O homem que fez a Terra girar

Texto e ilustrações originais de Jean Claude Pecker, Professor de Astrofísica do College de France. Correio da Unesco, Junho, 1973.

Jean-Claude Pecker (1923-2020) foi um astrofísico frances. Professor honorário no College de France (Cátedra de Astrofísica teórica), membro da Academie des Sciences e ferrenho adversário de pseudociencias. Pecker defendia teorias alternativas a Teoria do Big Bang. Autor de inúmeros artigos destinados aos círculos científicos, Jean-Claude Pecker publicou também livros de divulgação científica, de poesia e de arte. Até sua morte em 2020, ele se consagrou ao combate das “pseudociências”.

Em 1973, publicou um diálogo entre pai astrônomo e sua filha Laura sobre Nicolau Copérnico, o homem que fez a Terra girar…

O texto original em inglês, francês e espanhol está disponível na Biblioteca Digital UNESCODOC em https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000050726. Apresentamos abaixo uma versão em português.

Nicolau Copérnico apresentado as crianças

Laura: Papai, está tão bom aqui na sala e eu ainda não quero dormir. Por que voce não me conta uma história?

Pai: Que tipo de história? A do moço que engoliu um guarda-chuva? Ou da borboleta que batia a perna para fazer medo as outras borboletas? Ou voce prefere ouvir uma das Mil e uma histórias do Oriente? ou das Mil e uma histórias do Ocidente? ou das Mil histórias (e mais uma, já ia me esquecendo) do Norte? ou das novecentas e noventa e nove (e mais duas) histórias do Sul?

Laura: Não, não, não… Essas eu já conheço todas, ou quase todas; não quero ouvir de novo. Aliás, todas as histórias inventadas se parecem. Eu queria ouvir uma história verdadeira.

Pai: Uma história verdadeira? Mas, uma história de quê?

Laura: Sei não. Que tal a do moço que está na capa daquela revista e que já vi também em alguns livros de sua biblioteca? Aquele moço de cabelos compridos, olhos claros e uma cara simpática – e com um objeto esquisito na mão. Quem é ele?

Pai: De quem voce está falando? De que revista? É aquele cabeludo do programa de televisão? Ou aquele cantor de rock cabeludo?

Laura: Não são esses não. Esse está na capa do disco. Eu falo é daquele lá, que está naquela revista.

Pai: Esse aqui dessa revista? Esse é Nicolau Copérnico.

Nicolau Copérnico. Pintura, autor desconhecido. Em Town Hall, Torun, cerca de 1580. Acervo Torun Muzeum. Wikipedia. CC0.

Laura: Sim, esse mesmo. Ele se chama Copérnico? Quem é ele?

Pai: Quem foi ele, voce deveria perguntar, porque ele já morreu há muito tempo. Ele nasceu em 1473 em uma das cidades mais antigas da Polonia, a cidade de Torun. Em 1973, comemoramos 5 séculos de seu nascimento e isso foi muito comemorado. Por isso, ele foi capa de muitas revistas e livros. Em 2023, o mundo comemorou 550 anos de seu nascimento.

Visão panorâmica da cidade de Torun. Andrzej Otrębski, 2020. Acervo Wikipedia. Licença CC-BY-SA-4.0.

Laura: Poxa, ele é do tempo bem antigo? Ele é do tempo do seu avô?

Pai: Não, ele é de um tempo muito mais antigo… Voce pode fazer a conta, cinco séculos são quinhentos anos. E meu avo nasceu há apenas cem anos – apenas um século. Voce quer mesmo conhecer a história dele?

Laura: Sim, quero sim!

Pai: Então, se prepare para voltarmos 550 anos atrás… Aquela época era muito estranha e sofrida com guerras religiosas! A Europa acabava de sair da Idade Média (1473). Tinham acabado os 200 anos de guerra religiosa nas Cruzadas contra os não cristãos que terminou em 1291, a Guerra dos Cem Anos com conflitos entre a Inglaterra e a França tinha acabado de terminar em 1453… e muitas outras coisas!

