Somsacional: Intervalos Musicais

Capa: Ilustração de intervalos musicais. Theorica_musicae e De Harmonia musicorum instrumentorum (1516), Franchini Gafuri. Biblioteca Nacional Francesa, Gallica.

  • Autor: Vitor Gamillscheg Felippe Barbosa (licenciando em Física, UERJ, bolsista Projeto Prodocência).
  • Orientação: Rosana Bulos Santiago (UERJ) e Paulo Henrique Colonese (Espaço Ciência Viva/Museu da Vida Fiocruz).
  • Projeto Prodocência: Inovando Metodologias de Ensino de Ciências a partir da colaboração com espaços de ensino formais e não-formais.

As Primeiras Flautas Musicais são pré-históricas?

Você já parou para pensar em quando surgiu a primeira música? E as primeiras notas musicais?

A criação musical é um elemento importante da cultura de uma sociedade e existem indícios de que os primeiros “sons musicais” possam ter surgido ainda na pré-história.

Como exemplo, diversos ossos ou objetos perfurados, são interpretados como flautas com furos,. A mais antiga é datada em até 60.000 anos, a flauta “Neandertal” e outras são mais recentes, datadas em cerca de 35 mil anos.

Apesar de controvérsias (pois alguns ossos perfurados também são interpretados como a perfuração de mordidas de hienas), a reconstrução da flauta a partir do osso fêmur de urso apresenta uma sonoridade incrível. Saiba mais sobre a flauta de Neandertal no site do museu Narodni Muzej Slovenije. Ou veja um vídeo legendado sobre a flauta do Museu Nacional da Eslovênia e tire suas próprias conclusões!

“Flauta de Neanderthal, Museu Nacional da Eslovênia.

“Uma possível outra flauta de osso de pássaro foi desenterrada em uma caverna alemã. Ela foi esculpida há cerca de 35.000 anos, oferecendo a mais recente evidência de que os primeiros humanos modernos na Europa estabeleceram uma cultura complexa e criativa. Uma equipe liderada pelo arqueólogo da Universidade de Tuebingen , Nicholas Conard, montou a flauta a partir de 12 pedaços de osso de grifo espalhados em um pequeno terreno da caverna de Hohle Fels, no sul da Alemanha. Juntas, as peças compõem um instrumento de 21,8 centímetros, com cinco furos e uma extremidade entalhada”. 

Postagem da CBS NEWS.

Isto chama a atenção para a importância da criação e da atividade musical desde a pré-história humana. E indica o conhecimento de que furos em diferentes posições de um tubo oco (ósseo ou vegetal), geram sons diferentes e talvez, agradáveis…

As Investigações Sonoras

Avançando um pouco mais historicamente, o famoso matemático grego Pitágoras de Samos (570 a.C. – 495 a.C.) investigou o som produzido por cordas e outros materiais (flautas, sinos, bigornas).

Pitágoras descobriu que duas cordas semelhantes sujeitas à mesma tensão (esticadas pelo mesmo peso) e diferindo apenas em comprimento, poderiam produzir sons diferentes agradáveis à orelha humana quando a razão (proporção) entre seus comprimentos seguisse um padrão matemático simples. A primeira tentativa de explicar matematicamente o conceito sensorial-estético de harmonia musical entre sons.

Ilustração representando Pitágoras realizando experimentos harmônicos variando o comprimento de cordas vibrantes esticadas por diferentes pesos (4, 6, 8, 9, 12, 16 unidades). 
De Franchino Gafori, Theorica Musice (Milão, 1492).

Esse é um conhecimento conhecido por todos os músicos que tocam e criam instrumentos de cordas. E, com esse experimentos, os pitagóricos começaram a investigar algumas propriedades do som em instrumentos musicais e a modelar matematicamente o conceito de sons harmoniosos.

Convidamos você, inicialmente a experienciar diferentes sons…

Desafios: Diferenças Sonoras

Como os pitagóricos na Grécia antiga, agora você vai investigar e descobrir algumas propriedades auditivas do som com alguns desafios sonoros. A primeira delas é chamada de altura musical do som e indica, basicamente, se os sons são graves ou agudos.

Desafio Sonoro 1: Qual o som mais grave e qual o mais agudo dos 3 sons abaixo?

