Vacinas: a importância que a picadinha tem.

  • Autora: Gabriella Lobo Vieira da Silva, bolsista no Espaço Ciência Viva e colaboradora voluntária no Laboratório de Comunicação Celular do Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz.
  • Orientador: Rodrigo da Cunha Bisaggio, professor do Instituto Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do Laboratório de Comunicação Celular do Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz.
  • Projeto: Desenvolvimento de estratégias para conscientizar a população acerca dos temas vacinas e vacinação (Parceria ECV/IFRJ).

No passado, por muitos anos uma doença bem conhecida assombrou a população mundial, e causou grande impacto, tanto social quanto em relação à saúde. Essa doença era a varíola (smallpox, no inglês), caracterizada pelo surgimento de pequenas bolhas (vesículas), que evoluíam para bolhas repletas de pus (pústulas) nos indivíduos que se infectavam.

A varíola é considerada uma das doenças mais devastadoras de toda a humanidade, acarretando na morte de cerca de 300 milhões de pessoas apenas no século XX. 

Naquela mesma época, havia uma doença semelhante à varíola, mas que acometia o gado bovino e que podia afetar as pessoas que ordenhavam esses animais, dando origem a sintomas semelhantes, porém bem mais leves do que aqueles causados na infecção pela varíola humana. Essa doença ficou conhecida como varíola bovina (cowpox, no inglês) e, com o passar do tempo, as pessoas começaram a perceber que aqueles que a contraíam ficavam protegidos contra a varíola humana. 

A Origem da Vacina. Ordenhadora mostra sua mão com varíola bovina a um médico, enquanto um cirurgião oferece uma inoculação com varíola bovina retirada de uma vaca. Gravura colorida, cerca de 1800. Wellcome Collection . Licença CC BY 4.0.

Em 1796, a partir dessa informação, o médico inglês Edward Jenner desenvolveu uma técnica que daria origem à primeira vacina. A fim de testar o conhecimento popular, ele inoculou material proveniente de uma bolha causada pela varíola bovina na pele do braço de um menino saudável de 8 anos. A criança, por sua vez, desenvolveu alguns sintomas leves, semelhantes a um caso brando de varíola. 

E, mais ou menos 6 semanas depois, Jenner inoculou no mesmo menino material retirado de uma bolha da varíola humana e a criança não ficou doente. Dessa maneira, Jenner conseguiu comprovar que aqueles que contraíram a varíola bovina ficavam imunes (ou seja, protegidos) contra a varíola humana.

Imagem 2: Imagem de Edward Jenner, o criador da primeira vacina. Imagem criada no BioRender.com.

Conforme o procedimento desenvolvido por Jenner ia se popularizando, existiam pessoas a favor da incorporação dessa medida de saúde e pessoas contra (por diversas razões, como questões religiosas, a falta de informação e conhecimento sobre o assunto e até questões financeiras, como no caso dos médicos que lucravam com um outro procedimento, conhecido como variolização).

Contudo, ao  longo dos anos, a vacina contra a varíola ganhou fama pelo mundo inteiro, passando a ser adotada em diferentes lugares. Porém, nem tudo saiu como o esperado…

Aqui no Brasil, por exemplo, a vacinação teve início no século XIX, mas era realizada de maneira irregular, e foi bastante rejeitada pela população. Em 1904, Oswaldo Cruz realizou a primeira campanha de vacinação no Rio de Janeiro. Porém, somada a um complexo panorama social e político, a obrigatoriedade da vacinação foi o estopim de uma revolta da população frente às brigadas sanitárias que adentravam as casas das pessoas e as vacinavam, mesmo sem o seu consentimento, sendo elas a favor ou não.

Como resultado, teve início a Revolta da Vacina, movimento marcado pela resistência da população carioca frente à adoção da vacina da varíola, que deixou mortos e feridos. Em resposta a esse famoso movimento, a vacinação deixou de ser obrigatória e, como consequência, em 1908, milhares de pessoas contraíram a varíola.

Em 1966, a OMS decidiu criar um fundo especial que visava a criação de um programa de erradicação global da varíola para atuar, principalmente, nas regiões mais críticas, que incluíam o Brasil.

Graças a essa iniciativa, em 1971 foi registrado o último caso de infecção natural por varíola no Brasil e em 1977, no mundo inteiro. Finalmente, em 1980, graças ao uso da vacina, a humanidade conseguiu se livrar de uma doença terrível, declarando, a OMS, a erradicação da varíola no mundo. 

Imagem 2: Linha do tempo com os eventos que marcaram a criação da primeira vacina e a erradicação da varíola. Imagem criada no BioRender.com.

Diante do sucesso da vacinação contra a varíola, em 1973, dois anos depois do último caso da doença no Brasil, o Ministério da Saúde determinou a criação do Programa Nacional de Imunizações – ou PNI -, que oferece através do SUS, vacinas recomendadas pela OMS de maneira totalmente gratuita, beneficiando todas as faixas etárias de acordo com os calendários nacionais de vacinação.

A partir de sua implementação, foi possível a ampliação da cobertura vacinal aqui no Brasil, o que possibilitou a eliminação e controle de algumas outras doenças, tais como poliomielite, rubéola, sarampo e tétano neonatal, pelo menos por um tempo.

Imagem 4: Conceito e cálculo da cobertura vacinal. Imagem criada no BioRender.com e Canva.com. Fonte: DataSUS.

