Capa: O contato com os outros animais possibilita às crianças aprendizados muito preciosos. Foto: Chris Matos. #ParaTodosVerem: A mão de uma pessoa adulta segura a mão de uma criança, que tem uma mariposa – nas cores preta, laranja e amarelo – apoiada na ponta do seu dedo médio.
Parceria entre Espaço Ciência Viva (Prof. Paulo Henrique Colonese) e FEUSP/Projeto Integrado de Estágio em Docência em Matemática e Ciências ( Profa. Raquel Milani e Profa. Martha Marandino). Colaboradora-autora: Christiane Matos Batista, educadora, estudante do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da USP e estagiária voluntária do Espaço Ciência Viva, 2020.
Do medo à paixão pelos insetos
“Eu sabia que o erro básico de viver era ter nojo de uma barata […], pois ter nojo me contradiz, contradiz em mim a minha matéria” (trecho de A paixão segundo G. H., de Clarice Lispector).
Embora não fosse cientista, G.H. – ou Clarice Lispector – fez um belo trabalho de investigação ao lançar um olhar atento e minucioso sobre uma barata, animal que costuma ser bem impopular entre os humanos.
Tal impopularidade, contudo, não se restringe às baratas. De modo geral, à exceção de joaninhas e borboletas, os insetos despertam pouco interesse, ou mesmo, repulsa entre adultos e crianças. É certo que alguns desses bichos podem ser pouco amigáveis e nos trazerem alguns incômodos. Mas, na verdade, os altos índices de aversão – que, na ciência, tem o nome de biofobia – atribuídos aos insetos são também resultado de uma construção cultural e de muita desinformação.
Saindo da “bolha sapiens”
Mesmo que esteja longe de ser verdade, acreditamos que saúde seja sinônimo de completa assepsia e controle. Claro, a pandemia tem exigido de nós muitos cuidados que não devem ser ignorados. Mas, com a vida nas cidades, nos distanciamos bastante da convivência com outros animais e, para algumas pessoas, basta a presença de bichinhos como formigas ou pequenos insetos voadores para que se instaure um verdadeiro caos no lar.
Uma boa maneira de contornar esse pavor por insetos é a realização de ações educativas com as crianças. Nesta matéria, vamos compartilhar uma sequência de atividades sobre vespas que, além de divertida, traz uma série de informações que os pequenos curiosos conseguem assimilar e compartilhar com facilidade.
Conexões Prazerosas: Literatura e o estudo de Ciências
Peço licença para voltarmos à menção à obra de Clarice Lispector no início desta matéria. Em agosto, em meio às incertezas da pandemia, li o romance A Paixão Segundo G. H., que trata do encontro entre a protagonista e uma barata. A percepção do outro, daquele que é diferente de mim, é um dos grandes temas claricianos. E devo confessar que a leitura do livro me preparou para a uma visita inesperada:
uma vespa veio parar na minha horta.
Através da janela, passei algumas horas observando a vespa parada embaixo do pé de salsinha. Deduzi, então, que ela estava morrendo. Fiz algumas pesquisas e descobri que tratava-se da vespa-esmeralda. Eu, que nunca gostei de insetos, me encantei por aquele bichinho e decidi vê-lo mais de perto, assim como fez G. H. com a barata.
Então, vi suas lindas cores, seus olhos grandes e escuros, suas antenas em formato de caracol, senti o seu peso e entendi que, ainda que haja muitas diferenças entre nós, a vespa e eu somos bichos e, inevitavelmente,
isto nos aproxima.
A literatura pode contribuir bastante no processo de alfabetização científica.
Nesta palestra, o Prof. Dr. Alan Oliveira, da State University of New York Albany, aponta alguns exemplos de práticas eficazes no emprego de livros infantis como ferramentas pedagógicas no ensino de ciências.
- Apresentar questões sobre os temas abordados,
- Incentivar os estudantes a construirem suas próprias relações,
- Fornecer informações,
- E contextualizá-las para, em seguida, recontextualizá-las
são estratégias interessantes.
A Leitura de livros para as crianças
A primeira atividade recomendada, portanto, é a leitura de livros infantis que tragam informações precisas, cientificamente corretas e isentas de julgamentos.
O livro Você sabe tudo sobre insetos?, da escritora e ilustradora Lila Prap, publicado no Brasil pela Editora Biruta, apresenta vários insetos – traça, vaga-lume, mariposa, libélula, vespa, joaninha, mosquito, pulga, mosca, gafanhoto, tesourinha, louva-a-deus e piolho – e é uma ótima opção!
Para ter acesso ao livro no site da Editora Biruta, clique aqui.
Além de trazer imagens que possibilitam a observação de características dos corpos de cada um dos bichinhos – se há asas ou não, como são suas antenas e pernas, como está dividido o seu corpo, entre outras coisas -, o livro lança e responde questões específicas sobre cada animal, como, por exemplo: Por que os vaga-lumes brilham à noite? ou Por que as vespas picam?. Lembrando que, durante a leitura, é primordial estimular que as crianças façam suas próprias perguntas sobre os insetos.
