Seção de fragmento de uma pintura de túmulo de um banquete, com homens, mulheres, musicistas e dançarinas. Acervo digital do The British Museum. © The Trustees of the British Museum . Licença CC BY-NC-SA 4.0.
Adaptado de atividade educativa do Museu de Artes de Seattle.
Um dia na vida de uma menina no Antigo Egito
Olá! Meu nome é Sohag!
Eu tenho oito anos, mas na época em que você estiver lendo isto, eu acho que já terei mais de 3.000 anos de idade!
Eu vivo na cidade de Inbu-Hedj que significa Paredes Brancas porque as paredes de tijolos de barro são pintadas de branco e brilham com a luz do Sol a quilômetros de distância. Vocês conhecem minha cidade pelo nome de Mênfis, uma grande cidade do lado do Sol nascente e lado do Oriente do Rio Nilo!
Meu pai é um supervisor de trabalhadores que constroem tumbas em Saqqarra, a cidade dos mortos do outro lado do Rio Nilo, o lado do Sol poente. O nome da cidade é homenagem ao deus-falcão protetor na necrópole Socáris. A necrópole é um grande cemitério para a realeza e os nobres do Egito. Saqqarra possui muitas pirâmides e tumbas, incluindo a Pirâmide de Degraus de Djoser, a primeira pirâmide construída.
Pirâmide de Saqqara de Djoser no Egito. Charles J. Sharp. 16 de fevereiro de 2007. Acervo Wikipédia. Licença CC-BY-SA-3.0.
O dia amanhece
Quase todas as manhãs, eu acordo logo após a deusa do céu e das mulheres Hathor dar luz ao deus-Sol, Rá.
Em seguida, eu vou até o canal com minha irmã mais velha pegar água para minha família para podermos cozinhar, limpar e nos banhar.
Mas hoje é um dia diferente…
Nós soubemos que um dos homens mais importantes de nossa cidade, chamado Kaipure, alto funcionário do tesouro, morreu.
E meu pai ajudou a supervisionar o trabalho de esculpir e entalhar sua tumba.
Hoje, após nós pegarmos água e todos se banharem, vamos visitar o Sacerdote Supervisor Sitepehu, para saber que oferendas devemos preparar para levar à capela da tumba em honra a Kaipure.
Deusa Hathor, com o símbolo do disco solar em sua cabeça. Jeff Dahl, 2008. Acervo Wikipedia. Licença CC-BY-SA-4.0.
A antiga localização da Capela da Tumba de Kaipure era no cemitério do Reino Antigo em Saqqara, em uma área ao norte da Pirâmide de Degraus de Djoser. A Capela foi construída por seu proprietário ara garantir uma vida após a morte bem-sucedida.
Infelizmente, ela foi vendida em 1904 à Universidade da Pennsilvania e está no Penn Museum nos Estados Unidos. Hoje, ela ainda mantém quase todos os seus relevos e textos lindamente esculpidos e pintados que você pode ver, se visitar o museu.
No Egito, em tudo o que fazemos, tentamos retribuir os presentes que recebemos em vida, para manter o equilíbrio da vida. Meu povo chama este princípio de Ma’at que eu acho vocês chamariam de Equilíbrio da Vida.
Ma’at reúne muitas ideias: a verdade, a ordem, a harmonia, a lei, a moral e a justiça que marcam o Equilíbrio da Vida.
Ma’at também é a deusa que regula as estrelas e as estações.
A Oração em honra aos mortos
Uma das oferendas que o Sacerdote Chefe Sitepehu nos disse para levar à noite para a capela foi uma oração escrita para Kaipure.
Meu irmão mais velho, Horem, está estudando para se tornar um escriba. Ele está estudando desde que era do meu tamanho e hoje ele já sabe escrever mais de quatrocentos hieróglifos!
Lintel (tipo de viga) de calcário de Ramsés III: no topo deste lintel há um disco solar alado com dois adornos de cobra chamados de ‘uraei’, símbolo de realeza e autoridade divina, esculpidos em baixo relevo. Abaixo, há duas linhas de hieróglifos incisos que repetem o prenome e o nome de Ramsés III com seus títulos. Acervo digital do The British Museum. © The Trustees of the British Museum . Licença CC BY-NC-SA 4.0.
As palavras que meu irmão escrever hoje serão gravadas em pedra para serem lidas por Kaipure durante toda a eternidade da vida após a morte.
Preparando-se para o Funeral
Eu estou muito contente, pois já sou grande o bastante para participar do ritual para o funcionário público Kaipure!
Todos os que vão participar do ritual precisam antes visitar o Barbeiro Meryma’at para cortar nossos cabelos e ficarmos limpos e puros.
Eu vou usar minha primeira peruca hoje à noite! Ela tem longas tranças pretas com continhas verdes nas pontas.
Seção de fragmento de uma pintura de túmulo com quatro mulheres músicas sentadas no chão. As musicistas usam brincos, colares largos, pulseiras, braceletes, anéis de dedo e perucas. Quinze registros verticais de hieróglifos sobrevivem. Acervo digital do The British Museum. © The Trustees of the British Museum . Licença CC BY-NC-SA 4.0.
