Capa: O deus romano Mercúrio do Comércio, morrendo de cólera. As epidemias e pandemias afetam a economia de todos os países. Mercúrio, cercado por ministros, representando o estado doentio da economia francesa na década de 1830. B.D. active, 1832. Gravura colorida, (seção). Acervo Wellcome Library . Licença CC-BY-4.0.
A arte é bastante abrangente e com múltiplas dimensões. Para alguns, é uma forma de expressar emoções, para outros, é uma maneira de documentar acontecimentos e contar experiências. Alguns acreditam que pode ser uma forma de encarar as dificuldades e até de fazer descobertas. Os eventos podem provocar as veias artísticas e gerar muitas formas de expressão.
As Pandemias ao longo da história foram tema de muitas obras de arte engajadas e críticas. Vamos acompanhar algumas produções artísticas em tempos de Cólera. A Segunda Pandemia de Cólera ocorreu entre 1826 e 1837 e ficou conhecida como a Pandemia de Cólera Asiática. Ela se estendeu da Índia para a Ásia Ocidental, chegando até a Europa e América. E também ao leste da China e Japão.
Ela atingiu a Europa fortemente entre 1831 e 1832, provocando muitas respostas da sociedade, da medicina, da imprensa, de governos, da saúde pública e muitos artistas retrataram a doença e as reações à doença, expressando as ideias que circularam sobre os cuidados, a prevenção e o tratamento para a doença.
Pinturas, caricaturas, gravuras e desenhos foram criados para expressar não somente o medo da doença, mas muitos outros fatores, tais como:
- O desentendimento entre os médicos na tentativa de explicar a enfermidade e propor tratamentos;
- A desconfiança da sociedade com o governo;
- A desconfiança das classes pobres, excluídas de qualquer sistema médico, com os serviços médicos;
- Os tratamentos e prevenções totalmente inúteis e fraudulentos.
O modo como as pessoas e a sociedade tentaram enfrentar a cólera serviu de conteúdo para muitas expressões artísticas críticas, expressas principalmente por cartoons e caricaturas publicados em panfletos, jornais e revistas.
As gravuras a seguir retratam pessoas com trajes para prevenir e evitar a cólera.
Investigue todos os detalhes dos trajes e dos elementos usados para prevenir a doença. As gravuras sugerem a abundância de informações e desinformações que as pessoas ouviam sobre como se prevenir contra a doença.
Como um cavalheiro deve se prevenir contra a Cólera?
Descrição:
O autor da gravura é Joseph Petzl (1803 – 1871), um pintor alemão da escola Biedermeier. Ele deixou uma coleção de desenhos que documentam sua vida cotidiana, casos amorosos e viagens, agora pertencentes ao acervo do museu Münchner Stadtmuseum.
- O homem retratado na gravura encontra- se com várias camadas de roupas.
- Em seu rosto, um frasco de vinagre concentrado localizado na direção do nariz, juntamente com um ramo de nozes, e em suas orelhas, algodão embebido em cânfora.
- Em volta do pescoço, há uma faixa dupla de bagas de pimenta e zimbro.
- Em seu corpo, ele usa uma placa de cobre perto do estômago e um saco de areia quente no peito.
- Ele está vestido com calças de flanela, com meias de linha mergulhadas em vinagre, e usa sapatos fortes com sola contendo água morna.
- Um grande casaco, uma coberta de lã, uma capa e chapéu também.
- Em seus bolsos há chá perfumado, folhas de sálvia e raiz de coentro, frasco com essência de camomila e um frasco de éter canforado.
- Na mão direita, ele segura um arbusto de zimbro (Juniperus communi, usado para preparação de gim) e, na esquerda, um ramo de acácia (as espécies de acácia podem ser usadas como alimento, tratamento de hemorroidas e até para produção de raticida).
- Atrás do cavalheiro, temos uma carroça com banquinho, flanela, mantos de pele e aparatos para banhos de vapor.
Questões para reflexão:
- Quais dessas prevenções poderiam ter contribuído para evitar a Cólera?
- Que usos medicinais ou alimentares as plantas e substâncias químicas indicadas são usadas atualmente?
Como uma Dama deve se prevenir para evitar a Cólera?
Descrição:
O autor da gravura é Moritz Gottlieb Saphir nascido Moses Saphir (1795 – 1858) foi um escritor satírico e jornalista austríaco. A gravura apresenta uma mulher equipada para lidar com a cólera.
