Capa: Os sábios idosos de uma aldeia, reunidos para contar histórias ancestrais aos mais jovens. Gerado por IA Edge Copilot, 2025.
Coleção AfroCéus: Primeira temporada
Autor: Paulo Henrique Colonese.
Os Reais Narradores de Histórias Celestes de Bleek e Lloyd
As narrativas dessa primeira temporada de histórias celestes ancestrais dos céus africanos se inspirou em algumas histórias celestes contadas por xamãs, fazedores de chuvas, curadores e narradores de histórias ancestrais de seus povos, pertencentes ao tronco línguistico Khoisan.
Essas histórias são originárias de relatos realizados por alguns contadores de histórias aprisionados pelo governo racista dos países do sul da África. Seus relatos, desenhos e contribuições para a criação de um dicionário de suas várias línguas, coletados pelos pesquisadores Bleek e Lloyd são a grande fonte original das histórias celestes sul- africanas e inspiração para as narrativas criadas nessa temporada.
Wilhelm Heinrich Immanuel Bleek e sua irmã sua irmã Lucy Catherine Lloyd, na Cidade do Cabo. Juntos, em 1870, a dupla conseguiu transfeir o primeiro contador de histórias aprisionado para a casa de Bleek, onde o processo de registro escrito e aprendizagem da língua |xam começou.
Apesar do contexto devastador das vidas desses contadores de histórias, destruídas pelo colonizador, esses contadores de histórias generosamente contaram memórias ancestrais de seus povos com a esperança de preserva-las as futuras gerações.
Eles são a expressão sofrida, mas viva da esperança e nos permitem compreender que:
Olhar para as estrelas influencia quem e o que somos como pessoas.
As estrelas são importantes para a compreensão de eventos significativos no céu, no ambiente e nas relações e valores sociais de como vivemos.
As estrelas são importantes na vida cotidiana para navegar nas savanas, na mata, no deserto e encontrar o caminho de casa.
As estrelas nos ensinam como encontrar alimentos e água, mesmo na escassez das estações das secas.
As estrelas são importantes para anunciar o tempo presente, o passado e o futuro nos preparando para as ventanias, tempestades, chuvas, secas e geadas da vida.
As estrelas são nossos ancestrais nos guiando nos desafios e decisões da vida.
Bleek e Lloyd fizeram registros detalhados de alguns de seus contadores entrevistados e graças ao seu trabalho, podemos conhecer essas pessoas magníficas tentando preservar sua cultura e identidade, mesmo vivendo a brutalidade do apartheid sul-africano, destituídos de suas terras e bens, proibidos de caçar e se alimentar, agredidos por estarem vivos, com suas vidas aprisionadas ou destruídas, mas sem ninca perder a esperança de futuro.
Hoje suas memórias são preservadas no Acervo Digital de Bleek e Lloyd, no Bushman Heritage Museum e em tantas outras pesquisas inspiradas no trabalho desses pesquisadores pioneiros e sua capacidade de ouvir e querer aprender com esse patrimonio cultural dos povos Khoisan.
A eles e elas, nossa eterna gratidão.
Os relatos abaixo sobre os contadores de histórias foram extraídos do Acervo Digital de Bleek e Lloyd.
//Kabbo
Seu nome significa SONHO – um nome perfeito para um sábio xamã e fazedor de chuvas, bem como um excelente contador de histórias e mitos sul africanos.
|kabbo ficou com Bleek e Lloyd entre fevereiro de 1871 e outubro de 1873. ||kabbo se refere ao seu povo como Ss’wa ka !kui – o que significa que ele pertencia a um grupo de |xam que vivia nas planícies. ||kabbo era de uma área próxima à casa de |a!kunta. ||kabbo foi enviado para Bleek e Lloyd no dia 16 de fevereiro da Breakwater Convict Station, onde ele tinha sido preso por dois anos por comer gado roubado.
