Paulo Henrique Colonese, Mariana de Souza Lima, Espaço Ciência Viva.
Parte I: Os Mitos.
- Arco-íris: do encanto à compreensão.
- Arco-íris, chuvas e enchentes na mitologia Yorubá (África).
- Arco-íris, chuvas, nuvens e paixão na mitologia Zulu (África).
- Arco-íris, rios, oceanos e nuvens na mitologia grega (Império Grego).
- Arco-íris, ilha, continente, uma ponte e golfinhos na mitologia Chumash (América do Norte).
- Arco-íris, gelo, gigantes, deuses, cachoeiras e uma ponte na mitologia nórdica (Noruega, Suécia, Dinamarca e Islândia).
- Arco-íris, um rasgo no céu, pedras coloridas e uma deusa poderosa na mitologia chinesa.
- Arco-íris: uma bela índia, um casamento e sete arcos na mitologia Kaxinawá (Brasil).
- Arco-íris: um deus poderoso, um arco e raios na mitologia hindu (Índia).
- Arco-íris: duendes e potes de ouro. (Irlanda).
Os arco-íris são comumente observados em determinadas condições metereológicas bem evidentes. Normalmente, em regiões de chuva, nubladas e também ensolaradas. Deste modo, é natural que a sua explicação e origem estejam associadas a estes fenômenos climáticos.
Nanã, a mãe do arco-íris
Os Iorubás vivem em grande parte no sudoeste da Nigéria. Havendo também comunidades significativas no Benim, Togo e Gana. Trouxeram para o Brasil uma ampla carga cultural, desenvolvida especialmente no plano religioso que os envolvia.
Ifá, o Orixá da Adivinhação, o Mensageiro do Destino, e aquele que conhece todas as histórias já acontecidas e as que ainda vão acontecer, conta que entre os Iorubás, em tempos imemoriais, vivia a mais velha de todas as mulheres, a mais antiga de todas.
Ela era tão velha que até ajudou Oxalá – o Orixá Criador do Mundo – a criar a Humanidade, emprestando-lhe a lama do fundo do lago onde ela vivia para que ele moldasse o primeiro ser humano.
Essa bela história é contada na Cantiga para Oxalá e Nanã, de Nanan:
- Odudua criou o ar, fogo e terra, água e lama pra brincar
- De água e lodo vi chegar no aiyê, Nanã
- A mais velha Iemanjá
- E Oxalá com sua boa argila vem, vem, vem
- Vem moldar, com sua boa argila vem, vem, vem
- Traz a força que gira pra dentro e pra fora
- De todos, todos elementos que essa cabaça
- Que molda a existência aqui contém
- E dessa lama, essa água parada, se forma a terra
- Se sê, para a terra
- E desse mangue, firme e forte, Nanã vem, “saluba Nanã!”
- Vem nanã, mãe das lamas nanã vem, vem, vem
- Vem curar, traz a chuva e todo bem, vem bem
- Pois dela tudo virá, e tudo será devolvido
- Depois de cumprida a missão
- Cada qual, cada ser leva à lama o coração
- “Simbora” aprender, é “philo” e “sophia”, amor e saber
- Viemos de tão longe lá das estrelas
- Pra nessa terra vir morrer ê ê ê ê ê ê
- E vem com seu ibiri, ibiri, ibiri
- Vem com seu cetro de fibra de folha de dendezeiro
- Atada, enfeitada com tiras de couro ornadas de búzios
- Nanã vem. Todo bem que vem, vem bem
- Sou feliz com vocês que são do bem
- Não fico a esperar que as estrelas
- Lá do céu venham baixar
- Com os meus pés me levantei
- Pois dessa lama muito vi e pouco sei.
Apesar de velha, era uma mulher lindíssima e uma deusa. Nanã (nanan = raiz) era seu nome. Ela é a Orixá das Chuvas, dos Mangues, dos Pântanos, da Lama e Senhora da Morte. É responsável pelos portais da reencarnação (nascimento) e da desencarnação (morte).
Afirma-se que Nanã era a rainha de um povo e que tinha poder sobre os mortos. Para roubar esse poder, Oxalá desposou-a, mas não ligava para ela. Nanã, então, fez um feitiço para ter um filho.
OMULU, ORIXÁ DAS DOENÇAS E DA SAÚDE
Tudo aconteceu como ela queria mas, por causa do feitiço, o filho, Omolu nasceu todo deformado, com várias doenças de pele. Omulu é o Orixá da Varíola e Doenças Contagiosas, responsável pela catalepsia, epilepsia e convulsões. Responsável pela terra, é ligado simbolicamente ao mundo dos mortos, como sua mãe. É o Senhor das Doenças e da Saúde, especialmente as epidêmicas como a varíola; e cuida de suas respectivas curas.
Não admitindo cuidar de uma criança assim, Nanã acabou abandonando-o numa praia, onde Iemanjá o achou abandonado, quase morrendo. Ela o curou e criou como se fosse sua mãe, dando-lhe todo o amor e carinho. Sabendo do que Nanã fez, Oxalá condenou-a a ter mais filhos e a expulsou do reino, ordenando-lhe que fosse viver num pântano escuro e sombrio.
OXUMARÉ, O ORIXÁ ARCO-ÍRIS
Seu segundo filho, ao contrário de Omulu, era saudável e belo. Entretanto, Naná foi castigada por ter abandonado o primeiro filho, e Oxumaré não ficou ao seu lado, viajando por toda parte. O príncipe Oxumaré usava roupas de todas as cores, que realçavam ainda mais sua beleza.