O povo vivia em cidades pequenas e com ruas estreitas. As pessoas tinham medo de se aventurar nas matas, florestas e montanhas – onde haviam muitos lobos, ursos ou mesmo bandidos. E naquelas cidadezinhas calmas e mais ativas, foram criados as “universidades” daquela época – os mosteiros.

Os mosteiros recebiam e acolhiam um grande número de monges que começaram e estudar e fazer pesquisas, como eu faço na universidade atualmente.

As vezes, essas pesquisas eram até engraçadas: eram feitos com vidros de formatos curiosos, com alambiques complicados. E os monges pesquisadores da época acreditavam e procuravam descobrir a chamada Pedra Filosofal, uma pedra misteriosa e mágica, que transformaria Chumbo em Ouro! Essa Pedra Filosofal mágica ainda aparece em muitos livros e filmes de magia e mistérios, até hoje, como na famosa série de Harry Porter!

Era uma época onde reinava a Alquimia, uma espécie de magia e mistério com uma pitada de experiencias ou poções consideradas mágicas.

Os monges pesquisadores também faziam a Astrologia por que se pensava-se que os astros (Sol, Lua, planetas e estrelas) pudessem influenciar a vida dos seres humanos e determinar ou explicar seus destinos. Isso era compreensível na época, pois não se tinha nenhuma ideia ou haviam ideias muito vagas e duvidosas a respeito das gigantescas distancias entre os astros. Atualmente, ainda existem pessoas que fazem ou acreditam na Astrologia – os astrólogos. Eles ou elas ainda publicam horóscopos em jornais ou redes sociais, da mesma forma que muitos monges e filosofos daquela época faziam para reis e membros da corte ou quem pudesse pagar.

Entretanto, o que era uma prática respeitável no século 15 não é mais considerada uma prática científica – especialmente porque os Astrólogos de hoje em dia ainda se baseiam na Astronomia – a Ciencia do Céu – daquela época de Copérnico ou até mesmo na Astronomia das Antigas Civilizações.

Com tanta magia, medo e mistério, era difícil fazer novas experiencias ou avançar na Ciencia daquela época. Além disso, era muito arriscado e perigoso, pois os livros que os professores e os monges utilizavam e respeitavam já tinham respostas para tudo, para todas as perguntas que você pudesse imaginar. Eram principalmente as obras do sábio grego Aristóteles de Estagira e a própria Bíblia. E, por isso, não era permitido contestar, sendo proibido questionar qualquer coisa desses livros. E, sabe filha, muitos desses Alquimistas que faziam experiencias foram queimados vivos em grandes fogueiras em praças públicas, pois eram considerados bruxos, feiticeiros ou demoníacos.

Aristóteles de Estagira, com mão erguida para estrelas de constelações ao fundo. Imagem criada por IA. Edge Copilot.

Algumas das pesquisas e experimentos dos alquimistas nos fazem rir hoje em dia, mas não podemos esquecer que eles eram verdadeiramente pessoas curiosas, a maioria honesta e muitos foram grandes sábios… Como os sábios de hoje.

Laura: Mas, pai, voce não está esquecendo de me falar do Copérnico? Quem era ele, afinal?

Pai: Copérnico era um desses sábios. Ele tinha cabelos compridos e um rosto delicado. É quase certo que ele tinha olhos azuis e que estava sempre olhando o céu. Ele era um homem modesto, discreto e muito tranquilo. Era bastante religioso, católico. Ele nasceu na cidade de Torum, na Polônia, mas acabou vivendo mais na cidade de Frombark, um lugar muito mais frio, mais ao norte, perto do Mar Báltico.

Frombark, Colina da Catedral, com estátua de Nicolau Copérnico. Ludwig Schneider, 2010. Acervo Wikipédia. Licença CC-BY-SA-3.0.

Em Frombark havia uma alta torre!

Torre de Copérnico, Frombark, Julian Nyca, 2016. Acervo Wikipédia. Licença CC-BY-SA-3.0.

