100 anos da BCG: uma conquista contra a tuberculose!

Equipe: Anna Clara Ricardo dos Reis, Profª Drª Gabriela Dias Bevilacqua, Mariana Oliveira Barros,
Prof. Dr. Rodrigo da Cunha Bisaggio, Victoria Zerboni da Silva

A BCG é uma vacina indicada contra a tuberculose e geralmente é administrada logo após o nascimento do bebê. Mas antes de falarmos sobre sua importância, você sabe o que é tuberculose?

A tuberculose, também conhecida no passado como tísica e peste branca, é uma doença infecciosa e transmissível, causada por uma bactéria, o Mycobacterium tuberculosis, mais conhecido como bacilo de Koch (BK). A disseminação da doença se dá através do ar, pela liberação da bactéria pelas pessoas infectadas, à medida que elas tossem e espirram. Quando uma pessoa saudável inala o ar com o Mycobacterium tuberculosis em suspensão, ela pode se infectar, indo a bactéria normalmente se alojar nos pulmões, podendo chegar a outras partes do corpo. Os sintomas da tuberculose costumam estar associados ao local em que a bactéria se encontra, sendo mais comuns sintomas respiratórios como tosse seca (pode apresentar sangue), dor no peito ao tossir e dificuldade para respirar. No passado, essa doença era muito temida, tendo sido responsável pela morte de milhões de pessoas, contudo, nos dias de hoje aproximadamente 1,5 milhão de pessoas ainda morrem por ano por conta dessa infecção, quase todos residentes de países em desenvolvimento.

Um pouco de história

A tuberculose acompanha a humanidade desde longa data, sendo as evidências mais antigas e confiáveis da doença encontradas em múmias egípcias com mais de 5.500 anos. No final do século XVIII, a tuberculose foi qualificada como “doença romântica”, por ser idealizada e explorada em obras literárias e artísticas, ao estilo do romantismo.

Mulher doente na varanda. Aquarela de Richard Cooper. Fonte: Wellcome Library, London.
Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0)

Até o final do século XIX, acreditava-se que a tuberculose estava ligada à hereditariedade e às condições de vida. Hoje sabemos que a tuberculose está associada à pobreza e à má distribuição de renda, porque essas populações geralmente não têm acesso às condições de saúde básicas, como casas bem ventiladas e disponibilidade de água e sabão para correta higienização das mãos, além de não se alimentarem adequadamente. Além dessas medidas básicas, a tuberculose é prevenida com a aplicação em massa de uma dose única da vacina BCG em crianças de zero a cinco anos de idade.




Algumas formas de prevenção da tuberculose:

  • manter o ambiente ventilado;
  • lavar bem as mãos com sabão;
  • alimentar-se bem.

A criação da vacina

A vacina BCG possui esse nome em homenagem aos seus criadores franceses Léon Charles Albert Calmette e Jean-Marie Camille Guérin (BCG = Bacilo Calmette-Guérin), que a desenvolveram no início do século XX, a partir da atenuação (procedimento que torna microrganismos incapazes de causar doença) de uma linhagem de bactérias causadoras da tuberculose bovina (Mycobacterium bovis). Para atenuar a bactéria, Calmette e Guérin cresceram-na em laboratório, utilizando um meio de cultura produzido por eles, contendo bile bovina, glicerina e batata. Após mais de uma década de cultivo em laboratório, os pesquisadores obtiveram uma bactéria que era incapaz de causar tuberculose em diversos animais (bovinos, porcos, cavalos etc.), a qual eles batizaram como: Bacilo Bile Calmette-Guérin. Posteriormente a palavra Bile foi omitida e a bactéria passou a ser chamada pelo nome que utilizamos até hoje: BCG.

Jean-Marie Camille Guérin e Léon Charles Albert Calmette. Fonte: Wellcome Library, London.
Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0)

O início da aplicação em humanos

Porém, a primeira dose só foi ministrada a humanos em 1921, a um bebê recém-nascido, cuja mãe estava com tuberculose, sendo mais três bebês vacinados posteriormente, na mesma época. Em sua primeira versão, a vacina era aplicada pela via oral. Depois disso, a vacina foi sendo adotada amplamente na Europa, ainda assim, apenas em 1942 a Academia Nacional de Medicina de Paris reconheceu a BCG como um imunizante contra a tuberculose e, em 1948, organizações internacionais, como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) começaram a recomendar o uso da vacina. Já em 1974, a BCG foi incluída no Programa Ampliado de Imunizações (PAI) da OMS.

A chegada da vacina ao Brasil

Em 1925, Júlio Elvio Moreau, um médico uruguaio, transportou uma amostra da linhagem atenuada de Mycobacterium bovis, proveniente do Instituto Pasteur. Não se sabe ao certo a razão, mas Moreau veio para o Brasil. A amostra foi entregue para o médico e pesquisador brasileiro Arlindo Raymundo de Assis. Como essa cepa sofreu algumas mutações que a diferenciavam da linhagem “original” do Instituto Pasteur, ela ficou conhecida como BCG Moreau – Rio de Janeiro. Curiosamente, hoje a cepa brasileira, dentre as demais usadas em outros países, é considerada uma das linhagens que mais estimulam respostas imunes aos vacinados.

Arlindo dirigiu muitos testes em animais, como coelhos e bois, com a vacina desenvolvida a partir da BCG Moreau – RJ, até começar a sua aplicação definitiva em humanos em 1927, iniciando o serviço de prevenção da tuberculose na Liga Brasileira Contra a Tuberculose.