As vacinas protegem o indivíduo de muitas doenças, algumas mais graves que outras, pois estimulam o nosso sistema imune a produzir uma resposta contra um agente estranho que acabou de invadi-lo. Com isso, o organismo desenvolve uma memória imunológica específica e duradoura, e, caso haja o contato com o agente causador de doença para qual a vacina foi produzida, o indivíduo consegue combater esse invasor de forma rápida e eficiente, e não chega a ficar doente, já que adquire uma forma mais branda da doença.

As vacinas, como já contamos para você, não são eficientes apenas no caso da varíola, mas sim em muitos outros casos. Elas foram de suma importância, por exemplo, na redução de casos mundiais de caxumba, sarampo e rubéola.

Porém, não adianta apenas uma pequena quantidade de indivíduos se vacinarem, porque para que as vacinas possam servir como uma medida de saúde pública e não apenas como medida de saúde individual, grande parte da população deve se vacinar. Desta forma é possível alcançar a imunidade de grupo (também chamada de efeito rebanho), o que garante proteção até para aquelas pessoas que por algum motivo (por exemplo, alguma outra doença) não podem ser vacinadas.

Imagem 5: Efeito rebanho ou imunidade coletiva. Imagem criada no Canva.com e BioRender.com.

Além de serem eficientes, as vacinas também são muito seguras. Isso porque elas devem ser rigorosamente testadas e monitoradas não só por seus fabricantes, mas também pelos sistemas de saúde dos países onde são aplicadas.

A comercialização de uma vacina só ocorre caso ela seja aprovada em estudos clínicos cuidadosos e demorados – ensaios de fase I, II e III – com voluntários credenciados e, mesmo aprovadas, continuam sendo monitoradas na fase IV, o que permite maior segurança para as pessoas nas quais elas são aplicadas.

É importante destacar que as vacinas não são isentas de efeitos adversos, assim como qualquer medicamento. Mas vale lembrar que, quando presentes, esses efeitos colaterais, como também são chamados, tendem a ser bem menos expressivos do que as consequências causadas pelas doenças que elas previnem. 

Imagem 6: Dados sobre a vacina contra a febre amarela e sobre a doença em si. Imagem criada no BioRender.com.

Agora eu que te pergunto: as vacinas são maravilhosas ou não?

Bom, você acabou de descobrir que as vacinas, além de muito eficientes, também são seguras e deve estar pensando que a cobertura vacinal está muito alta, não é mesmo? Mas não é bem assim… 

Uma vez que o índice de vacinação ideal é, no geral, acima de 90% da população alvo vacinada, os últimos dez anos nos mostram estatísticas não muito legais aqui no Brasil, mesmo com todos os benefícios que essa medida de saúde nos oferece. E isso se dá por inúmeros motivos.

Um deles é que o grande sucesso das vacinas como medida de saúde pública acaba se tornando um fator contribuinte para o seu declínio, justamente porque devido à baixa incidência ou até eliminação de algumas doenças imunopreveníveis em certas regiões, a população em geral deixa de considerar essas doenças como um risco a sua saúde. Assim, é gerada a ideia enganosa de que não é preciso vacinar contra uma doença já eliminada, o que favorece o seu reaparecimento.

Imagem 7: Dados sobre o sarampo no Brasil. Imagem criada no BioRender.com; Gráfico criado no Excel.

Um outro fator muito importante para essa queda de cobertura vacinal é o crescimento dos movimentos antivacina, que, por mais que não sejam tão expressivos no Brasil, encontraram na internet um território adequado para a disseminação de suas ideias e teorias sem fundamento científico e repletas de inverdades.

Esses grupos apontam diferentes motivos para a não adesão às vacinas, incluindo a sobrecarga do organismo, principalmente das crianças, diante da grande quantidade de vacinas propostas de acordo com o calendário de vacinação (o que não é um perigo, já que as crianças são expostas a centenas de substâncias estranhas capazes de desencadear uma resposta imune todos os dias, como, por exemplo, através do simples ato de comer), a existência de eventos adversos (que já falamos anteriormente) ou a indignação devido à obrigatoriedade, por exemplo.

Além disso, fatores como a falta de informação sobre o assunto, a falta de conhecimento acerca dos calendários oficiais de vacinação ou o aconselhamento por pessoas que são contra a vacinação – incluindo profissionais da saúde – também contribuem para a diminuição da cobertura vacinal, o que aumenta a incidência de doenças que podem ser impedidas com a incorporação das vacinas. 

Acabamos de explorar apenas uma pequena parte desse assunto tão importante para a nossa saúde, mas que ainda tem muito mais para se conhecer, até porque além do que já se sabe, estudos são feitos constantemente para que as informações sejam aprimoradas.

Agora que você já sabe o quanto as vacinas são importantes, eficientes e seguras, não esqueça de mandar o link dessa matéria para todo mundo. Quanto mais gente souber, melhor, não é?

Ahhh, e me conta aqui nos comentários se você gostou de saber um pouco sobre esse assunto e se tiver alguma curiosidade, compartilha com a gente!

Imagem 8: Vacinem-se!!! Imagem criada no BioRender.com.
  • HOCHMAN, G., Vacinação, varíola e uma cultura da imunização no Brasil. Ciênc. saúde coletiva vol.16 no.2 Rio de Janeiro, Feb. 2011.
  • APS, L. R. DE M. M. et al. Eventos adversos de vacinas e as consequências da não vacinação: uma análise crítica. Revista de Saúde Pública, v. 52, p. 40, 5 abr. 2018.
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