ÁRVORES DO BRASIL, o olhar do povo Ticuna sobre a natureza que os cerca

Imagem: Desenho do livro das árvores -Ticuna, da Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngues, Jussara Gomes Grube (org.), 1997.

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Ilustração: O livro das árvores / Jussara Gomes Gruber (organizadora). Benjamim Constant : Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngües, 1997.

Convidamos vocês a fazerem download do LIVRO DAS ÁRVORES, publicação preciosa de 1987, concebida a partir do projeto “A natureza segundo os Ticuna”.

O livro nos encanta, ao revelar a intensidade do envolvimento e da reverência que os indígenas Ticuna possuem pela natureza.

Os lindos e coloridos desenhos apresentados no livro, foram criados pelas crianças e demais integrantes da sociedade Ticuna e apropriados no projeto que envolveu inúmeros professores e escolas dos municípios da Amazônia (Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá e Santo Antônio do Içá), em 1987.  As memórias narradas e escritas, são resultado de uma produção coletiva e foram construídos como uma forma de demonstrar as conquistas cotidianas de moldar o dia a dia, na árdua tarefa da sobrevivência da tribo.

P. 11. “Livro das Árvores”, trecho com desenho representando importância e valor de cada árvore. Desenhistas Geno Maximiano Bruno (mulateiro);Artaete Pereira Barbosa (coquita); Betovem Manoel Mário (matamata); Teles Pedrosa Mariano (castanha-de-macaco); João Otaviano A. Martins (seringueira); Aitino da Silva Albino (anauirá) Geno Maximiano Bruno (mulateiro) Artaete Pereira Barbosa (coquita) Betovem Manoel Mário (matamata) Teles Pedrosa Mariano (castanha-de-macaco) João Otaviano A. Martins (seringueira) Aitino da Silva Albino (anauirá)

P. 83.  “Livro das Árvores”, trecho com desenho representando importância e valor de cada árvore. Desenhistas Valdemir Herculano Jonas (cicantã) Anízio Guedes Pereira (chuchuacha) Anita Fermin Vasques (copaiba) Damião Carvalho Neto (acapurana)

p.19. “Livro das Árvores”, trecho com desenho representando, com pintura, a nação jenipapo
p. 27. “Livro das Árvores”, trecho com desenho representando, com pintura. o buritizal ou temanecü. Desenhista Valdemir Herculano.
p.89. “Livro das Árvores”, trecho com desenho representando, árvore de tento, muruweta, que fornece sementes pretas e vermelhas. Desenhista Eliano Guedes do Carmo.

O livro nos move a transcender de uma visão simplista e fragmentada da realidade vivida nas grandes cidades para o olhar que os Ticunas apresentam de sua cultura conectada com a natureza. Esta visão de mundo, deste povo originário, segue sendo construída e preservada duramente, ao longo de mais de quinhentos anos.  O projeto, que envolveu formação de professores, favoreceu e favorece a valorização do modo de vida e dos conhecimentos tradicionais.

Árvores, ‘pra que te quero? 

Ao conversar aqui e acolá, podemos encontrar diferentes concepções em relação as árvores. Alguns afirmam que as árvores são essenciais para o meio ambiente e para o equilíbrio do nosso planeta

Outros entendem que é indiscutível a grande quantidade de benefícios que as árvores proporcionam para a Terra. Cada dia mais devemos cuidar e proteger todas as árvores nativas e estimular o plantio de novas em todas as partes do mundo.

É comum escutar que as árvores são o maior patrimônio ambiental que existe nas cidades, pois elas dão sombra e diminuem a temperatura do ambiente.

No dia Dia da Árvore existe o costume de se plantar árvores por todos os lugares… é uma festa!… mas, e depois?

p.40. “Livro das Árvores”, trecho com desenho representando, com pintura, ngewane, o pai dos peixes. Desenho de Eliano Guedes do Carmo.

Pode-se reparar nas ideias acima, o grande respeito e carinho que a população urbana devota as árvores!  Entretanto, pesquisas da área de educação ambiental ressaltam existir um predomínio da dimensão técnico-natural em detrimento a um conceito mais abrangente, onde o homem é incluído, assim como sua dimensão histórico-cultural (BRÜGGER, 2004).  Ou seja, é ressaltada uma visão instrumental e pragmática da natureza – incluindo as árvores – configurando a denominada sociedade “high-tech-urbanóide”, na qual  a cultura construída no mundo ocidental naturaliza a ideia de reconhecermos a natureza como utilidade ou coisa (COSTA, 2001).