Ifá dizia que houve um tempo em que a Terra foi quase destruída pelas Chuvas. Chovia o tempo todo, o solo ficou todo encharcado, e os rios transbordaram para fora de seus leitos, de tanta água. As plantas e os animais morriam afogados, a doença e a morte prosperavam.
“A chuva é coisa boa, mas não pode durar para sempre”, pensou Oxumarê.
Então, o jovem filho de Nanã, apontou seu punhal de bronze para o alto e com ele fez um grande corte em arco no céu, ferindo a Chuva.
A Chuva parou de cair e o Sol pôde brilhar de novo. Desde então, quando chove muito, Oxumarê risca o céu com seu punhal de bronze. Quando isso acontece, todos podem ver o belo príncipe vestido com suas roupas multicoloridas. Todos podem vê-lo na forma de arco-íris. Na língua ioruba, Oxumarê quer dizer exatamente isso: o Arco-Colorido.
Oxumaré é o orixá que liga o céu à terra, deus do arco-íris, representado por uma serpente, senhor da agilidade, da sorte, da transformação, do ciclo da vida, e da dualidade, já que passa 6 meses como cobra e 6 meses como homem. É o único orixá que pode ir para O Orun (Céu) sem sair do Aiyé (Terra).
Na mitologia Yoruba, os Orixás (yoruba Òrìsà) são ancestrais divinizados africanos que correspondem a forças da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. As características de cada Orixá aproximam-os dos seres humanos, pois eles manifestam-se através de emoções como nós. Sentem raiva, ciúmes . Cada Orixá tem ainda o seu sistema simbólico particular, composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos e até horários.
Observamos, então, que os arcos-coloridos estão intimamente relacionados ao final ou início do período de chuvas e enchentes – quando as nuvens são iluminadas pela luz solar nas condições exatas para que podem ser observados e admirados.
Além disso, seu significado é enriquecido com uma série de valores e conflitos sociais e ambientais associados ao seu núcleo de Orixás e respectivos simbolismos:
- a chuva, a tempestade, a água, a vida e a morte.
- a beleza e a feiura, a doença e a saúde.
- o cuidar e o abandonar à morte e à doença
todos, de algum modo, correlacionados às chuvas e enchentes e as condições de vida e saúde que delas decorrem.
Algumas considerações sobre o mito.
O mito de Oxumarê possui várias versões transmitidas de forma oral com pequenas variações em sua narrativa. A história apresentada sintetiza as principais características comuns às várias versões existentes.
A história inicia contextualizando a origem de Oxumarê, apresentando dois personagens responsáveis pela preservação do patrimônio cultural da cultura. A primeira personagem é Ifá, o senhor da história que transcende o passado e percorre os domínios do passado, presente e futuro. A segunda personagem Nanã, hora apresentada como mulher, hora como deusa, está associada pela sua antiguidade à origem da humanidade. Ela colaborou com a criação do primeiro ser humano, dando a Oxalá o material primordial necessário – a lama para a criação.
Em seguida, como mãe, Nanã gera dois filhos, Omulu e Oxumarê, que vão simbolizar forças e situações antagônicas na natureza como podemos sintetizar no quadro abaixo.
Características e simbolização | Omulu | Oxumarê |
Vestimenta | Palha, sem adornos ou enfeites. | Joias, ornamentos e cores alegres. |
Aspectos estéticos e saúde. | Pele com marcas e chagas de doenças. Corpo totalmente coberto para esconder as marcas da doença. Associado à feiura. | Associado a beleza, sempre bem vestido. Associado a muitas cores vibrantes e alegres. |
Associação a fenômenos | Doenças naturais, epidemias. | Arco-íris, simbolizando o fim de tempestades e inundações. |
Poderes associados | Orixá das doenças ou da varíola e outras doenças contagiosas. Tendo o poder da cura sobre as doenças e epidemias. | Representa também a riqueza, prosperidade e fortuna. Estando associado ao fim das inundações e tempestades e cura de doenças visuais. Na cultura nagô representa a mobilidade, simbolizando as forças que dirigem o movimento. |
Quadro 1. Comparação significados simbólicos dos orixás irmãos Omulu e Oxumarê.
Podemos observar que os fenômenos naturais foram simbolizados em personagens e que as relações entre os fenômenos são transformadas na narrativa da história em suas associações e oposições. Nesta cosmogonia, o arco-íris é uma conexão entre os mundos espiritual e material, e além disso está personificado na figura de Oxumarê. Vale destacar que apesar do simbolismo e de relações sobrenaturais existentes, ainda permanece uma conexão forte com o mundo natural quando a narrativa se aproxima das condições climáticas naturais que possibilitam o surgimento e as condições de visibilidade do arco-íris, sempre ao início ou final de tempestades.
Como podemos ver no mapa conceitual abaixo, Oxumarê é caracterizado por duas oposições:
- Com seu irmão Omulu (doenças, epidemias e morte).
- Com os orixás que comandam as tempestades e inundações.
Deste modo, Oxumarê é uma simbolização de condições ambientais e de saúde para os seres humanos.
O mito de Oxumarê é o que mais destaca as propriedades naturais envolvidas no surgimento do arco-íris e a valorização social e estética das condições climáticas. Assim, é uma das histórias muito adequada para refletir sobre as conexões entre a cultura, o mito e a ciência.