- Em sua cabeça há um pequeno moinho de vento para a purificação do ar.
- Em suas orelhas, há pingentes de cebola e pequenos alhos.
- Usa também uma fita amarrada sobre o queixo feita de bagas de zimbro. Seu pescoço contém um colar feito de pedras de sal e grãos de pimenta apoiado em um objeto de cobre no peito.
- Em uma das mãos há uma sombrinha aberta com ramos de zimbro, pequenas embalagens contendo cal clorado e um sino de emergência na parte superior.
- Na outra mão, carrega uma cesta com pães e mantimentos embalados.
- A mulher usa um cinto feito de pequenas placas de madeira envoltas por um pano de tafetá (seda) esvoaçante em suas costas.
- Bolsos grandes servem para embalar ervas que enfeitam a barra da saia (ou vestido). E um conjunto menor também é usado em sua calça sob a saia, rodeando cada perna na altura das batatas da pernas.
- Nos pés há meias e bolsas de água quente por baixo dos sapatos.
Como um cachorro deve andar nas ruas para evitar a cólera?
A dama é acompanhada por um cachorro também com indumentárias preventivas.
O cachorro possui uma faixa em volta do corpo, patas cobertas e está com um pedaço de madeira na boca que, em uma das extremidades, contém um lavatório e na outra uma espécie de agulha.
O cachorro segura a barra de madeira com os dentes e há uma placa de cobre pendurada na barra com os dizeres:
“Nur keine Furcht!” ( “Não tenha medo!”).
Um Armário de Drogas Preventivas Inúteis
Descrição
O autor da gravura é Johann Benedikt Wunder (1786-1803) um gravador alemão.
A imagem mostra um homem todo coberto por trajes para prevenir a cólera e cercado por um “armário” de drogas e elementos falsamente preventivos, considerados na época. Vamos ver os detalhes:
- Em seu rosto há uma máscara que cobre o nariz e a boca, e no pescoço um frasco pendurado.
- Em cada lado do homem há uma pilha de caixas indicando alguns elementos utilizadas para a prevenção contra a cólera como flores de lavanda, alho, flores de moscatel, flores de lã, malte de cevada, bagas de zimbro, sementes de mostarda e grãos de pimenta.
- Acima da prateleira garrafas azuis contendo substâncias como óleo de alecrim, tintura de ópio, óleo de menta, óleo de camomila e álcool estão dispostas.
- Na imagem também é possível ver folhas coladas na parede com nomes de médicos que propuseram algumas das soluções, participaram dos Conselhos de Saúde, satirizados com o sobrenome Cólera: Dr. Hahnemann Cholera (Sammuel Hahneman, pai da homeopatia). Dr. Jörg Cholera, Dr. Harles Cholera, Dr. Ammon, Dr. Rust Cholera, Dr. Leo, Bócke medicinais [com foto de cabra], Dr. Wend Chol, Dr. Hasper, Dr. Wilhelmi e Dr. Antomarchi.
- E o desenho de uma cabra em uma das folhas e algumas recomendações para se proteger contra a cólera como ter cuidado com as roupas quentes para manter pés e abdômen aquecidos, e ter cuidados com a temperatura.
- Ao fundo no canto inferior direito há garrafas rosas com bebidas alcoólicas e, no canto inferior esquerdo outra garrafa com urina.
Vamos fumar tabaco para prevenir a Cólera?
No chão encontra-se uma faixa escrito “Gute gegen die Cholera schützende Taback Sorten” que significa “Boas variedades de tabaco que protegem contra cólera”.
Podemos nos perguntar qual a origem de tantas ideias grotescas de prevenção.
A Pandemia versus a Economia
Descrição
A cólera é referida aqui como ‘cólera morbus’.
O ministro da justiça administra um “lavement”, eufemismo para enema, marcado com “juste milieu”, o termo irônico para a tentativa dissimulada de Louis Philippe de criar um denominador comum entre republicanismo e monarquia.
Mercúrio, o deus romano do comércio, segura o caduceu (a varinha entrelaçada com duas cobras), em sua mão direita, moribundo.
Questão para reflexão
- De que modo a economia pode afetar a Saúde Pública?