Dessa torre, Copérnico costumava olhar o CÉU! E voce vai ficar admirada em saber que Copérnico não tinha lunetas ou telescópios como temos hoje em dia, não havia nada disso no tempo dele. Os astronomos da época tinham apenas seus olhos para observar e uns equipamentos para medir a posição dos astros no céu. Ao mesmo tempo, ele cuidada muito bem das contas do mosteiro e obedecia sabiamente as leis da Igreja de Roma.

Laura: Quer dizer que ele não questionava nem contestava – como os estudantes e os pesquisadores fazem hoje em dia?

Pai: A rigor, não. Ele não ousava falar do que não conhecia muito bem. Mas naquela época, até que já estavam começando a contestar velhas ideias, valores e práticas. Martinho Lutero foi da mesma época da Copérnico e Lutero não acreditava que os católicos da Igreja Romana tivessem interpretado ou compreendido corretamente o Antigo e o Novo Testamento e que a Igreja Romana estava totalmente corrompida, se afastando da verdadeira fé cristã. Ele fazia perguntas, questionava, duvidava…

Pai: Você ficará admirada em saber que Copérnico não tinha luneta nem telescópio, pois não havia isso no tempo dele! Os astrônomos da época só tinham os seus olhos para ver o belíssimo céu estrelado.

Pai: Na época havia um monte de perguntas, perguntas e mais perguntas. Todo mundo fazia perguntas.

Pai: Sabia-se que o mundo não tinha sido criado em sete dias. Que isso era mais ou menos simbólico. Por que parar depois do sétimo dia? E por que acreditar em tudo o que foi copiado e recopiado durante tantos séculos? E depois, começava-se a traduzir para o latim muitos manuscritos hebreus e gregos muito antigos. E esses manuscritos passaram a ser lidos como eram lidos as obras dos sábios árabes e judeus do século 10 e 11.

Pai: Começaram até a imprimir livros. E apesar de nem todo mundo saber ler, aumentou a curiosidade e o número dos que aprenderam a ler. E com isto, o que foi mais importante na época de Copérnico foi o saber não ficar mais fechado em manuscritos raros. Eles começaram a ficar ao alcance dos que sabiam ler e estivessem curiosos para fazer o esforço de ler aqueles grossos volumes.

Nicolau Copérnico observando e medindo os astros celestes na Torre de Frombark. Imagem criada por IA. Edge Copilot.

Pai: Assim, no alto de sua torre, cercada pela pequena e fria cidade, perto do Mar Báltico, Copérnico lia muito. E apesar de não ousar contestar as coisas da religião, ele ia reunindo questões e problemas… Questões sobre o céu…

Laura: Ele não tinha tratados de Astronomia na Biblioteca, como você?

Pai: Claro que tinha, mas… nada do que ele lia o satisfazia. Porque tudo que ele lia parecia ser muito contraditório ou diferente das coisas que ele observava no céu.

Pai: No tempo dos gregos, Aristarco de Samos (310-230 a.C.) disse que a Terra e os planetas giravam em volta do Sol, mas Aristóteles de Alexandria (384-322 a.C.) e Claudio Ptolomeu de Alexandria (90 – 168 d.C.) diziam exatamente ao contrário – que o Sol girava em torno da Terra e os planetas também. Os dois defendiam que a Terra era o centro do mundo.

Sistema geocêntrico com as camadas terrestres: terra, água, ar e fogo e as celestes: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e as estrelas do firmamento. Bartolomeu Velho (?-1568). De seu livro Cosmographia, França, 1568 (Bibilotèque nationale de France, Paris). Domínio Público.

Laura: Mas como vamos perceber a diferença?

Pai: Você fez a pergunta chave. E não é nada fácil. Mas veja, se eu giro em volta de você ou se você gira em volta de mim, rodopiando e dançando, é quase a mesma coisa. Nós dançamos um em volta do outro.

Pai: Mas, se eu prendo uma bola na ponta de um fio, ela gira em volta de mim. Ela é pequena e eu sou grande. E eu me desloco pouco em relação ao soalho da sala. Quase não saio do lugar.

Pai: Os povos antigos acreditaram que o Sol fosse uma bola pequenina, mas no tempo do Império Grego já se sabia bem mais. Já se conhecia todos os detalhes dos movimentos aparentes dos astros: dos planetas, da Lua, do Sol e das estrelas do céu.