Meu irmão, Senet, vai pentear seu cabelo como ele sempre usa – a mexa da juventude que os jovens usam. Ele tem a cabeça raspada, quase carecam mas com uma longa trança lateral. Ele fica muito bonito assim, parecendo um príncipe.
Esquerda: Face de uma estela do Faraó Ramsés II quando criança-N 522. Ele está usando a Trança da Juventude, comum em meninos. Museu do Louvre. Acervo Wikipedia. Licença CC-BY-SA-4.0. Direita: Parede leste da antecâmera do túmulo de Amonherkhepeshef, À esquerda da foto, o deus-garça Thoth é retratado atrás de Ramses III que abraça a deusa Isis. À direita da foto, o jovem Amonherkhepeshef, usando uma faixa da juventude. Acervo Museo Ezigio, Itália, 1904, Escavações de Schiaparelli. Licença CC0.
É importante que tudo o que fizermos hoje seja certo e correto, de acordo com os desejos dos deuses e do Ma’at, pois precisamos VIVER EM EQUILÍBRIO.
O nosso jardim
Após termos feito nossos cabelos e limpado nossas cabeças, nós todos voltamos para casa e nos reunimos em nosso jardim para comer, descansar e nos preparar para este dia tão especial.
Nosso jardim é lindo! Ele é bem fresco e sombreado.
Eu adoro deitar de barriga na ponta refletora da piscina e observar os preguiçosos peixes descansarem sob as flores de lótus.
Tudo sem seu lugar certo no jardim.
Duas filas de palmeiras e de acácias cercam a piscina e papoulas de aroma adocicado crescem nas sombras abaixo delas.
A visita aos templos
Antes do ritual nesta noite, nós temos que prestar nossos respeitos no complexo do Templo em honra ao grande deus dos ventos, Amon, que significa “o deus escondido”.
Amon ajudou a tirar o mundo do caos e trazê-lo para a ordem no início dos tempos. Ele está eternamente se renovando como as águas do Rio Nilo se renovam a cada ano. Amon nos lembra de vivermos de modo pacífico e disciplinado, ao modo do Ma’at, pois precisamos VIVER EM PAZ.
Antes de deixar o complexo do templo de Amon, minha mãe falou que temos que passar o mesmo período de tempo no Templo de Sekhmet, a poderosa e guerreira deusa-leoa.
Sekhmet usa uma coroa com um Sol e uma Cobra para nos mostrar ao mesmo tempo suas forças protetoras e punitivas.
Esta deusa, algumas vezes me dá arrepios! É a deusa da medicina que governa o passar mal e as doenças, mas minha mãe diz que ela também pode ser uma poderosa protetora.
Da mesma forma que Sekhmet equilibra seus lados animal e feminino, guerreira e protetora, nós temos que equilibrar a nossa atenção entre cada um dos deuses e deusas.
Relevo de parede de Sekhmet, Templo de Kom Ombo, Egito. Foto. Rémih, 2009. Acervo Wikipedia. Licença CC-BY-SA-ND-3.0.
Tudo isto faz parte de viver em acordo com o Ma’at, pois precisamos VIVER EM HARMONIA.
Preparando o Sacórfago, a urna funerária
O melhor amigo de meu irmão, Merneptah, é aprendiz de um pintor.
Um dia, ele nos deixou acompanhá-lo até o atelier onde ele está aprendendo a pintar, observando e ajudando a pintar um magnífico caixão para uma múmia que seu mestre está preparando para o Sacerdote Nebnetcheru.
O caixão está ficando lindo, um deslumbre aos olhos!
Tudo que o seu mestre pintava de um lado, ele repetia perfeitamente do outro lado.
O disco solar alado de Horus protege seu coração, e Hathor, a mãe-vaca, protege os seus dois lados.
Certamente, quando o sacerdote passar para o Reino de Osíris, ele se encontrará com todos os deuses.
Você pode ver a beleza da pintura de um sacórfago de um sacerdote com mesmo nome, Nebnetcheru, que também foi vendido e levado para a Universidade da Pennsilvania no Penn Museum.
Sacórfago de Nebnetcheru, Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade da Pennsilvania. Foto. Onceinawhile. Acervo Wikipedia. Licença CC-BY-SA-4.0.
O ritual do funeral: as oferendas
No final da tarde, nós nos reunimos na capela da Tumba de Kaipure. Quando a deusa Hathor engolir o sol novamente, nós colocaremos as nossas oferendas na porta da capela.
Eu ofereci uma cesta de uvas doces de nosso caramanchão.
Minha mãe ofereceu uma grinalda de flores que ela mesma teceu.
E meu pai ofereceu um jarro de nossa melhor cerveja.
Senet ofereceu uma oração escrita que meu irmão Horem escreveu.
A oração de homenagem e despedida
E depois, cantamos a oração de despedida:
Possa Kaipure ser honrado na presença de seus ancestrais,
Possa seu nome viver eternamente.
Possa Kaipure se unir aos proprietários das oferendas
E que nunca haja um fim para as oferendas trazidas perante sua tumba.
Possa seu coração ser pesado no Salão das Duas Verdades
e permanecer levemente lá contra a pluma de Ma’at.
E que ele possa desfrutar a vida pós-morte entre as resplandecentes paredes dos deuses!
E todos nós voltamos para a casa, com paz em nossos corações.