Coisa? Sim! Assim como uma coisa, a natureza está a nosso serviço. Assim como uma coisa, podemos segurar, mexer, mudar, utilizar, e talvez até mesmo “consertar” a natureza quando ela escangalha.

Populações tradicionais, que ocupam diversas regiões do Brasil, como os indígenas da sociedade Ticuna, trazem outra compreensão da natureza que carregam subjetividade, indo além dos sentidos. Porém, eles a interpretam, criando significados, uma vez que reconhecem a si mesmo como parte integrante de algo maior.  

O povo Ticuna e algumas de suas histórias

Ao destrinchar “O Livro das árvores”, percebe-se que o povo Ticuna, possui a concepção de que o mundo é sagrado e povoado por seres viventes, e que tudo possui anima (alma), o solo, os rios, a chuva, as árvores, são envoltos por divindades, e as pessoas, de uma certa forma, dependentes delas.

 A SAMAUMEIRA QUE ESCURECIA O MUNDO

p.15. “Livro das Árvores”, trecho com representando a samaúma. Desenho de Dino G. Alexandre.

Neste mito, a tribo conta a sua versão do surgimento do universo, vejam que interessante!
No princípio, estava tudo escuro, sempre frio e sempre noite. Uma enorme samaumeira (wotchine), fechava o mundo, e por isso não entrava a claridade na terra. Jogaram muitos e muito s caroços e assim criaram a s estrelas. Mas ainda não havia claridade…” (p. 15)

O Rio Solimões também surgiu de uma árvore de Samaúma.
“Do tronco da samaumeira caída formou-se o rio Solimões. De seus galhos surgiram outros rios e os igarapés.” (p.15)

NGEWANE, A ARVORE DOS PEIXES

p.36. “Livro das Árvores”, trecho com desenho representando, com pintura, ngewane, o pai dos peixes. Desenho de Nilson Adelino João

Para esse povo, a percepção de como os peixes e as árvores estão integrados ultrapassa o conhecimento meramente comportamental, físico, transcendendo para o mitológico.

Ngewane é uma árvore encantada que existe desde o princípio do mundo. Ela é grande, assim como uma samaumeira, e tem leite, assim como o tururi e a sorva. Cresce em lugares distantes, difíceis de se encontrar: nas cabeceiras dos igarapés, nos igapós e na beira do lago.” (p.36)

Os desenhos feitos pelos indígenas refletem a relação vívida, colorida que extrapola a fronteira do conhecimento fragmentado, latente na sociedade urbano-industrial.

É desta forma que a sociedade Ticuna, revela sua dimensão demens, ou seja ,aquele que se permite fantasiar, sonhar, diferente da racionalidade, sapiens, que valoriza a razão. E é nesta perspectiva, que os Ticuna agregam à sua existência outras perspectivas legítimas da vida, porém, ignoradas pelo homem contemporâneo.

A vida da sociedade Ticuna orientada pelas árvores

Ao folhear o “Livro das Árvores”, percebe-se que sua elaboração pelos autores, foi configurada para apresentar as diferentes perspectivas e olhares sobre o universo das árvores para a sociedade Ticuna. São as árvores que os norteiam durante suas atividades cotidianas, como por exemplo, a busca por algum princípio ativo que estejam precisando, durante a caça, a escolha da fruta, do formato das folhas conforme seu propósito.

Como as árvores os guiam?  Através de atributos próprios a cada espécie, como seus frutos, seu padrão de distribuição, sua anatomia, seu tamanho, dentre tantos outros.

Por exemplo, os frutos, remetem a sociedade Ticuna à proteção contra doenças e outros males. Assim, quando os Ticuna pintam o rosto com jenipapo, pedindo proteção, estão se beneficiando da propriedade desse fruto em proteger a pele;

É através da distribuição das árvores na floresta, que os Ticuna, conseguem reconhecer as singularidades da composição de determinado solo, e desta forma, conseguem encontrar os elementos necessários para uso em seu cotidiano;

Durante a caça, é conhecido que diferentes grupos de animais são atraídos por diversas árvores, na busca de abrigo, alimento, segurança… Esse comportamento, facilita e até mesmo permite a escolha do animal a ser caçado pelo grupo;

P78. “Livro das Árvores”, trecho com desenho representando uma canoa que é construída com diversos tipos de árvores como a itaúba..Desenho de Osvaldo Alfredo Avelino.

E quanta criatividade possui a sociedade Ticuna!

A maioria dos instrumentos necessários para caça, alimento, brincadeiras, são idealizados e manufaturados por eles mesmos.