Pai: E conheciam muitas outras coisas também. Erastótenes de Alexandria já havia medido as dimensões da Terra e já se conhecia das medidas do Sol, e as suas distâncias. Eles sabiam que o Sol é uma grande bola luminosa bem maior que a pequenina Terra. Isso já era importante.

Pai: Outra coisa que os antigos sabiam é que certos planetas nunca se afastam muito do Sol quando os vemos no céu aqui da Terra, Mercúrio e Vênus estarão sempre pertinho do Sol no céu. Eles não giram de maneira simples em volta da Terra e como estão sempre acompanhando o Sol. associá-los ao Sol é mais natural.

Pai: O Sistema de Mundo de Ptolomeu não era tão simples como eu desenhei. Na verdade, ele imaginava que os planetas se deslocassem em círculos cujo centro fazia um movimento circular uniforme em volta da Terra, Um círculo girando em outro círculo. Com tantos círculos, era uma concepção muito complicada, mas conseguia explicar os movimentos aparentes dos planetas. E era bem melhor do que a ideia de Aristarco que apesar de simples, foi pouco desenvolvida e acabou caindo no esquecimento.

Pai: Ente Ptolomeu e Copérnico muito tempo se passou. E muitos sábios pensaram sobre essas questões. A chamada Idade Média Europeia não foi uma era de ignorância na Europa. Muito ao contrário, pouco a pouco o Sistema do Mundo foi sendo aperfeiçoado. Entretanto, esses progressos ficavam infurnados em manuscritos dentro das bibliotecas de mosteiros. Copérnico, influenciado pela leitura desses manuscritos e pelo sentimento de que o enorme Sol devia, logicamente, estar no centro do mundo e não a pequenina Terra acabou conhecendo o trabalho de Aristarco. E ele foi além. Copérnico imaginou toda uma mecânica dos movimentos dos planetas, mais complexa do que a de Aristarco, porém mais simples do que a de Ptolomeu. E sua principal qualidade era que explicava muito bem os movimentos dos astros, vistos aqui da Terra.

Esse era o Sistema de Mundo de Copérnico!

Sistema Heliocêntrico de Copérnico em Harmonia Macrocosmica; por Andreæ Cellarius; Amsterdã; Publicado em 1661.

Pai: A importância do Sistema de Copérnico é que ele marcou uma revolução – como a Revolução Francesa – que abalou a Astronomia: a Revolução Copernicana. No tempo de Copérnico, se traduzia e imprimia as obras antigas e novas. Assim, podia-se conhecer rapidamente, a léguas e léguas de distância, o que um escritor tivesse pensado e escrito. A Revolução Copernicana também é um pouco a obra dos tradutores e dos impressores.

Pai: Copérnico tinha grandes olhos inocentes. E ele não pensava por mal. Ele teve tanto medo de escandalizar a sociedade e a igreja que seu grande livro só foi publicado quando já era muito velho, em 1543, o ano de sua morte.

Entre seu nascimento (1473) e sua morte (1543) , setenta anos se passaram e o mundo mudou muito!

A Reforma Protestante de Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564), iniciada em 1517 estava consolidada na Europa.

O navegador genovês Cristóvão Colombo havia chegado à América em 1492.

Hernan (Fernan) Cortez invadiu, conquistou e saqueou Tenochtitlán,, a capital do Império Azteca em 1519.

Fernão de Magalhães (1480-1521) dera a volta ao mundo (1519-1522), desbravando os mares e os céus do hemisfério sul.

Erasmo escreveu o Elogio da Loucura.

Rabelais escreveu o Pantagruel.

Michelangelo pintou a Capela Sistina.

Leonardo da Vinci pintou a Gioconda.

A Renascença abriu a Europa para uma nova onda de alegria em viver, uma febre artística e uma curiosidade sem limites – coisas que a Europa havia esquecido um pouco desde a Antiguidade.

Com tanta coisa acontecendo, um novo mundo inteiro se abria. Entretanto, Copérnico tinha razão em hesitar sobre publicar seu livro.

