Abaixo transcrevemos o texto da Carta Proposta de criação da Sociedade sem fins lucrativos, Espaço Ciência Viva. A carta foi composta por um grupo de professores de diversas instituições que constituíram o Comitê Organizador para a criação da sociedade.
O grupo se reuniu ao longo de 1982, consolidando a Carta Proposta.
Em 1983, algumas atividades de lançamento foram realizadas, bem como a criação jurídica da Sociedade e de seu Estatuto Social.
COMITÊ ORGANIZADOR
- ILDEU DE CASTRO MOREIRA (Instituto de Física, UFRJ).
- JAIR KOILLER (Instituto de Matemática, UFRJ).
- JOÃO CARLOS VITOR GARCIA (Observatório Nacional, CNPq).
- JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA (Observatório Nacional, CNPq).
- MAURICE BAZIN (Instituto de Física, PUC-RJ).
- NILZA BRAGANÇA PINHEIRO VIEIRA (Biologia, E.M. Camilo Castelo Branco, autora de livro didático de Ciências, Fename).
- PEDRO MUANIS PERSECHINI (Instituto de Biofísica, UFRJ).
- ROSALIA MENDEZ OTERO (Instituto de Biologia, UFRJ).
- SOLANGE TIMM (FIOCRUZ e Instituto de Biofísica, UFRJ).
CARTA PROPOSTA
O Espaço Ciência Viva (ECV) é um amplo projeto educacional de levar a ciência a todos e a todas, por meio de experimentações, exibições, palestras e excursões.
No Comitê Organizador encontram-se físicos, matemáticos, biólogos, químicos e astrônomos – o que permite abranger vários campos científicos, garantindo o caráter interdisciplinar do projeto.
O ECV será um centro no qual as pessoas poderão se envolver diretamente no processo de experimentação científica, num ambiente em que as atividades, embora sérias e concretas, possuam também um aspecto lúdico e mágico.
A metodologia envolvida no nosso trabalho pretende aguçar a curiosidade inata da criança e “sacudir”, “despertar” o adulto, partindo-se do princípio de que a compreensão da Natureza é uma necessidade natural do ser humano, tal como as artes e os jogos, e que a ciência representa uma atividade criativa ao alcance de todos.
Tendo como base esse princípio é que o próprio espaço físico desse nosso museu vivo pretende ser variadíssimo. Ora lembrando uma fábrica, no sentido em que as pessoas que chegam lá possam fazer coisas por si mesmas. Ora lembrando um circo, onde a proposta é observar e escutar o que fazem os demonstradores, às vezes, de uma maneira quase mágica!
Assim, num canto do Espaço monta-se em mutirão o esqueleto de um boi… num outro, ergue-se uma enorme luneta antiga, num trabalho coletivo de restauração!
Em stands equipados com slides, fotografias, microscópios, material de laboratório, discute-se o tema Saúde, com problemas reais trazidos pela própria clientela. Já em outra sala, a proposta é todos se juntarem para ouvir o astrônomo que está “trocando em miúdos” coisas do Céu e, depois… o grupo sairá ao ar livre para descobrir em lunetas e telescópios, os detalhes dos planetas.
Experiências participativas de Física consistem, por exemplo, reunir tudo o que envolve propagação de ondas, desde fazer pulsos sobre uma enorme corda atada ao teto, ou detectar à grande distância, a voz de um amigo falando no foco de um “orelhão” em forma de paraboloide, até manipular lentes e espelhos em largos feixes de luz.
A meio caminho entre a Física e a Matemática, encontra-se uma experiência com bolinhas e canaletas, com a qual as pessoas tentam prever onde cai uma bolinha desviada por choques com muitos pregos. Assim, serão investigadas continuamente propriedades estatísticas (distribuição binomial, Curva de Gauss).
Uma das salas de Matemática contém uma variedade de instrumentos técnicos a serem manuseados pelo público e cujos princípios se baseiam em propriedades geométricas. Por exemplo, uma articulação utilizada nas locomotivas para transformação de um movimento circular em movimento retilíneo, utilizando as propriedades da geometria inversiva.
Os exemplos são praticamente inesgotáveis. Em todos eles, faz parte ainda da nossa metodologia deixar que as pessoas divirtam-se redescobrindo fenômenos ligados a fatos reais de suas vidas. Mas será deixado bem claro, que cada uma das atividades experimentais ou em exibição significa a redescoberta de uma conquista da humanidade, surgida num contexto social, político e econômico bem determinado e por razões específicas. Pretende-se assim mostrar que a Ciência é um fator de transformação social, de melhoria da qualidade de vida, quando a sociedade toda pode participar do processo de seu desenvolvimento.
Nessa primeira fase, de lançamento, o ECV ainda sem sede própria organizará atividades de rua, através de projetos e recursos internos. Foram escolhidas para isso, a Ecologia e a Astronomia, por serem atividades cientificas lúdicas o bastante para fazer as pessoas saírem de suas casas e caminharem para o mar… para a praça… ou mesmo para a mata, atendendo ao nosso chamado! Em anexo apresentamos nossa programação inicial.
Pretendemos no momento, com as atividades lançadoras, sensibilizar a população e as autoridades para a nossa proposta de trabalho, que para ser continua e realmente efetiva, precisa de um espaço físico, um local, onde possa funcionar ativamente. Levando em conta o caráter popular que pretendemos cunhar ao projeto Espaço Ciência Viva, o ambiente ideal seria algo como uma velha fabrica, como no Exploratorium de San Francisco, Califórnia. Esta imagem corresponde exatamente à da Fundição Brasil.