Os Ticuna chamam os seres místicos de nanatu, cujo significado remete à proteção, assim, os nanatu ao protegerem a natureza, remetem a sociedade Ticuna a um sentimento de proteção.

Para conhecer mais sobre o Livro das Árvores e a cultura Ticuna, indicamos o site bibtikuna.  Clique aqui.    

Conheça também a publicação Yvyra Poty e as árvores da floresta”da EMBRAPA Agropecuária Oeste, com autoria de Karina Neoob de Carvalho Carvalho Castro, Luís Carlos Hernani e Márcio Silveira Armando. Dourados., de 2006.  É um livro inspirado na vida das crianças da tribo Bororó (MS) e traz outra perspectiva da cultura indígena. Está escrito em português e em guarani; uma vez que é uma publicação que visa ser utilizada em escolas indígenas. Clique aqui para fazer download   

Porém…

Além de atribuir alta importância ao valor econômico que as árvores podem oferecer, a sociedade contemporânea concebe as arvores com outro olhar, olhar este que implica aspectos simbólicos que passam a constituir maneiras de como perceber as árvores.

A Palmeira Imperial, representava a nobreza na época do Brasil colônia e desta forma, indicava com a sua presença, que naquele local havia membros da corte estabelecidos.

Outro exemplo interessante trata das amendoeiras. Durante a época da colonização, costumava-se transportar da Ásia árvores e troncos, como contrapeso para o lastro dos navios. Ao chegar ao Brasil, as amendoeiras eram abandonadas na areia das praias, e uma vez encontrando condições ambientais propícias, se desenvolviam à beira-mar. Os portugueses se apropriaram destas árvores simbolicamente, como aviso ou sinal de que aquele local com amendoeiras, já havia sido conquistado.

O pinheiro é uma árvore que se tornou símbolo do Natal devido a representação de prosperidade concebida pelos romanos. Preocupados com as colheitas no inverno, eles traziam consigo um pinheiro, e o adornavam, no intuído de favorecer as colheitas prosperarem.

Em livros que marcam gerações, as árvores também são protagonistas famosas, como em “O Menino do dedo verde” e “O meu pé de laranja lima”, dois destes belos exemplos, como mostramos nas sinopses abaixo:

Em “O Menino do dedo verde”, de Maurice Druon (1957), Tistu, é uma criança diferente. Ele possui um dedo verde, e onde quer que toque, surgem plantas, flores e… alegria! O desfecho da história é surpreendente!

Já o livro “O meu pé de laranja lima” (de José Mauro de Vasconcelos, 1968), trata da história de Zezé, um garoto de cinco anos, muito esperto que mora no Rio de Janeiro, mas é obrigado mudar de casa com a família, porém, nesta nova moradia, uma surpresa o aguarda. O que será?

E você, querido leitor, pode acrescentar mais algum exemplo de árvore que tem algum aspecto simbólico notável e que te marca?
Teremos maior prazer de ler sua observação nos comentários desta postagem abaixo.

8 Comments on “ÁRVORES DO BRASIL, o olhar do povo Ticuna sobre a natureza que os cerca”

  1. Que legal tomar conhecimento sobre como as árvores podem simbolizar muitas coisas! Venho direito das aulas de Biologia para compartilhar minhas ideias sobre essa publicação.

    Como bem sinalizado, é possível perceber um forte pensamento de desconexão do ser humano com a natureza. Ler sobre o olhar do povo Ticuna sobre a natureza me passou uma sensação de conforto. Após uma breve reflexão sobre as ideias transmitidas pela publicação, pensei no que as árvores simbolizam para mim, mas antes gostaria de falar sobre o que algumas plantas simbolizam para a minha família. E esse assunto é bem engraçado, mas vou ser breve. Minha mãe tem muitos vasos de plantas em nosso quintal. Para ela, existe uma ordem a ser seguida. Em uma das limpezas que fiz no quintal, modifiquei essa ordem e ela me criticou. Nesse momento, tomei conhecimento sobre alguns signficados incríveis que esssas plantas possuem para ela e para muitas gerações. Com signficados marcantes temos a espada de São Jorge e a “comigo ninguém pode”, as duas transmitindo proteção. Sim, achei o nome da segunda muito engraçado. Para mim, as árvores transmitem paz através do cheiro. Gostaria de ter uma bem próxima de mim.

  2. Oi!
    Sou a Ana Clara Moura, aluna do IFRJ, da turma MAM231.

    Uma árvore que me marca muito é a aceroleira, pois quando morei em Maceió-AL tínhamos uma no quintal de casa. Não sei dizer se há algum aspecto simbólico, além de sua beleza. Apesar de ser um pouco difícil de colher as acerolas, porque dá uma coceira adentrar nas folhas, a fruta é muito gostosa e boa para fazer geleias e sucos.