O motivo era principalmente religioso, com alguns trechos da Bíblia. E contradizer a Igreja Católica na época era uma heresia.

Com as novas ideias, como seria possível imaginar Josué parando o Sol, se é a Terra que gira?

E se o Sol foi criado depois da Terra; e a morte da Terra seria a morte de tudo, então o Sol deveria ser subordinado a ela…

I1. No começo Deus criou os céus e a terra.

16. Deus fez, então duas grandes lumineiras. A primeira, a maior, para reinar sobre o dia.

VIII 22. Mas enquanto a Terra existir, as sementeiras e as colheitas, o frio e o calor, o verão e o inverno, o dia e a noite não cessarão.

X13. E o Sol ficou parado, a Lua parou… O Sol passou no meio do dia e não se apreessou em dormir durante um dia inteiro.

Pai: … mas por algum tempo, não se discutia muito isso. Aliás, pensava-se que o Sistema de Mundo de Copérnico não fosse mais verdadeiro nem mais falso do que o Sistema de Ptolomeu. Tratava-se apenas de descrever os movimentos dos planetas, como são vistos aqui da Terra pela humanidade. E a visão humana podia ser falsa, e estar enganada,

Os que seguiram Copérnico, primeiro Kepler e depois Galileu, pensavam o contrário. Eles acreditavam que o novo Sistema era mais verdadeiro do que o antigo. Era bem verdade que o Sol era grande, maciço e brilhante que os planetas, pequenos e sem brilho próprio (eles apenas refletem a luz que recebem do gigantesco Sol), giravam em volta do Sol e, finalmente, era bem verdade que a Terra era um planeta também, como os outros. E em nada maior, nem mais privilegiado em seus movimentos.

E as estrelas, em compensação, estão muito, muito, muito mais longe. Elas servem de referencia fixa. E o deslocamento aparente do Sol, visto aqui da Terra, em relação às estrelas, é o resultado da translação da Terra em volta do Sol. Ao passo que a sucessão de dias e das noites resulta da rotação da Terra em torno de seu eixo.

Laura: Mas quem é que não sabe disso hoje?

Pai: Mas na época de Copérnico, não era bom compreender isso, pois seria admitir que os livros sagrados de muitas religiões possuem muitas histórias encantadoras, mas que tais histórias não nos ensinam muito em termos de Astronomia; seria admitir que as distâncias entre as estrelas eram enormes e que o próprio Sol era uma estrela como as outras e, na verdade, bem maior do que a Terra!

Então, a Igreja Católica de Roma colocou o livro de Copérnico no Index Librorum Prohibitorum, ou Índice dos Livros Proibidos, uma lista de livros proibidos pela Igreja Católica.

Ninguem mais podia ler Copérnico e muito menos acreditar nas coisas que ele escreveu.

Um sábio como Galileu Galilei foi obrigado a dizer numa praça pública, ao contrário do que pensava, que a Terra é imóvel e que o Sol gira ao redor dela para não ser mais torturado ou morto pela Inquisição Romana.

Dizem que ao terminar, Galileu falou baixinho: E pur si muove!

Hoje, a frase de Galileu “Entretanto, ela se move!” e tudo o mais, tudo está bem distante no tempo.

Mas você deveria pensar um pouco sobre essas questões, minha filha! As vezes, a Ciência ainda não tem certas explicações para certos problemas e se contenta com lendas – como a origem da vida, por exemplo.

Um dia, a Ciência encontrará as explicações, como fizeram Copérnico, Galileu e Newton. E, nesse dia, as antigas lendas, os textos sagrados, se tornarão belas histórias, como um conto de Natal!

Laura: Mas, papai, será que a Igreja não tinha certa razão? Que diferença faz se é o Sol que gira ou se é a Terra que gira? O que importa é o movimento relativo, não é?

Laura: Você mesmo já falou um dia de relatividade… eu não entendi muito bem, mas agora começo a entender. Ptolomeu descreveu os movimentos aparentes com menos simplicidade do que Copérnico, mas com a mesma precisão. E quando você diz que um sistema é mais verdadeiro do que o outro, será que não é você que está enganado?

