente pesquise por “UBC orrery.”

Peter Newbury; Exploring the Solar System with a Human Orrery. Phys. Teach. 1 December 2010; 48 (9): 573–577. https://doi.org/10.1119/1.3517019.

Maha Abboud, Philippe Hoppenot, Emmanuel Rollinde. Enhancing mathematics and science learning
through the use of a Human Orrery.
CERME11, Feb 2019, Utrecht, Países Baixos.

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