No caderno de Lloyd, ele relata como homens negros o levaram e alguns de seu povo do lugar onde eles estavam comendo gazelas. ||kabbo conta sobre sua captura junto com seus parentes próximos, sua jornada para o Cabo e sua eventual prisão em Breakwater. Pelo menos parte desse período de encarceramento foi gasto fazendo trabalho forçado.
||kabbo tinha entre 55 e 60 anos na época de sua chegada a Mowbray e provou ser um contador de histórias experiente e talentoso. Enquanto estava em Mowbray, Bleek e Lloyd tentaram localizar sua esposa !kwabba-an sem sucesso e tiveram que garantir sua presença contínua em Mowbray após o término de sua sentença de prisão em 1871 com a promessa de uma recompensa muito desejada – uma arma para caçar. ||kabbo é descrito por seu genro |han≠kass’o nos cadernos de Lloyd como sendo ‘um homem de louva-a-deus’ ou um homem que ‘tinha’ louva-a-deus, e Dia!kwain descreve o ‘lugar’ de ||kabbo como um onde seus xamãs se transformam em pássaros e chacais. ||kabbo também estava intimamente associado a um xamã chamado |kannu, um ‘homem fazedor de chuvas’ do mesmo modo que ||kabbo. Além disso, em seus cadernos, Lloyd observa que |han≠kass’o ouviu sobre os hábitos dos xamãs e algumas outras pessoas ‘que eram todas !giten ‘ (xamãs).
Lloyd comentou, em seu prefácio para Specimens of Bushman Folklore , que ||kabbo gostou da ideia de que suas histórias se tornariam conhecidas por meio de livros. Ele contribuiu com o maior número de narrativas (mais de 3.000 páginas). ||kabbo deixou Mowbray em 15 de outubro de 1873 com |a!kunta para Victoria West, onde encontrou sua esposa. Ele também queria visitar membros de sua família em Calvinia e obter notícias de seus outros parentes. ||kabbo pretendia retornar a Mowbray e Lloyd tentou contatá-lo em Vanwyksvlei, mas ele morreu lá em 25 de janeiro de 1876. Sua viúva !kwabba-an morreu na fazenda do Sr. C. St L. Devenish em Van Wyk’s Vlei no ano seguinte, antes de poder viajar para Lucy Lloyd na Cidade do Cabo. É provável que Lloyd estivesse esperando pela contribuição única de uma narradora |xam mais velha.
|Han≠kass’o
Um jovem e talentoso transmissor da mitologia |Xam.
han≠kass’o ou Klein Jantje ficou com Lucy Lloyd e a família Bleek de janeiro de 1878 até dezembro de 1879.
Ele se autodenominava Ss’wa ka !kui – o que significa que ele pertencia a um grupo de |xam que vivia nas planícies, embora seu pai fosse um !kaugen ss’o ou das montanhas. |han ≠kass’o era genro de ||kabbo. Embora |han≠kass’o estivesse presente na Breakwater Convict Station em 1870, ele não foi selecionado como informante e retornou a Bushmanland após o cumprimento de sua sentença em novembro de 1871. Ele foi preso por dois anos por comer gado roubado junto com seu sogro ||kabbo e seu cunhado ‘Witbooy Touren’.
Após a morte de ||kabbo em 1876, |han≠kass’o e sua esposa Suobba-||kein viajaram para Lloyd na Cidade do Cabo de Vanwyksvlei perto de Kenhardt. Os dois partiram em abril de 1877 com uma criança pequena, deixando seu filho pequeno !hu !hun para trás em Vanwyksvlei com amigos. Como resultado de um incidente onde ela foi espancada violentamente por um policial, Suobba-||kein morreu em Beaufort West em dezembro de 1877 a caminho da Cidade do Cabo. O bebê dela e de |han≠kass’o também morreu em Beaufort West logo após sua chegada lá, como resultado do ataque que levou à morte de sua mãe. |han≠kass’o chegou sozinho em Mowbray no dia 10 de janeiro de 1878 após uma longa estadia em Beaufort West devido à doença de sua esposa. Sua idade foi estimada em cerca de 30 anos na época de sua chegada a Mowbray. Lucy Lloyd tentou, mas não conseguiu que seu filho sobrevivente (que estava contratado por um fazendeiro) fosse trazido a ele, então ele retornou a Bushmanland em dezembro de 1879, para grande pesar de Lloyd e sua família. A notícia foi enviada a Mowbray de seu retorno seguro em Kenhardt pelo Magistrado da Fronteira JH Scott.
|han≠kass’o foi um dos narradores mais habilidosos de Lloyd e ajudou a família Bleek e Lloyd com questões práticas, como a manutenção da casa também. Ele ansiava por conversar em sua própria língua e com seu próprio povo e Lloyd tentou organizar uma família de língua |xam para ser enviada a Mowbray para lhe fornecer alguma companhia. Infelizmente, outra família foi enviada por engano, que teve que ser sustentada por quase 12 meses. |han≠kass’o contribuiu com o segundo maior número de narrativas e cadernos (32 deles foram feitos por Lloyd no total), revelando uma grande diversidade da riqueza das práticas, ideias e crenças de seu povo.