Som 1
Som 2
Som 3

Comentário 1: Popularmente, também chamamos os sons graves de “grossos” e os agudos de “finos”, com referência à voz humana. E o primeiro passo para compreender os sons é conseguir distinguir entre dois sons, qual o grave e qual o agudo – e isso permitiu aos músicos “ordenar” os sons dos mais graves aos mais agudos, com base na experiência sensorial sonora.

Os Pitagóricos começaram a pensar porque esses sons são diferentes? O que torna dois sons diferentes? graves ou agudos? Vamos aos próximos desafios sonoros!

Desafio Sonoro 2: Escute os áudios abaixo e tente identificar quais são o mesmo som.

Áudio 1
Áudio 2
Áudio 3
Áudio 4
Áudio 5
Áudio 6

Comentário 2: Aqueles que apresentam uma “boa orelha musical”, devem ter percebido que os sons reproduzidos nos áudios 1 e 5 representam exatamente o mesmo som. Para verificar isso, compare todos os Áudios com o Áudio 1. Deste modo você deve conseguir perceber com facilidade.

Esse som (1 e 5) foi escolhido e nomeado pelos músicos como uma famosa nota musical, a nota (ou A, dependendo da notação musical usada).

Os dois áudios (1 e 5) são dois sons idênticos em relação à altura musical ou, como os músicos chamam, são dois sons uníssonos.

Desafio 3: Para os mesmo áudios, você conseguiria dizer quais são os sons mais diferentes? Qual é o par com os sons mais agudo e mais grave?

Áudio 1
Áudio 2
Áudio 3
Áudio 4
Áudio 5
Áudio 6

Comentário 3: Os áudios 2 e 6 são os mais diferentes entre si, em termos de altura musical (um grave e um agudo). Você pode escolher um dos áudios e comparar com os demais, observando se são graves, agudos ou muito graves e muito agudos.

  • Desafio 4: Um grande desafio! Quais os dois sons diferentes, que em termos de som grave ou agudo, são os mais parecidos ?

Perceber diferenças sonoras é um desafio interessante, mas identificar as semelhanças de sons é um desafio maior ainda. E os músicos precisam ouvir e criar memórias auditivas para poderem tocar, cantar e criar músicas.

Áudio 1
Áudio 2
Áudio 3
Áudio 4
Áudio 5
Áudio 6

Comentário 4: Os áudios 2 e 3 são os mais parecidos entre si, musicalmente falando, em termos de altura. Os áudios 5 e 6 também são parecidos.

Desafio 5: Você consegue, ouvindo cada áudio, colocar os 6 áudios em ordem do mais grave ao mais agudo?

Um grande desafio da construção de instrumentos musicais é conseguir ordenar as notas, criando um padrão ordenados de notas que facilite tocar as notas desejadas.

Vamos experimentar, treinar sua orelha e criar memórias sonoras em seu sistema auditivo.

Áudio 1
Áudio 2
Áudio 3
Áudio 4
Áudio 5
Áudio 6

Comentário 5: A ordem do mais grave ao mais agudo é: xxxxxxxx

Esses são e foram grandes desafios na história da Ciência e Música do Som: diferenciar, comparar e ordenar os sons em uma ordem de altura musical (do grave ao agudo, ou vice-versa). E abriu as mentes para tentar compreender a causa dessas diferenças e a natureza dos sons musicais.

Esses desafios sonoros de comparação e ordenação permitiram construir instrumentos musicais com as notas sequenciadas e ordenadas.

Esse processo, desde as experiências com o monocórdio (uma corda) de Pitágoras, levou à criação de obras primas instrumentais, tais como o piano moderno, criado por Bartolomeo Cristofori na Itália – com todos os seus sons musicais (notas) ordenados do mais grave ao mais agudo em uma sequência de teclas.

Observe a sequência das notas musicais das teclas de um piano moderno.

Ordenas as notas musicais em instrumentos musicais é o grande desafio da criação de instrumentos.

Os Intervalos Musicais

Uma ideia importante criada pelos músicos foi a ideia de intervalo musical entre dois sons.

Os dois sons escolhidos determinam uma faixa ou região sonora em que um instrumento vai tocar.