A nossa proposta às autoridades é integrarmos lá parte de um Projeto Educacional maior, talvez ligando Artes e Ciência. Dado o aspecto lúdico que fazemos questão de ligar ao projeto, nos aproximamos muito das atividades de teatro; por exemplo.
Pretendemos ser procurados pelas famílias em suas horas de lazer, quando então surgirá nos garotos e garotas o desejo de ligar-se a nós mais sistematicamente, numa complementação ao ensino escolar, que ele pode fazer. individualmente ou através de sua escola.
Pretendemos assim, além dessa oferta aberta ao público geral, atingir outra grande meta do ECV: encontros regulares, em diferentes níveis, com o professorado, contribuindo deste modo para uma real reforma do Ensino de Ciências, influindo ativamente numa Reforma Curricular.
Levando em conta as atuais condições da Fundição Brasil, caso nos seja cedida a ala que está em melhor situação estrutural, poderemos começar a funcionar de imediato, complementando assim o raio de ação do novo governo numa das áreas prioritárias para o Brasil, que é o Ensino de Ciências. Uma vantagem adicional é que o projeto lançador, além de integrar universitários, escolares e público em geral, está dentro de uma problemática do momento, que é a defesa da Natureza.
Chamamos a atenção das autoridades, de que o nosso pedido de local papa a instalação do projeto coincide com o momento histórico em que a CAPES lança para 1984 seu “Programa Educação para a Ciência”, com o objetivo de contribuir para o embasamento adequado ao desenvolvimento científico do País, com a implementação de projetos específicos, dos quais o primeiro será o “Projeto para Melhoria do Ensino de Ciências e Matemática”, com a implementação financeira do Banco Mundial por quatro anos, conforme documento que anexamos.
O Espaço Ciência Viva integra-se totalmente nos objetivos do programa da CAPES. Pela abrangência de campos científicos, seu valor pedagógico e o caráter de ser aberto ao público, esperamos que seja aprovado pela CAPES, inclusive para financiamento ainda em 1983, como um dos quatro projetos piloto. Isso nos permitiria dar partida imediata para o desenvolvimento das demais áreas do projeto e, com a garantia de um primeiro financiamento de quatro anos, nos daria tempo suficiente para nos estruturarmos no sentido de uma independência financeira futura como instituição autônoma.
Pretendemos pedir ainda as autoridades do Estado do Rio de Janeiro e do Município (FAPERJ e Secretarias afins) apoio financeiro adicional de infraestrutura e material para a sede definitiva ou para um Espaço temporário com atividades iniciais mais limitadas.
Em resumo: o Espaço Ciência Viva será constituído como Sociedade Civil sem fins lucrativos, que procurará o apoio financeiro de instituições dos governos federal, estadual e municipal e de entidades privadas. Estabelecerá contatos com as Secretarias de Educação, para viabilizar a participação dos professores e alunos das escolas da nossa cidade.
A equipe permanente será formada por cientistas, professores e profissionais, apoiados pop um grupo técnico e administrativo. Para o acompanhamento do público utilizaremos estagiários remunerados por um sistema de bolsas. Os monitores serão preferencialmente recrutados entre alunos de cursos de licenciatura e, em casos especiais, até entre alunos de 1º e 2º grau.
Atividades de lançamento
DIA DO MAR: Biologia na Praia
O paredão da Urca torna-se palco para uma aula onde todos que vão tem papel ativo. Inicialmente crianças orientadas por um professor e três universitários integram três equipes (mergulho, vira-pedra, paredão) para coleta e triagem do material trazido para bandejas distribuídas pelo paredão. Aí começa o troca-troca de informações entre professor-universitários-crianças. Dentro em pouco, mais uma equipe vai surgindo naturalmente: a dos monitores, assumindo as explicações de forma criativa. Data prevista: 15 de maio, Rua João Luís Alves, 136.
Noite do Céu: Astronomia na Praça
Pretendemos convocar o povo para uma apresentação sobre as descobertas dos planetas (Júpiter, em particular), e o seu papel na história da humanidade. Em seguida, todos poderão observar diretamente a Lua e Júpiter, utilizando lunetas trazidas por astrônomos e repartidas pela praça. Datas previstas: 17,18,19 de junho, na Praça Saens Peña e nos Arcos da Lapa. Colaboração da Associação de Moradores AMOAPRA e do Circo Voador.
DIA DA MATA: fauna silvestre vindo a você!
Animais silvestres serão trazidos para ser apresentados ao público por universitários e monitores, desmistificando certos pavores sem fundamento biológico. Nos propomos interessar as pessoas para os problemas que os bichos enfrentam na mata, ligados à sua própria sobrevivência e a perpetuação da espécie. Leva-se assim ao público em geral uma das mais amplas teorias biológicas, a da Seleção Natural, de Darwin.
DIA DO VERDE: Ecologia mata à dentro
Convoca-se o público para partir para a mata” em pequenas excursões de grupo, onde monitores-universitários-professores, levantarão problemas da flora e fauna, numa ecologia realmente vivida. O objetivo maior desta atividade didática-ecológica é a preservação da fauna e da flora, numa metodologia que obedece aos lemas “conhecer para preservar”, já que “ninguém preserva o que não ama” e “ninguém ama o que não conhece”. Estes são os lemas dos Clubes de Ciências BIO MAR Camilo e BIO-MATA Camilo, da Escola Municipal Camilo Castelo Branco, que estarão promovendo as atividades lançadoras de Ecologia para o Espaço Ciência Viva.