Brincando de cientista!
A Alfabetização Científica começa muito cedo, assim que as crianças passam a observar e questionar o mundo. Então, é essencial proporcionar aos pequenos curiosos atividades de investigação.
O uso de uma lupa como ferramenta para pesquisas, por exemplo, pode ser muito rico. Ela pode ser usada tanto para a observação de pequenos animais (e vegetações) como para analisar imagens ou fotografias impressas, a partir das quais, as crianças podem, por exemplo, fazer suas próprias reproduções em desenhos ou pinturas. É importante que as crianças tenham autonomia na sua investigação, que elaborem perguntas e que, se possível, busquem elas mesmas maneiras de encontrar respostas para as suas questões.
E se fôssemos insetos?
Por fim, sugerimos uma brincadeira em que as crianças possam se transformar em insetos!
Aqui, imprimimos máscaras de vespas, decoradas com colas coloridas e com gliter.
As crianças podem tanto se basear nas cores de um animal de verdade para a personalização das suas máscaras como fazer uma decoração mais livre. O importante é que elas se divirtam e que gostem do resultado quando as máscaras estiverem prontas. Para baixar e imprimir o modelo da máscara de vespa, clique aqui.
Durante a atividade, é importante traçar comparações entre o rosto humano e as “feições” do bicho.
No nosso caso, perguntamos, por exemplo, por que a vespa não tem nariz e o que será que ela usa para sentir os cheiros? Sabiam que são as suas antenas que cumprem esta função? Também é possível comparar a boca humana com a mandíbula da vespa. Será que elas têm dentes? Como vocês acham que elas fazem para morder?
Com as máscaras decoradas, brincamos de “caçar baratas”!
Acreditamos ser importante falar para as crianças um pouco sobre a relação das vespas com outros animais. As vespas da espécie Ampulex compressa caçam baratas e nelas põem os seus ovos. Sendo assim, elas atuam no controle das populações de baratas. Para ensinar esta relação, imprimimos algumas ilustrações de baratas e as escondemos pelo quintal e, fantasiadas de vespas, “voamos” em busca das imagens, numa divertida Caça às Baratas!
Durante a caçada, uma das crianças, a “Vespa Teresa“, assumiu por completo a nova identidade e decidiu, inclusive, testar o seu ferrão e picar alguém. Quando perguntada acerca da razão que a tinha levado a fazer isto, ela respondeu que havia se sentido ameaçada. Uma compreensão magnifíca de que a vespa não é uma vilã, mas que todos estabelecemos relações com o ambiente e com os outros seres vivos.
Mariana e Rafael, pais da “Vespa Tetê“, contaram que “ela ficou muito encantada com a vespa-esmeralda! E que gostou tanto que, no dia da oficina, inventou uma língua das vespas e, à noite, quis dormir com a máscara que haviam feito na atividade”.
Conhecer mais sobre as vespas nos possibilitou uma tarde de muitas brincadeiras e aprendizado.
Se gostaram das ideias e decidirem fazer e criar atividades sobre animais para pequenos curiosos, escrevam e compartilhem suas experiências conosco, nos comentários!
Vamos adorar saber!
Sugestões de Leitura e Visualização
- LISPECTOR, Clarice. Paixão segundo G. H., Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1a. edição, 1964.
- Insetos: uma Aventura pela Biodiversidade, Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, edição on-line. Acesso em http://www.ioc.fiocruz.br/livroinsetos.
- Exposição Insetos na Cultura. Exposição online, Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, 2010. Acesso em http://www.ioc.fiocruz.br/insetosnacultura/.
- Sala de Exposição Entomológica Costa Lima (virtual) do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Fiocruz, elaborada por Gabriel Guimarães e Jane Costa, com apoio do Laboratório de Biodiversidade Entomológica (IOC/Fiocruz), acesse o link: bit.ly/costalimavirtual.
- Profissão Cientista: Entomologista. Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, 2014, video. Acesso em https://youtu.be/BG7wWT-GN7w.
Parabéns pela sua iniciativa de incentivar crianças pequenas a terem novo olhar sobre os insetos, mesmo que tenha de se utilizar de uma lupa e seguindo o modelo da nossa mestra Clarice Lispector e de Lila Prap que, com certeza, sabe tudo sobre insetos! Vá em frente, as crianças merecem e você também que, com certeza “passeia” com excelência nesse universo tão lindo que é o infantil!
Revisitar os preconceitos criados em nós pelo senso comum é fundamental para promover uma alfabetização científica profunda e reflexiva. Linda experiência, obrigada por compartilhar!
Que demais! Amei a brincadeira da vespa e achei bem curiosa a vida que os insetos levam. Parabéns, Chris (para mim, Taninha)!! Me transportei para a infância e meu coração transbordou de alegria e saudade ❤
Incrível a sensibilidade e domínio da autora desse texto! Ela nos leva a querer também participar dessas e de varias outras descobertas, independente da nossa faixa etária! Excelente perspectiva pedagógica e educativa! ????????
Obrigado por emprestar as lupas para a oficina! Foram fundamentais para as pequenas mãos curiosas.