!Kweiten ta ||ken
Todos os narradores contaram as histórias de suas mães, as histórias do poder feminino.
kweiten ta ||ken era uma ‘!nussa !e’ o nome para os San das planícies. Ela veio das montanhas Katkop ao norte de Calvinia e falava o que Bleek e Lloyd chamavam de dialeto ‘Katkop’ de |xam. Ela era irmã de Dia!kwain e era casada com ≠kasin. !kweiten ta ||ken acompanhou Dia!kwain e ≠kasin em sua segunda visita a Mowbray e chegou lá com os dois homens, assim como dois de seus filhos mais novos (meninos, de 6 e 2 anos), no dia 13 de junho de 1874. Seus dois filhos mais velhos se juntaram à família em Mowbray no dia 25 de outubro. Eles foram temporariamente deixados em Wellington.
Embora a casa de Bleek e Lloyd lutasse financeiramente para acomodar e alimentar uma família tão grande, Lloyd estava muito interessado em entrevistar uma mulher |xam que pudesse fornecer informações que os homens não podiam (ou não queriam) sobre costumes, rituais e experiências femininas.
!kweiten ta ||ken também se recusou a permanecer em Mowbray sem seus filhos. No entanto, !kweiten ta ||ken não estava feliz na Cidade do Cabo e contribuiu apenas com dois cadernos de histórias e informações. Seus ditados, que ocorreram em um curto período entre dezembro de 1874 e janeiro de 1875, continham algumas informações úteis sobre práticas envolvendo ‘donzelas’ (como a pintura de jovens com hematita vermelha) e outras atividades especificamente femininas. !kweiten ta ||ken, deixou Mowbray para Bushmanland no dia 13 de janeiro de 1875 com seu marido ≠kasin e seus filhos. Seu irmão Dia!kwain permaneceu em Mowbray.
≠Kasin
Ele ajudou os linguistas a construir um vocabulário |Xam.
≠kasin ou Klaas Katkop veio das montanhas Katkop ao norte de Calvinia. Ele esteve com Bleek e Lloyd de novembro de 1873 até março de 1874. ≠kasin tinha entre 38 e 41 anos quando chegou a Mowbray após a partida de ||kabbo e |a!kunta. Ele foi acompanhado por Dia!kwain (seu cunhado) antes do Natal de 1873. O pai de ≠kasin era um chefe Koranna e sua mãe era |xam e ele era, como resultado, capaz de entender e falar ambas as línguas igualmente bem e conhecia exemplos do folclore de ambos os grupos. ≠kasin foi preso na Breakwater Convict Station por homicídio culposo e cumpriu quatro anos de uma sentença de cinco anos lá. Ele estava envolvido com Dia!kwain no assassinato de um fazendeiro chamado Jacob Kruger.
≠kasin estava impaciente para retornar para sua família e logo deixou Mowbray com Dia!kwain no dia 18 de março, com destino a Calvinia. ≠kasin retornou a Mowbray acompanhado de sua esposa !kweiten ta ||ken e seus dois filhos mais novos, assim como Dia!kwain, no dia 13 de junho de 1874.
≠kasin não foi entrevistado durante sua segunda estadia em Mowbray (embora sua esposa tenha sido) e Bleek e Lloyd não parecem tê-lo considerado um de seus melhores narradores. Mas ele contribuiu para cinco cadernos. As contribuições mais úteis de ≠kasin parecem ter sido no fornecimento de vocabulário Koranna ou (!Ora) e |xam, e informações relacionadas a elementos da vida diária, como venenos e caça.
No dia 25 de outubro, os dois filhos mais velhos de ≠kasin chegaram a Mowbray. Eles foram deixados em Wellington, perto da Cidade do Cabo. ≠kasin e sua família permaneceram na casa de Bleek e Lloyd até o dia 13 de janeiro de 1875, quando partiram para Bushmanland.
|A!kunta
O mais novo dos prisioneiros, tinha 18 anos quando foi capturado.