Novos tempos, velhas atitudes grotescas
As atitudes antigas de medo, desconfiança, de descrédito na Saúde Pública e nos Sistemas Públicos se mantém até hoje. E, no Brasil, se tornam mais graves com um governo que combate a Ciência e Tecnologia, proferindo todo tipo de barbaridade sobre a Pandemia da COVID-19.
Com a chegada da atual pandemia observamos que muitas pessoas fazem de tudo para tentar se prevenir. E esse “de tudo” na maioria das vezes são ações inúteis, sem fundamentos científicos e até mesmo perigosos e prejudiciais à saúde. Um comportamento semelhante às atitudes da sociedade em pandemias passadas, como no caso da Pandemia Asiática de Cólera.
As duas principais estratégias de combate à disseminação da doença são duas ações básicas:
- uso de máscaras.
- distanciamento social.
E ambos vem sendo banalizados, provocando o efeito “onda” que sobrecarrega o Sistema Público de Saúde. E mais concretamente os hospitais e as equipes de saúde que trabalham na linha de frente.
O que aprendemos sobre as máscaras?
O uso da máscara é essencial para a prevenção contra o novo coronavírus, sendo uma das principais estratégias de prevenção disponíveis.
Observe na última imagem acima, uma cena de rua mostrando policial usando máscara contra gripe e apontando para um homem bem vestido sem máscara. Um espectador está em uma porta observando. Cartazes nas janelas anunciam as máscaras da gripe e vários anuncios de guerra. Texto escrito abaixo da foto: “Jovem companheiro, pegue uma máscara ou vá para a cadeia.” Data da publicação: [1918]
Em todas as Pandemias, houve reações negativas de indivíduos que não conseguem ver a dimensão social da Saúde Pública e pensam apenas em termos de perdas econômicas pessoais, como o movimento da LIGA ANTI-MÁSCARAS da cidade de San Francisco, nos Estados Unidos.
Observem que o grupo se autodenomina ESPARTICANOS SANITÁRIOS, como se vivessem uma guerra grega da cidade estado Esparta contra a cidade estado de Atenas (deusa e símbolo de Conhecimento, por sinal). Um retrocesso radical às guerras políticas gregas antigas.
Os Espartanos criminosos no Século XXI
O que agrava ainda mais a situação atual no Brasil, é ter que combater a doenças e também uma classe criminosa de governantes que proclamam a todo momento medidas não eficazes contra a doença.
NÃO SEJA ESPARTANO, USE MÁSCARAS CORRETAS!
Vejamos o que deu errado no uso de máscaras na Pandemia da Febre Espanhola a partir dos estudos realizados pela Fundação Kellogg nos Estados Unidos sobre a pandemia. E quem sabe, aprender um pouco para melhorarmos da próxima vez.
1. As máscaras caseiras eram de má qualidade
Para combater a gripe espanhola, os americanos foram orientados a fazer máscaras com quatro a seis camadas de gaze de malha fina – que era o que era usado em hospitais. Quanto mais fina a malha, melhor seria a gaze em filtrar as gotículas respiratórias, ou assim pensava. Infelizmente, Kellogg observou que muitas máscaras de civis eram feitas apenas de uma ou duas camadas de uma gaze muito grossa semelhante a um pano de algodão.
Faça melhor 100 anos depois: todos nós temos acesso a tecidos mais baratos e de melhor qualidade do que nossos bisavós e avós. Também podemos assistir a inúmeros vídeos instrucionais no YouTube e pedir às nossas redes sociais que verifiquem nosso trabalho.
2. Máscaras de má qualidade davam às pessoas uma falsa sensação de segurança
Para seu horror, Kellogg viu que as pessoas que usavam máscaras mal construídas corriam mais riscos do que se não estivessem usando máscaras. Mesmo que suas máscaras minúsculas não oferecessem proteção, eles se sentiam confortáveis e seguros – e agiam dessa forma.
Seja melhor 100 anos depois: embora a maioria de nós crie máscaras de alta qualidade hoje, precisamos levar a sério os avisos de distanciamento social. Assumir riscos extras cancelará quaisquer benefícios positivos que colhemos por usar uma máscara.
