Universo em Cordel: Cometa Halley

Raimundo Santa Helena.

COMETA HALLEY- 1985-86

Há setenta e seis anos atrás,
Um cometa (o Halley) foi visível
Pra revê-lo no Rio é possível
Com conforto e lindos visuais
Em novembro, dezembro muito mais
RIOTUR vira festa bem gostosa
Na cidade Que é Maravilhosa
E no Pão de Açucar Corcovado
Tudo vai pelo Halley ser banhado
Lá do céu pela cauda luminosa…

Muito antes da vinda de Jesus

Alguém viu o cometa e falou

Dois mil anos depois se confirmou

O fenômeno cíclico da luz

Doutor Halley um nome que faz jus

Pois previu intervalo acertado

E o povo de cima do telhado

Tinha medo de “gases venenosos”

Confundindo os pontos luminosos

Das estrelas no céu por todo lado…

Pois da última vez nossos avós

Tinham pouca visão do infinito

Para eles até meteorito Cairia durante ou após

Universo agora entre nós

Não acaba nem mesmo pra quem morre

E nos bares talvez alguém de porre

Nos aponte no céu línguas de fogo

E Yara Maltez disse: “No jogo

Da conquista só perde quem não corre!”

No passado voavam nos balões

Para ver o cometa mais de perto

Cada olho buscando bem aberto

Algo mais sensual que os trovões

Hoje temos foguetes aviões

No passado convento e cenáculo

Na ciência viam obstáculo

E os raios do Halley quilométricos

Pros avós pareciam ser elétricos

Hoje vemos no céu um espetáculo…

Dia 11 de setembro deste ano

RIOTUR festejou com o turista

Carioca repente cordelista

13 anos de vida me ufano

De juntar-me à turma do Trajano

Preparando a vinda do cometa

E veremos até sem a luneta

O foguete de Deus comemorando

Liberdades que vamos conquistando

Sem espada canhão nem baioneta…

E o Halley se vê até abril

Numa lenta crescente nitidez

Todo mundo até o japonês

Vê melhor o cometa no Brasil

Neste céu mais azul do que anil

Nesta terra do Rio de Janeiro

O nativo bem como estrangeiro

Isolado ou numa caravana

Nas montanhas também Copacabana

Até samba faremos pro halleyro…

RIOTUR vem fazendo propaganda

No seu guia falando Português

É escrito também num bom Inglês

Município do Rio é varanda

E aqui o turista é quem manda

Na escolha dos seus divertimentos

E os dados vai ter nos pensamentos

Pra gozar o melhor de sua vida

Neste Rio Cidade tão querida

Tendo Halley na crista dos eventos…

Quem tem sorte dinheiro e não goza

É melhor pôr a roupa de palhaço

É preciso viver cada pedaço

Eu falei pra Lindita… Alda Rosa

Pra Alzira … ASTUR na minha prosa

Com Bezerra e Paulo repentistas

Salve, salve a vinda dos turistas

Pois aqui tem belezas Carnaval

Tem forró, boas praias, festival

Tem o Halley floresta e sambistas…

Geração do passado só temia

Que o Halley trouxesse a desgraça

Porém hoje brindamos com cachaça

O fenômeno da Astronomia

Na esteira de minha rebeldia

Vou jogar com as cartas de profeta

Do curinga eu faço minha seta

E num longo impulso do meu braço

Vou lançá-la no corpo do espaço

Numa órbita livre mas direta…

Se o Halley “Estrela de Natal”

Repetir a legenda conhecida

Quero ver os Reis Magos com comida

Saciando a fome da geral

E o texto da Bíblia Marginal

A dizer: “Das entranhas de um ovo

Pipocou um Menino Jesus Novo

Lá no chão sem capim do velho Mangue

Sem ter AIDS nos glóbulos do sangue”

Retocando as crenças do meu povo…

Quero ver o cometa vomitando

Um antídoto contra ditaduras

Desemprego miséria torturas

Quero vê-lo no céu sempre brilhando

A coragem do povo redobrando

Pra lutar pela paz e a justiça

Soerguendo no topo da adriça

A bandeira da honra da vergonha

Sua base concreta que se ponha

Bem distante da lama movediça…

Quero ver o cometa na viagem

Penetrar no miolo das cabeças

Das rainhas dos reis condes condessas

E dos fortes governos de passagem

E lá dentro fazer uma lavagem

Reagan-Thatcher-Botha-Pinochet

(Circunflexo no “e” rima sem “t”)

