Ciência em Poesia: Fernão de Magalhães

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Fernando Pessoa

VIII.  FERNÃO DE MAGALHÃES

Fernando de Magalhães / C Legrand. – [S.l. : s.n., 1841] ([Lisboa] : Lith. de M.el Luiz). – 1 gravura : litografia, p&b.
Biblioteca Nacional Digital, Portugal. Licença Domínio Público.

No vale clareia uma fogueira.

Uma dança sacode a terra inteira.

E sombras disformes e descompostas

Em clarões negros do vale vão

Subitamente pelas encostas,

Indo perder-se na escuridão.

De quem é a dança que a noite aterra?

São os Titãs, os filhos da Terra,

Que dançam da morte do marinheiro

Que quis cingir o materno vulto —

Cingi-lo, dos homens, o primeiro —,

Na praia ao longe por fim sepulto.

Dançam, nem sabem que a alma ousada

Do morto ainda comanda a armada,

Pulso sem corpo ao leme a guiar

As naus no resto do fim do espaço:

Que até ausente soube cercar

A terra inteira com seu abraço.

Violou a Terra. Mas eles não

O sabem, e dançam na solidão;

E sombras disformes e descompostas,

Indo perder-se nos horizontes,

Galgam do vale pelas encostas

Dos mudos montes.

s.d.

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).  – 67.

II. HORIZONTE

Ó mar anterior a nós, teus medos

Tinham coral e praias e arvoredos.

Desvendadas a noite e a cerração,

As tormentas passadas e o mistério,

Abria em flor o Longe, e o Sul sidério

Esplendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa

Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em árvores onde o Longe nada tinha;

Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:

E, no desembarcar, há aves, flores,

Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis

Da distância imprecisa, e, com sensíveis

Movimentos da esperança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —

Os beijos merecidos da Verdade.

s.d.Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).  – 58.

X. MAR PORTUGUÊS

        MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

s.d.

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).  – 70.

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