|a!kunta ou Klaas Stoffel foi o primeiro colaborador de Bleek e Lloyd |xam que chegou a Mowbray em 29 de agosto de 1870 e ficou até outubro de 1873. Ele veio originalmente de uma área chamada ‘Strondbergen’ e era o que ||kabbo chamou de Ss’wa ka !kui – o que significa que ele pertencia a um grupo de |xam que vivia nas planícies. Bleek se refere a |a!kunta como um ‘menino’ em seu primeiro relatório de 1873, embora sua idade seja registrada como 20 anos nos registros da Prisão Breakwater. |a!kunta era casado com uma mulher chamada Ka e eles não tiveram filhos. Bleek tomou conhecimento da presença de 28 pessoas ‘|xam’ na Prisão Breakwater Convict Station e, por recomendação do capelão Revd G. Fisk, |a!kunta foi selecionado para realocação na casa de Bleek porque ele era o ‘menino Bushman mais bem comportado’. Ele foi preso por dois anos, como ele disse, por comer de gado roubado.
|a!kunta tinha muitos parentes que também foram encarcerados no Breakwater. Seu irmão Yarrisho ou Jantje foi preso com ele e Lloyd observa na capa interna do primeiro de seus cadernos que outro de seus irmãos, dois de seus sobrinhos, dois de seus tios e três de seus filhos também estavam lá.
|a!kunta não relatou muito do folclore de seu povo, contribuindo apenas com algumas narrativas e um grande número de palavras e frases. Um homem mais velho, ||kabbo, foi enviado para se juntar a ele em Mowbray em fevereiro de 1871. O termo de servidão penal de |a!kunta expirou em meados de 1871 e em seu relatório de 1873 Bleek escreveu que estava fazendo investigações sobre o paradeiro das esposas de |a!kunta e ||kabbo em uma tentativa de induzi-los a ficar mais tempo. |a!kunta deixou Mowbray com ||kabbo no dia 15 de outubro de 1873 para Victoria West, de onde pretendiam seguir e localizar seus parentes e pertences. De autoridades em Victoria West, Bleek e Lloyd ouviram que |a!kunta chegou lá em segurança e encontrou sua esposa.
Dia!kwain
Filho de um xamã, tinha um profundo conhecimento da tradição oral de seu povo.
Dia!kwain era um ‘!nussa !e’ um nome para os San das planícies. Ele veio das montanhas Katkop ao norte de Calvinia e falava o que Bleek e Lloyd chamam de dialeto ‘Katkop’ de |xam. Ele ficou com Bleek e Lloyd pela primeira vez de antes do Natal de 1873 até março de 1874. Dia!kwain foi preso por homicídio culposo na Breakwater Convict Station e cumpriu quatro anos de uma sentença de cinco anos junto com seu cunhado ≠kasin, a quem se juntou em Mowbray em 1873. Na época em que chegou lá, ele parecia estar no final dos seus vinte anos. Os detalhes do incidente que levou à prisão de Dia!kwain e ≠kasin não são claros, mas parece que Dia!kwain atirou em um fazendeiro que havia ameaçado matar sua família. O juiz deu a Dia!kwain uma sentença relativamente leve de cinco anos por homicídio culposo, acreditando que ele agiu em legítima defesa.
Dia!kwain contribuiu com mais de 2000 páginas de narrativa para Bleek e Lloyd, bem como vários desenhos. Seu pai foi treinado como um xamã e fez pinturas em pele e gravuras. Dia!kwain retornou a Mowbray pela segunda vez em 13 de junho de 1874. Ele acompanhou sua irmã !kweiten ta ||ken e cunhado ≠kasin e dois de seus filhos pequenos. Ele permaneceu em Mowbray após a morte de Bleek em agosto de 1875 e eventualmente partiu em 7 de março de 1876 para Calvinia. Ele estava ansioso para visitar parentes e ouvir notícias de seus filhos. Dia!kwain trabalhou em Calvinia por um tempo a serviço do Dr. H Meyer e mais tarde foi para o campo para visitar uma de suas irmãs, deixando parte de seu salário aos cuidados do Dr. Meyer. Dia!kwain pretendia passar de volta por Calvinia e então retornar para Mowbray, mas ele nunca recebeu seu pagamento e não foi ouvido novamente, apesar das perguntas do Dr. Meyer sobre seu paradeiro. De acordo com Jan Plat, entrevistado por Lloyd em janeiro de 1884, ele tinha ouvido que Dia!kwain acompanhou um fazendeiro chamado ‘Louw’ (cujas ovelhas ele estava mantendo) para Kenhardt e então para o Estado Livre, possivelmente em busca de seus filhos que Dia!kwain pensou que poderiam estar naquela região. Também é possível, de acordo com uma história que Janette Deacon desenterrou, que Dia!kwain tenha sido morto por amigos do fazendeiro que ele atirou, em um ato de retaliação.