E o desafio passa a ser determinar que sons (ou notas) neste intervalo vamos usar para criar música. Se você escolher dois sons quaisquer, poderemos descobrir e criar uma série de sons que estão entre os dois sons escolhidos, criando uma sequência sonora com todos as notas musicais entre o mais grave e o mais agudo escolhidos inicialmente.

E o desafio seguinte seria: que sons dentro do intervalo escolhido poderíamos selecionar como notas musicais para criar e compor música – mais um grande desafio para a Música e para a Ciência do Som.

Compreendendo as diferenças sonoras

Primeiro, precisamos entender como ocorrem essas diferenças sonoras em relação ao modo como um instrumento produz sons.

A origem do som é uma vibração de algum material como a barra vermelha na imagem abaixo.

A barra vibrante faz as moléculas do ar ao seu redor vibrarem no mesmo “ritmo”. Observe que cada molécula vibra, mas oscila em torno de sua posição, indicado pelo ponto vermelho. A vibração como um todo se propaga, mas cada molécula permanece oscilando na mesma posição:

Representação da vibração de uma onda sonora pelo ar. Fonte: Lalith Pereira.

Deste modo, a vibração viaja pelo ar até atingir algum sensor de vibrações acoplado a algum cérebro… a sua orelha! A orelha capta uma determinada faixa de diferentes vibrações, envia a informação ao cérebro, onde, finalmente, a vibração é interpretada como um som.

Som, me diga quanto vibras…

O mesmo ocorre nos instrumentos musicais quando alguma de suas partes (chamada de fonte sonora) vibra e faz vibrar também o ar ao seu redor, no mesmo “ritmo”.

Observe o vídeo abaixo onde é mostrado a vibração das cordas de um violão na produção de algumas músicas famosas.

Vibração das cordas de um violão para diferentes músicas

Como o som em um determinado meio (como o ar ou as cordas de um instrumento musical) se dá por meio da vibração de uma fonte sonora, podemos pensar em qual a “rapidez” dessa vibração.

Assim, foi criado um importante conceito musical e físico: a quantidade de vibrações gerada em um segundo pela fonte sonora. As medidas e observações permitiram chegar ao seguinte resultados:

AgudezaVibraçãoAltura MusicalFrequência
(Vibração por segundo)
Sons ou notas
agudas
Som produzido por
vibrações rápidas da fonte.
Moléculas de ar vibram rápido.
Altura (ordem) musical:
alta.
Frequência sonora:
alta
Sons ou notas
graves
Som produzido por
vibrações lentas da fonte.
Moléculas de ar vibram lentamente.
Altura (ordem) musical:
baixa.
Frequência sonora:
baixa

Os músicos observam essa grandeza sonora (rapidez da vibração) por meio do conceito de altura sonora, os físicos conseguiram medir e a denominam de frequência sonora. Deste modo, físicos e músicos conseguem classificar e ordenar as notas musicais agudas ou graves. Apesar de nomenclaturas diferentes, ambos os termos se referem à quantidade de vibrações por segundo.

O Intervalo das frequências duplicadas

Utilizando um princípio de simplicidade matemática – o dobro – , os pitagóricos estabeleceram um importante intervalo musical, determinado por dois sons com frequências (alturas musicais) na proporção 2:1, ou seja, com a nota mais aguda tendo o dobro da frequência da nota mais grave.

Estes dois sons foram considerados tão harmoniosos entre si, que receberam o mesmo nome, indicando o início e o fim de um intervalo musical.

Desafio: Verifique o que você acha dessa ideia pitagórica, comparando sons com frequências “dobradas”.

Frequência 1
Frequência 2
(dobro da Frequência 1)
Frequência 3
(dobro da Frequência 2)

O teclado de piano eletrônico possui 4 ou 5 intervalos “dobrados”, enquanto o piano acústico possui 7 intervalos “dobrados” relacionados à faixa de frequências mais perceptível pela a orelha humana. O piano acústico é um dos instrumentos que produz uma variedade de sons (frequências) mais ampla. A maioria dos instrumentos, entretanto, produz menos intervalos numa faixa mais grave ou mais aguda de sons.

Cada intervalo entre frequências dobradas foi organizado em 7 notas musicais, também escolhidas de modo matematicamente simples pelos gregos pitagóricos. Elas foram nomeadas inicialmente com letras e posteriormente com sílabas.

