Uma r(EVOLUÇÃO) em Química

Fonte: Fundação Prêmio Nobel. Academia Real das Ciências da Suécia. The Nobel Prize in CHEMISTRY, 2018. Original em Popular Science Background.

Vivemos em um planeta onde uma poderosa força se estabeleceu: a Evolução. Desde as primeiras sementes de vida, surgidas há cerca de 3,7 bilhões de anos atrás, quase toda fenda sobre a Terra tem sido preenchida por organismos adaptados ao seu ambiente:

  • líquens que podem viver em encostas nuas,
  • arqueas que prosperam em primaveras quentes,
  • répteis escamosos equipados para desertos secos,
  • e águas vivas que brilham na escuridão dos oceanos profundos.

Na escola, aprendemos sobre estes organismos em Biologia, mas vamos mudar de perspectiva e colocá-los sob a óptica do Químico. A Vida sobre a Terra existe porque a evolução resolveu numerosos problemas químicos complexos. Todos os organismos são capazes de extrair materiais e energia de seu próprio nicho ambiental e usá-los para construir a criação química única em que consistem.

  • Peixes conseguem nadas nos oceanos polares graças a proteínas anticongelantes em seu sangue,
  • Mexilhões podem se fixar em rochas porque eles desenvolveram uma cola molecular subaquática,

para dar apenas alguns dos inumeráveis exemplos.

O fulgor da Química da Vida é que ela está programada em nossos genes, permitindo que ela seja herdada e também desenvolvida. Pequenas mudanças randômicas nos genes mudam esta química. Algumas vezes isto torna o organismo mais fraco, algumas vezes isto produz um organismo mais robusto. Novas moléculas químicas gradualmente foram desenvolvidas e a Vida na Terra se tornou incrivelmente complexa. Este processo foi tão longe que deu origem a três pessoas tão complexas que conseguiram manipular e dominar a própria evolução. O Prêmio Nobel em Química de 2018 foi oferecido a Frances H. Arnold, George P. Smith e Sir Gregory P. Winter, porque eles revolucionaram ambos a química e o desenvolvimento de novos fármacos por meio da Evolução Dirigida.

Vamos conhece-los, começando com a super-star da Engenharia de Enzimas: Frances H. Arnold.

Enzimas – os precisos instrumentos químicos da Vida

Ainda em 1979, como uma recente graduada em engenharia mecânica e aeroespacial, Frances Arnold tinha uma visão bem clara: queria beneficiar a humanidade por meio do desenvolvimento de uma nova tecnologia. Os Estados Unidos haviam decidido que 20% de sua energia deveria vir de fontes renováveis até 2000, e ela passou a trabalhar com Energia Solar. Entretanto, as perspectivas para o futuro desta industria mudaram radicalmente após a eleição presidencial de 1981, e ela acabou mudando seu olhar para novas tecnologias de DNA. Como ela expressou a si mesma: “Estava claro que todo um novo caminho para produzir materiais e químicos de que precisamos em nossa vida diária, estaria disponível com a habilidade de reescrever o código da vida.”

Em vez de produzir fármacos, plásticos e outras substâncias químicas usando a química tradicional, que normalmente exige solventes fortes, metais pesados e ácidos corrosivos, sua ideia era usar os instrumentos químicos da vida: as enzimas.

As enzimas catalizam as reações químicas que ocorrem nos organismos da Terra, e se ela aprendesse a projetar novas enzimas, ela poderia mudar fundamentalmente a Química. O pensamento humano tem limitações iniciais, e como muitos outros pesquisadores do final dos anos 1980s, Frances Arnold tentou usar uma abordagem racional para reconstruir enzimas para lhes dar novas propriedades, mas as enzimas são moléculas extremamente complexas. Elas são construídas a partir de 20 tipos diferentes de blocos construtores – os aminoácidos – que podem ser infinitamente combinados. Uma enzima simples pode consistir de vários milhares de aminoácidos. Eles são ligados juntos em longas cadeias, que se dobram formando estruturas tridimensionais especiais. O ambiente necessário para catalizar uma determinada reação química é criado dentro destas estruturas. Usar a lógica para tentar descobrir como esta elaborada arquitetura molecular poderia ser remodelada para dar novas propriedades a uma enzima é bem difícil, mesmo com o nosso conhecimento contemporâneo e o poder da informática. No início dos anos 1990s, humilde em face da superioridade e complexidade da natureza, Frances Arnold decidiu abandonar esta abordagem. Em suas próprias palavras, “uma abordagem um tanto arrogante” e encontrou inspiração no próprio método da natureza de otimizar a química: a Evolução.

Frances começa a investigar a Evolução Química das Enzimas

Durante vários anos, ela tentou mudar uma enzima chamada subtilisina – que realiza a digestão das proteínas obtidas inicialmente com a bactéria Bacillus subtilis.

para que em vez de catalizar reações químicas em soluções aquosas, ela pudesse funcionar em um solvente orgânico, o dimetilformamida (DMF). Assim, ela criou mudanças randômicas – mutações – no código genético da enzima e então introduziu estes genes mutantes em bactérias que produziram milhares de diferentes variantes da subtilisina. Depois disso, o desafio era encontrar qual destas variantes funcionaria melhor no solvente orgânico.

Na Evolução, nós falamos na sobrevivência do mais adaptado; na Evolução Dirigida, este estágio é chamado seleção. Frances Arnold se utilizou do fato de que a subtilisina quebra (decompõe) uma proteína do leite, a caseína. Ela, então, selecionou uma variante da subtilisina que foi mais eficiente em quebrar a caseína em uma solução com 35% de DMF.

Ela posteriorirmente introduziu uma nova rodada de mutações randômicas nesta subtilisina, o que levou a uma variante que funcionava ainda melhor em DMF. Na ” terceira geração” de subtilisina, ela descobriu uma variante que funcionava 256 vezes melhor em DMF do que a enzima original. Esta variante da enzima tinha uma combinação de 10 mutações diferentes, cujos benefícios ninguém tinha antecipado antes.

Com este processo, Frances Arnold demonstrou o potencial de promover mutações e dirigir a seleção, em vez de unicamente tentar resolver racionalmente toda a complexidade molecular da enzima, para gerenciar o desenvolvimento de novas enzimas.

Este foi o primeiro e mais decisivo passo no caminho da rEVOLUÇÃO que atualmente estamos assistindo. O próximo passo importante foi dado por Willem P. C. Stemmer, um pesquisador holandês e empreendedor que morreu em 2013. Ele introduziu mais uma dimensão para a Evolução Dirigida de Enzimas: realiza-la em tubos de teste.