  3. Uau!Amei conhecer a linda forma como o povo Ticuna tratam a natureza e as cores bem vivas no livro!Gostei muito de conhecer essa diversidade de árvores do nosso país.No quintal da minha casa têm diversas árvores de eucalipto,apesar de não ser nativa do Brasil,é uma árvore que gosto muito.A que eu mais gostei foi a samaumeira pesquisei mais sobre e fiquei impressionada ao descobrir que cada árvore chega a bombear 500 litros de água por dia.

  4. Achei muito interessante, pois não fazia ideia disso. Infelizmente nós seres humanos acabamos não tendo uma conexão com a natureza. Aqui onde eu moro, tinham de 3 a 4 árvores, para ser mais exata, eram todas amendoeiras. Elas passavam um conforto, deixando o ambiente mais bonito e harmônico, nos davam sombra nas tardes quentes e de certa forma nos traziam um ar fresco. Para nossa tristeza, três delas foram cortadas, pois corriam o risco de cair sobre a casa de algumas pessoas segundo os profissionais. Agora só sentimos o mormaço em nossas cabeças e o bafo quente do sol.

  5. É muito interessante ter esse pensamento em evidência, sabemos que damos outras significações para as árvores, mas não percebemos a importância disso até que alguém diga, ainda mais com essa ideia predominante de só se ver pelo aspecto técnico-natural. Algumas coisas são nítidas, porém não percebemos isso bem na nossa frente.
    Para mim, há uma árvore muito marcante que é a Aroeira. Na minha família, ela sempre foi usada de diversas formas medicinais, como para reduzir alergias simples na pele ( porém nunca substituindo o tratamento médico, claro!). Ela também carrega uma noção muito espiritual, pois grande parte dos meus parentes se identifica com religiões de matrizes africanas e, nesse contexto, a Aroeira é usada para rezas, para trazer a proteção e o descarrego. E existe uma ideia de que, por respeito, não se pode cortar um pé de aroeira sem pedir licença, graças aos bens que acreditamos que ela faça.

  6. Olá!
    Sou a Julia Maggessi do IFRJ,
    da MAM 231.
    Acredito que a árvore mais marcante em minha vida foi a jabuticabeira. Quando eu estudava no TEAR, um instituto de arte, música e teatro. Haviam diversas árvores, com diferentes frutos e texturas. Entretanto a jabuticabeira era especial, porque era uma das únicas em que eu conseguia subir. Além disso, seus frutos eram deliciosos e sinto muita falta de me divertir e viver arte perto desta especial árvore 🙂

  7. Sou aluna do IFRJ, turma MAM231

    Eu desde pequenina sempre fui muito ligada a natureza, eu cresci no Rio de Janeiro e em Araruama. Em Araru é onde eu me conecto total com as árvores, as plantas, o ar, os animais e comigo mesma. A árvore que mais me marcou foi a mangueira que tínhamos na porta de casa, infelizmente ela cresceu tanto que a raiz começou a sair no vaso sanitário da casa de trás kkkkkkkkkkkk e além disso estava levantando a calçada, e ai tivemos que cortar, mas ainda temos nosso jardins com muitas plantas, inclusive Pau-Brasil, que é uma das minhas favoritas junto com a Dama-da-noite, uma planta que da uma flor muito lindaaa e que só abre de noite, mas não toda noite. Ler como o povo Ticuna se conectava com a natureza me fez lembrar dos piqueniques, trilhas e acampamentos que eu fazia com a minha família onde a gente sempre ficava admirando as árvores e dando abraços nelas, as vezes precisava de mais de uma pessoa pra abraçar kkkkkkk.

  8. Olá, eu sou a Amanda de Sousa Xavier, aluna do IFRJ, MAM231.
    Amei a postagem!!!
    Sempre que eu saio de viagem para algum lugar, reparo na vegetação do ambiente porque eu acho que ela influência em como você vê e vai se sentir naquele lugar, por exemplo: quando estava na casa da minha avó no sertão do Ceará, do final para o inicio do ano, a vegetação era predominante seca, era uma paisagem que chegava a ser triste, porém quando veio a chuva e tudo começou a criar folhas verdes e crescer novamente, eu me senti esperançosa e como se eu mesma tivesse renascido.
    A árvore que mais gosto e mais me marcou é um pé de Tamarina que havia entre a casa da minha avó e meu tio , lá no Ceará, toda tarde depois do almoço meu pai ia lá para dormir em uma rede que ele mesmo havia posto.

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