C1DEFGABC2
Dó 1 (f)MiSolSiDó 2 (2f)
Frequência
mais baixa
Frequência
mais alta (dobro)
Os dois extremos sonoros do intervalo “dobrado” e as notas selecionadas, criadas dentro do intervalo.

Cada uma das notas musicais apresentam diferentes valores de frequências (ou alturas musicais). Observe na tabela abaixo os valores das frequências das 7 notas centrais em um piano de 88 ou 108 teclas:

Nota musical, LetrasNota musical, Sílabas
(Guido D’Arezzo, 992-1050)
Vibrações por segundo
(Frequência)
C4Dó 4f = 261,63
D293,66
EMi329,63
F349,23
GSol391,99
A440,00
BSi493,88
C5Dó 52f = 523,25
Referencia: Lista de frequências de um intervalo atual das teclas centrais de um piano de 88 ou 108 teclas. Os Fonte Wikipedia.

Os valores de frequência podem crescer e decrescer indefinidamente, mas depois da nota Si, teremos um novo intervalo, usando a mesma nomenclatura, iniciando em Dó, porém com altura musical (frequência) dobrada, maior que o Dó anterior. Observe a tabela abaixo em que são apresentadas as medidas de algumas frequências associadas a diferentes notas musicais:

Nome da notaVibrações por segundo (Frequência/Altura musical)Nome da notaVibrações por segundo, (Frequência/Altura musical)
Dó 3130,81Dó 4261,63
Ré 3146,83Ré 4293,66
Mi 3164,81Mi 4329,63
Fá 3174,61Fá 4349,23
Sol 3195,99Sol 4391,99
Lá 3220,00Lá 4440,00
Si 3246,94Si 4493,88
Obs: a frequência é medida pelo número de vibrações que a fonte sonora produz em 1 segundo. A unidade internacional da frequência ( 1 vibração por segundo) foi nomeada como Hertz (Hz), em homenagem ao físico Heinrich Rudolph Hertz.

Dó3 (C3)

Escute as notas Dó3 e Dó4.

Observe como a Dó 4 é mais aguda que a Dó 3:

Dó4 (C4)

Retomando o contexto histórico, essa foi a relação descoberta e escolhida por Pitágoras na Grécia Antiga, entendida como agradável a nossas orelhas. Assim, na música dizemos que essas duas notas estão separadas por um intervalo chamado de oitava musical – pois considerando as 2 notas dos extremos do intervalo, temos um conjunto de 8 notas musicais. Ou seja, como determinado pelos pitagóricos, o Dó4 seria a oitava nota ordenada a partir do Dó3.

Podemos observar esse intervalo de 7 notas musicais nas teclas brancas do piano. A cada oito teclas brancas em sequência, a frequência dobra. Entretanto, o piano possui mais algumas notas – as teclas pretas – que representam frequências entre duas teclas brancas pitagóricas. E juntas, teclas pretas e brancas formam um conjunto de 12 notas dentro do intervalo da oitava que caracterizam as “oitavas” modernas. Por tradição, a nomenclatura permaneceu como oitavas.

MiSolSi
fDó#
Réb
Ré#
Mib
Fá#
Solb
Sol#
Láb
Lá#
Sib
2f
Intervalo de Dó com as notas pitagóricas e as 5 notas acrescidas à escala.

A escala pitagórica das 7 notas foi criada com o princípio de simplicidade matemática, usando dobros e frações simples entre os valores das frequências do intervalo.

A escala de 12 notas, chamada de escala cromática ou temperada, foi criada pelo músico Johann Sebastian Bach com outras ferramentas matemáticas mais sofisticadas, usando funções matemáticas mais modernas (logaritmos, potências e raízes) para determinar os valores das notas dentro do intervalo de frequências dobradas.

Descubra Mais
  • Descubra como as frequências foram selecionadas pelos Pitagóricos e por Bach, nas matérias: Escalas Musicais (Pitágorica) e Escalas Musicais: Bach (Cromática).
  • E construa um Intervalo Musical de 12 notas com tubos de PVC, em Investigando Tubos Musicais.
  • Explore os sons produzidos por diferentes instrumentos musicais em https://www.musicca.com/pt/piano.

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