Todos eles e outros sem respeito

Às conquistas da força do direito

E a ONU fingindo que não vê…

Quero ver o calor desse cometa

Derretendo a fúria do Poder

Que procura nas armas se manter

Colocando a sorte do Planeta

No gatilho botão ou espoleta

Quero ver o calor num só segundo

Tendo Deus nas alturas como fundo

Do clarão na abóbada azul

Nos States e África do Sul

Transformando em negros todo mundo…

Sua cauda pretendo amarrar

Com os laços de minha ficção

Pra puxar o “Titânico” senão

Vai haver muito lixo lá no mar

Porque só artefato nuclear

Talvez possa no fundo ter acesso

Porque são quatro mil metros eu peço

Que os ossos ou corpos vão direto

Lá pro Céu povoar aquele Teto

Teologicamente sem progresso…

Quero ver sua longa cabeleira

Derramar uma chuva de amor

Transportando pra nós o seu calor

Com o peso brutal da cachoeira

Inundando a vida passageira

Com espuma de gotas coloridas

Nivelando as almas consumidas

E as fontes perenes de riqueza

Eis aí um perfil da Natureza

Liberando as forças conhecidas…

Em oitenta e seis em fevereiro

Dia 9 o Halley chegará

Lá mais perto do Sol onde terá

O calor culminante verdadeiro

Extensão e mais brilho bem ligeiro

Fumegante procura retornar

Ao sistema chamado de solar

Cinco sondas então que vão caçá-lo

Na poeira veloz vão pesquisá-lo

E na crosta do gelo penetrar…

Em meados de março previsões

Do encontro das sondas com partículas

(As ideias contrárias são ridículas)

Porque tem que haver as colisões

Com os gases brilhantes (turbilhões)

Se as ondas lá forem destruídas

Novas sondas serão reconstruídas

Pelos jovens benditos descendentes

Mas adultos esperam conscientes

Que em março dirão: Missões cumpridas!

Cientistas pesquisam pra saber

A origem de múltiplos critérios

E no Halley (no núcleo) há mistérios

Que até o astrólogo quer ver

Pois a Lua não pôde responder

Pelas pedras que já tiraram dela

À pergunta do velho à janela

Repensada nas nuvens do cigarro:

Por que foi que Deus fez Adão de barro

E por que fez a Eva da costela…

Novidade não dura qual o monte

Tem no tempo a sua bactéria

Que destrói cromossomos da matéria

Mas o Sol de manhã no horizonte

Reaquece os trilhos e a ponte

Sou poeta do cosmo das nações

Meus folhetos (já quase dois milhões)

São raízes congênitas das terras

Tudo fiz pra não ver malditas guerras

Mergulhando nas novas gerações…

E do Halley nos deram posição

Os astrônomos Costa e Morize

E agora rimando que se frise

O trabalho que faz doutor Mourão

E depois do cometa ninguém não

Vai perder uma só fotografia

Eu bebi no Museu Astronomia

Telescópio dali jamais entorta

RIOTUR tem Machado que não corta

E calor natural que não esfria…

Sem dinheiro meu bem não há problema

Para quem aprendeu a confiar

Mas naquele que pode creditar

Aos clientes que entram no esquema

Pra ser forte do ovo como gema

Financeira é boa quando cresce

E vantagens seguras oferece

Se a grana faltar chorar por quê?

CREDICARD financia pra você

É o HALLEY no céu que resplandece…

Literatura de Cordel. RAIMUNDO SANTA HELENA (1926-2018)

Cometa Halley. Folheto 108-293-1300, Rio, Brasil, 09-09-1985. 20 mil exemplares. 1ª edição.

Produção artesanal de Raimundo Santa Helena, poeta do Sertão de Cajazeiras, Paraíba, de onde fugiu com 11 anos de idade pra vingar a morte de seu pai assassinado por Lampião em 9-6-1927.

Mas chegou à Fortaleza com o pau-de-arara, dormiu na sarjeta, comeu restos de comida, porém se reabilitou trabalhando 13 horas por dia e estudando à noite num galinheiro, à luz de lamparina.

Ingressou na Marinha, foi ex-combatente remunerado. Com este folheto completou 293 títulos de cordel publicados, com um milhão e 300 mil exemplares divulgados no Brasil e no estrangeiro.

Santa Helena em seis anos foi citado mais de 1.600 vezes nos jornais, revistas, rádios e TV de maneira positiva, pelo seu trabalho em defesa da Literatura de Cordel, com 300 palestras, etc., nas escolas, exposições e imprensa.

Foi Sócio Benemérito da Ordem Brasileira dos Poetas Cordelistas, fundada pelo notável Rodolfo Coelho Cavalcante. RSH foi agraciado pela Ordem com os títulos de “Cidadão da Cultura Popular” e “Cavalheiro da Ordem dos Cantadores”. Fundou a Cordelbrás.

No pleito de 25.8.83 da Academia Brasileira de Letras, teve quatro votos. Foi eleito Acadêmico Efetivo da Academia de Letras e Artes do Rio de Janeiro. Conquistou a Praça 15 para os repentistas, cordelistas e xilogravadores, na Feira de Artesanato. Conseguiu carteirinhas funcionais para eles junto à Divisão de Folclore do ERJ (Cáscia Frade). Liderou a campanha contra o dicionário escolar do MEC que não reconhecia o Cordel como Literatura. Idealizou e redigiu a “Carta de Princípios”, aprovada por unanimidade da classe; e o “Manifesto da Cordelbrás”, aprovada pelos membros do Conselho de Honra. Criou os Mutirões de Cordel e a “Operação Irmãozinho”. Fundou a CORDELNEVES. (Yara Lêdo Maltez)

Toda sua produção literária pode ser reproduzida com citação da autoria. Raimundo Santa Helena.