No Brasil, a BCG começou sendo ministrada de forma oral e permaneceu assim até 1968, quando foi iniciada a aplicação intradérmica, como conhecemos hoje, por ser mais eficiente em estimular a resposta imune do nosso corpo.

Aplicação atual da BCG

A BCG é aplicada em dose única e, após a administração do imunizante, é necessário não colocar sobre o local da aplicação nenhum produto, medicamento ou curativo, pois a lesão formada é uma resposta esperada e normal à vacina.  Ela é indicada de rotina a partir do nascimento, até antes da criança completar 5 anos de idade. A BCG é contraindicada em alguns casos como: pessoas imunodeprimidas e recém-nascidos de mães que usaram medicamentos que possam ter causado a imunodepressão do feto durante a gestação; e prematuros – até que atinjam o peso de 2kg.

A BCG quase sempre deixa uma cicatriz bem marcante no local em que foi aplicada, no braço direito, que começa com uma mancha vermelha elevada, evoluindo para uma pequena úlcera que produz secreção até sua cicatrização. Saiba que essa é uma reação esperada. Essa resposta à vacina pode demorar até três meses para acontecer, podendo se prolongar por mais três meses, mas isso não é comum.

O evento adverso mais comum é o aumento de linfonodo (gânglio) na axila, que chega a ser observado em 10% dos vacinados. Outros eventos adversos são pouco frequentes, fazendo com que a BCG seja considerada uma das vacinas mais seguras em uso.

Cartazes de vacinação da BCG, um do passado e um atual. Fonte: Acervo/Casa de Oswaldo Cruz e Blog da Saúde da SES-MG.

É importante lembrar, que apesar da BCG não impedir a infecção pelo Mycobacterium tuberculosis, a vacina pode oferecer até 80% de eficácia na prevenção de formas graves da doença, como a meningite tuberculosa e a tuberculose miliar, em crianças. Apesar dos casos de tuberculose pulmonar estarem elevados no Brasil, quase não se registram formas mais graves da doença. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em países onde a tuberculose é recorrente e a vacina faz parte do programa de vacinação infantil, previna-se mais de 40 mil casos anuais de meningite tuberculosa. Este impacto depende de uma alta cobertura vacinal, por isso é tão importante que toda criança receba a vacina BCG. Aqui no Brasil, a BCG faz parte do Calendário Básico de Vacinação e é obrigatória para menores de um ano, que devem ser vacinados de preferência antes de deixar a maternidade.

Outras funcionalidades da BCG: muito além da tuberculose

Com o passar do tempo, outras aplicações para a BCG foram sendo descobertas. Assim, a BCG é indicada para pessoas de qualquer idade que convivem com portadores de hanseníase (lepra), doença causada por uma bactéria (Mycobacterium leprae) parecida com aquela que é responsável pela tuberculose. Além disso, a BCG é utilizada como uma forma de imunoterapia nos casos de câncer superficial de bexiga, reduzindo a progressão do tumor. Por fim, diversos estudos mostram que a vacinação com BCG pode trazer outros benefícios, estimulando a imunidade a reagir de forma mais eficiente a diferentes microrganismos. Mais recentemente, diferentes estudos estão em andamento para avaliar se o uso da BCG pode ajudar a controlar a atual pandemia de COVID-19, mas com os estudos em andamento, ainda é cedo para saber se mais uma vez a BCG ajudará a humanidade.

Neste ano de 2021, comemoramos 100 anos da BCG, uma das vacinas mais amplamente utilizadas ao redor do mundo. O seu desenvolvimento e aplicação foram e são de extrema importância, prevenindo formas mais graves da tuberculose e preservando muitas vidas.

Não deixem de conferir nossas fontes de consulta:

Centro Cultural do Ministério da Saúde. Imagens da Peste Branca: Memória da Tuberculose.
Disponível em:  http://www.ccs.saude.gov.br/peste-branca/tb-historia.php.
Acesso em 10 jul 2021.

Fundação Ataulpho de Paiva.  A trajetória de sucesso da vacina BCG.
Disponível em:
http://www.fundacaoataulphodepaiva.com.br/blog/a-trajetoria-de-sucesso-da-vacina-bcg/.
Acesso em 22 jul 2021.

Fundação Oswaldo Cruz. Tuberculose.
Disponível em:  https://portal.fiocruz.br/taxonomia-geral-doencas-relacionadas/tubercuolse.
Acesso em 22 jul 2021.

Organização Mundial da Saúde. Tuberculosis, 2021.
Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/tuberculosis.
Acesso em 18 jul 2021.

Scielo Brasil. A tuberculose ao longo  dos tempos, 2000.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/SCkjg9j5vBY7WhnyXK7pjgB/?lang=pt.
Acesso em 10 jul 2021.

Scielo Brasil. Vacina BCG: eficácia e indicações da vacinação e da revacinação, 2006.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/jped/a/TCg8DMtnxLMtRfRvFb5QxZs/?lang=pt#.
Acesso em 10 jul 2021.

Sociedade Brasileira de Imunização. Vacina BCG, 2021.
Disponível em: https://familia.sbim.org.br/vacinas/vacinas-disponiveis/vacina-bcg.
Acesso em 5 jul 2021.

Tua Saúde. Tuberculose: o que é, tipos, principais sintomas e transmissão, 2021.
Disponível em: https://www.tuasaude.com/tuberculose/.
Acesso em 22 jul 2021.

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