3. As pessoas usavam suas máscaras incorretamente
Embora o conselho de saúde afixe folhetos instruindo as pessoas a usarem máscaras, Kellogg notou que muitas vezes as pessoas usam as máscaras incorretamente. Às vezes, eles apenas cobriam a boca, mas deixavam o nariz exposto. Outros tocavam e moviam suas máscaras constantemente, especialmente enquanto fumavam.
Faça melhor 100 anos depois: felizmente, temos o benefício de uma vasta cultura de mídia que está preparada para nos mostrar o que devemos e não devemos fazer na etiqueta de máscaras. Infelizmente temos também movimentos negacionistas e fakenews criminosas. É necessário cautela para não cair nesses discursos acalorados.
4. As pessoas usavam suas máscaras nos momentos errados
Como a polícia de São Francisco estava cumprindo a lei obrigatória de máscaras faciais, a maioria das pessoas usava suas máscaras ao ar livre e em público. No entanto, Kellogg notou que muitas pessoas tiraram suas máscaras “em escritórios particulares e entre reuniões de amigos”. Esses lugares eram, é claro, onde eram mais propensos a serem expostos a gotículas infecciosas.
Faça melhor 100 anos depois: para quem usa máscaras hoje, é essencial saber quais situações são mais arriscadas e priorizar o uso de máscara nesses momentos. Por exemplo, locais públicos fechados, como o supermercado ou um ônibus, serão mais arriscados do que ao ar livre.
5. O material que eles disseram para usar (gaze) não funcionou muito bem contra a gripe
No início, a Fundação Kellogg pensou que as máscaras de gaze falhavam porque a maioria das pessoas eram idiotas, mas essas máscaras ainda podiam proteger o “indivíduo inteligente”. No entanto, durante a pandemia de 1918, 78% das enfermeiras de São Francisco contraíram gripe mesmo usando máscaras de gaze adequadas. Após uma série de experimentos, a Kellogg concluiu que a gaze não era uma barreira muito eficaz contra as gotículas respiratórias. E para tornar a gaze uma barreira melhor, eram necessárias tantas camadas de tecido que ela se tornava irrespirável.
Faça melhor 100 anos depois: estamos em 2021. Não precisamos esperar até depois do fato para saber qual tecido funciona melhor. Os laboratórios estão testando ativamente a eficiência de filtração de diferentes tecidos agora e compartilhando seus resultados com o mundo.
FAÇA MELHOR, USE MÁSCARA!
Erramos algumas coisas há 100 anos, mas a história não precisa se repetir. Vamos lutar contra uma pandemia com máscaras de pano novamente e, com sorte, faremos da maneira certa desta vez.
As máscaras funcionam como uma barreira física, evitando a transmissão de partículas infectadas de uma pessoa para outra ao falar, tossir ou espirrar. Mas não é somente usar uma máscara, e sim usar a máscara de forma correta.
- use máscaras que se ajustem ao rosto de forma que as as bordas estejam vedadas;
- utilize máscaras que contenham camadas de proteção;
- opte por máscaras com fio nasal;
- não toque na máscara enquanto estiver usando;
- higienize suas mãos ao colocar e retirar a máscara;
- verifique se a máscara está cobrindo o nariz, a boca e o queixo.
Referências
- Adrien Burch. Why Gauze Masks ‘Failed’ in 1918 — And What We Can Do Better. Site ELEMENTAL. 7 abril de 2020. Disponível em https://elemental.medium.com/why-gauze-masks-failed-in-1918-and-what-we-can-do-better-e735406f0e36. Acesso em 2 maio 2021.
- Centers for Disease Control and Prevention. Improve How Your Mask Protects You. s/autor. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/your-health/effective-masks.html. Acesso em: 2 maio 2021.
- Karina Toledo. Estudo avalia eficiência de filtragem de 227 tipos de máscaras vendidos no Brasil. Agência FAPESPE. Disponível em: https://agencia.fapesp.br/estudo-avalia-eficiencia-de-filtragem-de-227-tipos-de-mascara-vendidos-no-brasil/35773/. Acesso em: 4 maio de 2021.
- PARK, M. P.; PARK, R. H. R. Fear and humour in the art of cholera. Journal of the Royal Society of Medicine, v. 103, n. 12, p. 481-483, 2010. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2996527/. Acesso em: 2 maio 2021.
- World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19): Masks. Disponível em: https://www.who.int/news-room/q-a-detail/coronavirus-disease-covid-19-masks. Acesso em: 2 maio 2021.