Por dentro dos coleópteros: insetos durinhos, quase que armaduras!

Casal de besouros da família Passalidae cuidando da prole. Foto do arquivo pessoal do Prof. Mermudes


Com a palavra, o Prof. José Mermudes

Para conhecermos mais sobre o grupo de insetos que formam o grupo com a maior diversidade de espécies, dentre os animais, na natureza, temos o prazer de conversar com o pesquisador e professor José Ricardo Mermudes (Laboratório de Insetos – Instituto de Biologia – UFRJ).

O Prof Mermudes, com a sua equipe de estudantes e pesquisadores associados, com a liderança do mestrando Ederson Oliveira, mantém uma parceria com o Espaço Ciência Viva, no Projeto Guias da Conservação, com uma linda colaboração na identificação dos bichos nas fotos do Álbum Naturalistas no Jardim.

Vamos conhecê-lo???

Obrigado, Prof Mermudes, por compartilhar conosco um pouco de seu trabalho e sobre estes bichinhos tão interessantes!

ECV: Como é a sua história com os artrópodes, como você se interessou pelo grupo?

Já no segundo ano de faculdade eu fiz uma expedição na Serra do Mar próximo do litoral de São Paulo com um colega que se especializou em aves. Mas durante esta excursão eu já tinha uma predileção pelos coleópteros (besouros), e foi investigando os troncos caídos que vislumbrei os primeiros besouros a estudar, um Passalidae e um Brentidae.

O primeiro grupo é de besouros com cuidado parental, onde as larvas são cuidadas por um casal parental. O segundo são carunchos com acentuado dimorfismo sexual, notadamente no comprimento do rostro, que nada mais é que um prolongamento da cápsula cefálica.

Figura 1: Besouros da família Passalidae; um casal de adultos, que possuem um comportamento de cuidado com sua prole.
Foto por José Mermudes.
Figura 2: Uma larva desses pais zelosos da figura 1.
Foto por José Mermudes.
Figura 3: Este é um besouro adulto da família Brentidae! Esses bichos possuem esse característico “bico” bem alongado, na maioria dos casos.
Foto por José Mermudes.

ECV:    Você trabalha com besouros (coleópteros), que são os mais diversificados dentre os animais. O que torna os coleópteros tão bem-sucedidos?

Uma excelente questão. Hoje alguns pesquisadores falam em pelo menos 400.000 espécies de Coleoptera. Comparando, sabemos que existem dois milhões de animais, um milhão de artrópodes.

O predomínio deste grupo está relacionado a modificações morfológicas bem características, como corpo compacto e rígido, com élitros (primeiro par de asas endurecido) que ajuda a proteger o corpo e o segundo par de asas membranosas destes besouros. Parecem com incríveis armaduras! Além disso, eles exploram uma infinidade de micro-habitats e os diferentes tipos de alimentos também ajudaram a intensificar esta diversificação. Besouros podem ser predadores, herbívoros e necrófagos.

Os herbívoros têm uma história evolutiva relacionada com o desenvolvimento das plantas, há uma história em paralelo ou mesmo uma coevolução. Também tiveram sucesso ao explorarem diferentes partes das plantas, como raízes, caule, folhas, frutos, sementes etc.

Agora vale lembrar que estamos falando dos adultos.

Consegue imaginar o mundo inexplorado da biologia das larvas de Coleoptera?

Figuras 4 e 5: Aqui são duas fotos de uma larva de um besouro da família Lampyridae, um vagalume! Os estágios imaturos ainda são pouco estudados, nesse caso sequer sabemos do que a espécie se alimenta. Fotos por José Mermudes.

ECV: Quais dicas você pode dar para um “naturalista-em-formação” para conseguir perceber a diversidade de formas dos besouros. Como reconhecê-los e o que devem olhar para aumentar a percepção da enorme diversidade do grupo?

Observar na natureza e depois estudar. Em contato com áreas verdes você pode encontrar muita coisa. Realizo um trabalho de extensão, com o apoio de vários estudantes ao longo de algum tempo, que envolve fazer trilhas com observação no Parque Nacional da Tijuca (ver aqui), que é uma oportunidade especial para se observar a diversidade no campo. Associado a este Projeto, publicamos um Guia para identificação de insetos comuns nesta região, que serve como um apoio para conhecer a variedade existente.