Pai: Minha filha, você não compreendeu muito bem. Se a Terra e o Sol estivessem sozinhos – o Sistema Terrestre (Sol, Terra e Lua) – então, eu concordaria com você que as duas descrições de seus movimentos – O Sol em volta da Terra e a Terra em volta do Sol – seriam totalmente equivalentes, apenas com pontos de vista diferentes.

Pai: Mas temos os planetas. Eles giram ao redor do Sol e não da Terra – simplesmente porque o Sol é bem maior do que a Terra. É por isso que você nunca vê Mercúrio – o planeta mais próximo do Sol – longe de onde o Sol está ou tão perto da direção do Sol que passamos um tempo sem conseguir vê-lo. Lembrando que Mercúrio está distante do Sol, mas sempre o vemos próximo da direção onde o Sol está.

O Sol e Mercúrio vistos da Terra. O Sol percorre as 13 constelações zodiacais em um ano, com Mercúrio sempre orbitando ao seu dedor. Por isso, Mercúrio nunca se afasta muito do Sol no céu. Em vermelho a órbita de Mercúrio em 20/11/2024. Modelagem construída com o Stellarium 24.3.

Os planetas internos vistos de um Observador externo. As setas indicam em que direção do céu, os astros seriam vistos da Terra. Observe que Mercúrio e Vênus estariam próximos do Sol durante o dia. Enquanto Marte estaria no lado da noite terrestre. Modelagem construída com Stellarium 24.3 em 20/11/2024.

Sol se pondo, seguido de seus fiéis companheiros Mercúrio e Vênus, vistos do Rio de Janeiro, 20/11/2024. Devido a luminosidade solar na atmosfera, ambos só podem ser vistos quando o Sol começa a se por e o céu escurece. Stellarium 24.3.

Enquanto Marte, na mesma noite, aparece do outro lado, nascendo após as 23h, acompanhado da Lua. Stellarium 24.3.

Pai: E temos as estrelas. A Terra se move em relação às estrelas. Esse movimento pode ser visto a cada ano. Cada estrela próxima parece descrever uma trajetória e essa trajetória aparente é o resultado da trajetória da Terra em volta do Sol. Não conseguimos explicar isso com o Sistema do Mundo de Ptolomeu. Esse movimento é muito pequenino e só foi observado no século 19 pelo astrônomo Bessel. Copérnico não soube que esse movimento existia. Isso veio confirmar mais ainda as ideias de Copérnico: o Sol é quase fixo em relação às estrelas e a Terra faz um giro completo em relação ao Sol durante o período de um ano solar terrestre.

Laura: Diga, papai, Copérnico recebeu o Prêmio Nobel?

Pai: Não filha. Primeiro, ainda não existia Prêmio Nobel. Depois, não existe Prêmio Nobel de Astronomia nem de Matemática ou Geometria. E Copérnico não era um físico. Ele sabia descrever os movimentos dos planetas, mas não sabia a causa dos movimentos. Foram Kepler e, principalmente, Newton que se preocuparam com as causas. Mas Copérnico jamais será esquecido porque depois dele, o mundo ficou sabendo que a Terra não está no centro do Universo. O Sistema de Mundo passou a ser o Sistema Solar. E porque essa descoberta fundamental permitiu acabar com a ideia de que o ser humano também estava no centro do Universo.

Pai: A Terra gira em volta do Sol. O Sol é uma simples estela entre bilhões de outras na Galáxia. E existem bilhões de Galáxias como a nossa. O ser humano é um animal evoluído, mas no Universo, por certo, existem outros seres, talvez mais evoluídos. E, de qualquer forma, o ser humano não é mais do que um pequenino habitante de um planeta de tamanho insignificante. As coisas voltaram a seu lugar. E ainda que isto fira a vaidade de alguns humanos, devemos admitir que somos realmente minúsculos na imensidão de nossa Galáxia. E tudo isso, nós devemos, em grande parte, a Nicolau Copérnico: a ele, nos devemos nossa modéstia e humildade.

FIM.

Deixe um comentário