Mas também é possível perceber a diversidade em nossas próprias casas, olhando alguns produtos alimentícios guardados na cozinha (farinhas, sacos de arroz, macarrão, amendoim…) e – por que não? – observar a luz da varanda que atrai um monte de insetos, por exemplo.

Acredito também que explorar exposições científicas em museus ajuda muito a conhecer esta rica diversidade, quer pelas formas, coloridos tamanhos etc.

Imagino que um novo naturalista aliado aos livros e fontes da internet vai sempre precisar encontrar outro especialista e consultar coleções científicas, caso queira chegar à classificação mais precisa.

ECV: Quando você sabe quando está de frente a uma nova espécie? Como isso aconteceu contigo e o que se faz para dar nome e divulgá-la? Existem muitas espécies ainda a serem conhecidas?

Basicamente é um estudo com coleções científicas. Sou dependente de coleções no Brasil e no mundo. Muitas vezes depois de coletar ou mesmo examinar as coleções científicas e as descrições originais acabamos fazendo um estudo de detetive e verificando que muitos exemplares não se ajustam ao conhecimento atual.

Em outras palavras, definir as espécies hoje é o estudo que envolve desde saber cada característica que é única até a variação de formas dentro de uma única espécie. Depois fotografamos os exemplares e fazemos um estudo morfológico minucioso para comprovar com base nos estudos a proposta de nova espécie.

Preparamos o artigo científico e mandamos este manuscrito para revistas especializadas que colocarão nosso manuscrito na mão de outros dois especialistas para análise. Só aí, depois de aprovado e publicado, que a nova espécie terá validade.

Vamos conhecer uma espécie nova descrita pelo professor Mermudes?
Vamos apresentar agora uma nova espécie descoberta pelos pesquisadores Ingrid Mattos e José Ricardo Mermudes! Um besouro da família Passalidae, encontrado na Reserva Ecológica de Guapiçu, em Cachoeiras de Macacu – RJ.

Esse trabalho de descrição da nova espécie levou quase um ano e agora esse besouro se chama Passalus (Passalus) lockerum Mattos and Mermudes, 2018. Esse nome foi dado, segundo o artigo, como “uma homenagem à família Locke, especialmente aos conservacionistas Nicholas Locke e Raquel Locke, por seu entusiasmo memorável e contribuições para a conservação da Mata Atlântica”.


Figuras 6 – 7: À esquerda temos os dois pesquisadores, Ingrid Mattos e José Mermudes, procurando os besouros em seu habitat. À direta temos a foto da nova espécie (retirada do artigo científico).

e) Para os “naturalistas-em-formação” que se interessarem em conhecer mais sobre os besouros, quais leituras você indicaria?

Eu comecei com os livros do Eurico-Santos, chamado “Os Insetos” e do Ângelo da Costa Lima, chamado “Insetos do Brasil”. São considerados livros clássicos da área. Neste link, por exemplo, é possível conseguir um dos 12 tomos da versão “antiga” do Insetos do Brasil, do Ângelo da Costa Lima. A UFRRJ não tem isto organizado, procurei e não achei. São muito antigos e acabamos meio que peneirando pelo Google.

Figura 8: Capa do livro “Os Insetos”,
de Eurico Santo.
Figura 9: Capa do novo livro
“Insetos do Brasil”, organizado por diversos pesquisadores.

Com minha equipe, desenvolvemos um site (que ainda precisa de atualizações) chamado Coleoptera terrestria. Lá vocês podem encontrar o registro de vários trabalhos e textos, assim como a indicação de  alguns recursos, por exemplo o “Biodiversity Heritage Library (BHL)” que permite acesso a obras raras com descrições originais. 
É incrível a viagem que podemos fazer para conhecer mais e mais este grupo de insetos!

 

José Ricardo M. Mermudes é Professor Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Desenvolve projetos de pesquisa sobre Sistemática, Evolução, Filogenia, Biogeografia e Faunística de Coleoptera, orientando projetos de alunos na graduação e pós-graduação com várias famílias de Coleoptera. Professor Credenciado nos Programas de Pós-Graduação em Zoologia do Museu Nacional e Biodiversidade e Biologia Evolutiva, ambos da UFRJ.
Atuamente já publicou 84 artigos de Coleoptera e orientou 12 mestrados e 7 doutorados dentro da linhra de pesquisa que envolve a Sistemática e Evolução de Grupos Megadiversos de Coleoptera. Coordena o projeto de extensão Guias da Conservaçao voltado para a estudo de grupos pouco carismáticos e a conservação de áreas protegidas.

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